Estou no Pátio, em Vila do Conde. Estive a falar com o Ramiro. As gajas vêm, insinuam-se. Eu, preso à mesa, observo. Não sou mais do que os outros. Escrevo. A escrita vem-me da alma, do pensamento. Apesar da juventude circundante, acho isto um tédio. Tédio que os guardiões da ordem estabelecida impõem. Porque não berrar, desatar aos saltos, lançar o caos? Porque não sair da net e do Facebook e encontrar os verdadeiros amigos? Porque não pôr bombas nos bancos e nas bolsas? Quem te ensinou a andar direitinho? Quem te fez a cabeça? Se tivesses mais nome ouvir-te-iam mais. Assim só chegas a alguns, poucos. Não falas com desconhecidos. No fundo, vives uma vida à margem. Sofres com a solidão mas é a solidão que te permite criar. Lês muito, lês livros, lês jornais. Conheces. Contudo, nem sempre consegues transmitir as tuas ideias. Estás triste. Os amigos partem. As amigas estão sempre ocupadas com a merda do trabalho. Trabalho que nos rouba a vida, que nos escraviza. Não que não seja necessário um esforço para escrever, para criar. Manténs-te fiel ao papel e à caneta, ó poeta. Preenches cadernos. Às vezes ficas tão tímido, quase não consegues falar. Outras vezes descarregas tudo. Nem tanto nos últimos tempos. Nem tens explodido. Nem sequer em palco. Andas contido. Só vês putos à tua volta. Putos e rock n’ roll. Podias ser um filósofo como Sócrates mas não tens discípulos. Podias pregar a virtude, a verdade, a justiça. Que se há-de fazer? És diferente deles. Nem sequer os conheces. Não conheces esta nova geração dos tablets, dos portáteis, dos smart-phones. Vens de outro tempo, de outra vida. Discutias a liberdade com os teus amigos do liceu. A cabeça deu várias voltas. Não és inferior aos escritores de sucesso. Falta-te um pouco de disciplina, talvez. De resto, leste os livros, ouviste os discos. Ainda não andas a vender poemas como o Ulisses ou como o Ramalho. A vender ou a oferece-los às gajas. Daqui a uns tempos possivelmente publicarás isto em livro. Algumas gajas lerão e far-te-ão elogios. Vives do aplauso, ó poeta. Vives das gajas, mesmo que elas não te liguem puto. Vives e bebes. Não há salvação, cara psicóloga. É o poeta maldito, a “Avis rara”, o homem de outras eras. Não vê a felicidade aqui. Também não acha que os outros a vejam. Conversam, riem mas não colocam as questões. Verdadeiramente não dialogam, não discutem as grandes questões da vida. Não percebem que para derrubar o capitalismo é necessária alguma violência. Nem percebem, principalmente a juventude, que só recebem umas migalhas. O grande dinheiro vai para os “credores”, para os especuladores, para os exploradores, para os mercadores. Paz podre, verdadeira paz podre. Não se incendeiam automóveis, não se partem lojas. Ficas reduzido a uma vida perfeitamente amputada, a uma vida ordenada, a uma vida sem gozo autêntico, sem liberdade autêntica. Trabalhas, serves o patrão ou o governo. Passas a vida a pagá-la. Não estudas para te enriqueceres. Fazes tudo em função do patrão, do papão. Acorda! Desperta do sono. Eles fazem-te a cabeça. Não percorres com Sócrates as ruas de Atenas. Não és convidado para entrar nas casas. Não discursas nem pregas como Jesus. Estás no tédio, no vazio. As gajas estudam. Duvido que seja literatura ou filosofia. Quem sabe? Desprezam-se as artes em favor da ciência e da tecnologia. Não há brilho. Não há união, unidade como em Abril. O homem escreve só, à mesa.