quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

A GRÉCIA E A GOTUCHA

A Gotucha está só e deprimida. Infelizmente, não posso ir ter com ela a Braga. A Gotucha tem sido a minha grande companheira ao longo dos anos. Passámos por muita coisa juntos. Vivemos juntos. Celebrámos juntos. Compartilhámos alegrias e tristezas. 
O dias de hoje são especiais. Grandes transformações se esperam na Europa e no mundo. Isto pode mesmo virar. Os sonhos dos utopistas, dos anarquistas, dos marxistas podem tomar forma. Apetece ir para a rua gritar, reinar, festejar. O homem novo levanta-se. El Che vive.
Entretanto, vou levando a minha vida na confeitaria de Vilar do Pinheiro. Ouço as conversas. Leio Edgar Morin e Sebastião Alba. As coisas rolam. Sou o último dos beats, o último dos poetas de café. O reconhecimento avança. Sim, atravesso uma grande fase. Só lamento a Gotucha. Mas ela vai erguer-se. Quanto a mim, aposto nas crónicas, no diário à Sebastião Alba. Escrevo bem, não tenho dúvidas. Escrevo bem quando quero. Só me falta ter um jornal panfletário e cultural. Preciso de dinheiro. A coisa vai rebentar. E esta gente não se apercebe de nada. Não compreende que a Humanidade está em jogo na Grécia. Na Grécia de Sócrates, Platão e Aristóteles. Na Grécia da filosofia, da poesia de Homero e de Hesíodo, das peças de Sófocles e Eurípedes, da democracia de Péricles, do "Banquete" e da "República". Sim, somos gregos, somos livres, deixaremos de ser escravos de Bruxelas e da Merkel. Sim, renasceremos no meio do caos e da barbárie.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

A VITÓRIA HISTÓRICA DO SYRIZA

A vitória histórica do Syriza nas eleições gregas significa o princípio do fim desta União Europeia financeira e capitalista. O Syriza vai acabar com a austeridade e vai romper com a Troika e com o imperialismo alemão. Acabou o medo. A ditadura dos mercados está posta em causa. As bolsas tremem. Os partidos do centrão são derrotados e a extrema-esquerda sobe e ganha, como pode também acontecer com o Podemos em Espanha. Há muitos anos que a extrema-esquerda não subia ao poder na Europa. Há, de facto, algo de novo, um novo espectro. A dignidade, a verdadeira democracia, a justiça social, a fraternidade e a igualdade são finalmente reconquistados. Haja esperança. Da terra de Sócrates, Platão e Aristóteles vem o verdadeiro socialismo, o socialismo de rosto humano, o reinício do homem novo de Che Guevara. A revolução mundial está à espreita.

sábado, 24 de janeiro de 2015

BÁRBARA

A Bárbara apanhou porrada do Carrilho
a mana do Ronaldo insultou o Figo
eis o grande show das nossas vidas
o "reality-show"
a "Casa dos Segredos"
as vedetas digladiam-se na praça pública
e nós assistimos
eles vivem por nós
nós não vivemos
sobrevivemos
com o nosso trabalhinho
e as nossas prisões
o Sócrates está preso
faltam os outros
puta de novela imbecil
cegos que se deixam levar por imbecis
tudo se vende na arena
o pai e a mãe, se for preciso
onde está Atenas?
Sócrates, Platão
onde está o meu irmão?
Vale tudo
nestes dias sombrios
há uns palhaços pagos
para nos fazer rir
e há os outros patetas
a acumular dinheiro e poder
há os vendilhões
e o país a arder
há o poeta sentado à mesa
há o poeta cada vez mais só
até recebe ameaças pelo telefone
incomoda
era preciso que fôssemos mais
muitos mais.
Guardeiras, "Veracruz", 20.1.15

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

AS COMUNAS LIVRES E O MUNDO NOSSO


Havia comunas livres na Europa, durante a Idade Média e no sec. XVI. Eram os movimentos hussistas e anabaptistas que, segundo Kropotkine, além de constituirem uma revolta contra os senhores, assumiam a rebelião completa contra o Estado e contra a Igreja, contra o direito romano e canónico em nome do cristianismo primitivo. Pregava-se a liberdade absoluta do indivíduo, que não deveria obedecer senão aos ditames da sua consciência, o anarquismo e o comunismo. Negava-se ao senhor a posse das terras e ao Estado o tributo pessoal ou em dinheiro. 
Sim, somos utópicos. Mas aquilo que defendemos já existiu. Há que actuar na educação e na cultura. Levar até às crianças, aos jovens e aos outros cidadãos o gosto de ler, de aprender, a sabedoria. As almas de escravos não podem contemplar a beleza, diz Agostinho da Silva. "O escravo é aquele (...) que não se pode libertar da miséria dos dias iguais", do tédio. Enquanto não nos emanciparmos, enquanto não fizermos uso do direito de pensar, de questionar, de sermos dignos, seremos escravos ao serviço da máquina do dinheiro, da castração e do mercado. Enquanto assistirmos a programas pimba e imbecis na TV, enquanto o futebol for uma religião, enquanto as telenovelas e as vedetas cor-de-rosa reinarem, nunca seremos livres e autónomos. Muitos de nós reduzem-se a macacos que comem, bebem, consomem e trabalham. Teremos de ser audazes, teremos de ir ao encontro das pessoas como Sócrates ou Jesus, teremos de provocar a discussão, teremos de transmitir os nossos conhecimentos. Interviremos no domínio da arte, da criação, da literatura, interviremos na política e na cultura, todos seremos filósofos no sentido de trazer as pessoas para a luz em vez das trevas, da banditagem e da corrupção capitalistas. Transmitiremos o amor e a virtude. Mostraremos como somos livres, como só dependemos da nossa consciência. Mostraremos que queremos o mundo de uma vez por todas.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

MENDIGO

Quando eu for mendigo
As meninas vão-me expulsar
D’ “A Brasileira”
Ainda assim a louca
Vem ter comigo
Fala-me do Papa e da Igreja
Pergunta-me se estou nervoso
E eu aqui com a cerveja
Sou um homem do mundo
Mesmo que não saia de Braga.



Braga, “A Brasileira”, 29.7.2013

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

MULHERES QUE ME QUEREM

Há mulheres que me querem, que são amigas, companheiras. Há outras que não me entendem porque sou o poeta maldito, porque ando teso, porque sou diferente, porque digo e escrevo coisas que os outros não dizem. Não sou homem de casamentos, de família. Sou o poeta dos cafés e da rua. Às vezes estou mesmo à margem da sociedade. Daí que muitas mulheres não me entendam, mesmo que sejam simpáticas comigo. Eu procuro um mundo novo. Um mundo sem castrações, sem opressão, sem manipulação. Não tenho modelos a propor. Sei que não quero andar cabisbaixo, que não quero as pessoas a atropelarem-se umas às outras, que não quero a exploração do homem pelo homem. Sei que quero a revolução. Sim, há mulheres que debatem comigo, que me respeitam, mesmo sendo eu um boémio. Sim, quero gozar, divertir-me, beber a valer. Queria aproximar-me dos jovens e das crianças. Contar-lhes o que sei. Sim, quero ser um filósofo. Não um pregador da morte mas um pregador da vida. Quero falar do que poderia ser.

sábado, 10 de janeiro de 2015

VIVER PARA CONHECER

Viver para conhecer. Estudar os mestres e conhecer os deuses e os demónios interiores. Sim, viver para a curiosidade e para a descoberta, puxar pelo pensamento e pelo coração. Entender o homem. Porque se move e se levanta da cama. Porque ri e chora. Porque se deixa controlar por outros homens e pela máquina. Porque alguns se adaptam ao sistema dinheiro/trabalho e outros não. Porque somos possuídos pela loucura. Porque criamos grandes obras. Quem somos nós, afinal? Nascemos com a bênção da vida, brincamos, vamos à escola. Dependemos dos pais, dos professores, dos amigos, dos colegas. Uns (poucos) mostram-nos a via livre, a vida do conhecimento, da diversão, do belo, outros empurram-nos para o mercado, para a prisão, para a ordem. E assim nos vamos distinguindo uns dos outros, alguns de nós pintamos, fazemos teatro, escrevemos poemas e continuamos nesse caminho. Alguns de nós, mesmo ficando sós, reflectimos sobre as grandes obras, procuramos o sentido da vida. Alguns de nós, mesmo sendo rejeitados, malditos, questionamos Deus, o Estado, o Mercado. Alguns de nós sabemos que a vida é uma bênção, que a vida é muito mais do que nos mostram. Que a vida é gozo, criação, sabedoria. Alguns de nós sabemos que a vida é embriaguez, vertigem, que não pode ser trabalho, imposição, escravatura. Alguns de nós sabemos que a vida é liberdade, amor, poesia. Alguns de nós sabemos que viemos para reinar, não para fazer o que nos mandam. Alguns de nós conhecemos a nova sabedoria, a nova ideia, a nova alegria como preconizava Rimbaud. Alguns de nós sabemos que o pensamento é infinito, que nada é impossível. Alguns de nós, mesmo renegados, reprovados, atirados para um canto ou para as ruas, sabemos que podemos escrever a grande obra, que casando os mestres com a vida interior alcançaremos o paraíso.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

MENSAGEM

A miúda lê um livro na confeitaria. Talvez um romance. Novidade absoluta. Esta gente não é apegada à leitura. Desconhece os benefícios da leitura. Ler é saber, é descobrir o mundo. Não seria este que sou hoje se não tivesse lido os mestres, se alguns não mos tivessem mostrado. Eis o caminho que passei a seguir aos 17/18 anos. Tive excelentes notas no 12º. Era um jovem promissor. Mas os livros, os discos e os filmes deram-me a volta à cabeça. Sobretudo Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Saramago, Nietzsche, Jim Morrison, o "Apocalypse Now" de Coppola. Nunca mais fui o mesmo. Comecei a pôr em causa o capitalismo, a via única, o pensamento único. E é esta a mensagem que deixo aos jovens e aos adolescentes. Pensem por vocês próprios, leiam poesia, romances, filosofia. Procurai o vosso caminho também na música: Doors, Led Zeppelin, Lou Reed, Joy Division. Não acrediteis na linguagem dos políticos do sistema, dos empresários, dos economistas. Tal é a linguagem da predação, da manha, da corrupção. Daquele que se safa e passa à frente. Discuti entre vós quem é o homem, o que veio fazer à Terra. Contai uns aos outros as vossas aventuras interiores e exteriores. Partilhai os vossos conhecimentos, escutai os mestres, procurai o céu na Terra. Sede únicos e gozai, gozai muito.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A OCUPAÇÃO DE REFLECTIR

O homem deve dedicar o menor tempo possível ao trabalho, que não é honra nem virtude mas antes necessidade e condenação, segundo Agostinho da Silva. O homem deve dedicar-se à ocupação de reflectir, filosofar e discutir as doutrinas dos sábios e os interesses da cidade. Deve também entregar-se à arte e à criação. Daí que o homem deva sentir desprezo pelo dinheiro e pela acumulação de riquezas, pela pequena intriga e pela inveja, daí que o homem não deva perder a criança em si, que escolha o caminho da liberdade em vez de se deixar levar pelas patranhas capitalistas do negócio, do empreendorismo, da competividade, de tudo o que o oprime interior e exteriormente. O homem deve ser também capaz de se governar a si próprio, de prescindir do Estado e da governação. O homem deve atravessar a aventura da vida como um príncipe das ideias e como um criador.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

OS VENDILHÕES

A sociedade actual, apesar dos grandes avanços científicos e tecnológicos, conduz cada vez mais à doença mental e ao suicídio e "tende a sabotar a segurança interior, a felicidade, a razão e a (própria) capacidade de amar", nas palavras de Erich Fromm. Os vendilhões da política e da economia não fazem qualquer esforço no sentido de educarem as massas, a fim de que estas se preparem para se governarem a si próprias, contentando-se com a manipulação e a exploração delas, acrescenta Aldous Huxley. Habituado à televisão e à Internet, o homem comum não é capaz de se concentrar ou de fazer um esforço intelectual prolongado. O seu ofício não é pensar, mas simplesmente trabalhar. Vítima da manipulação do espírito, o homem comum não tem a noção de que é vítima, nem se apercebe da prisão onde vive, julgando-se livre. Mesmo os jovens parecem totalmente indiferentes à ideia de se governarem a si próprios e parecem não se interessar pela liberdade de pensamento e pelo direito de discordar. E a "liberdade e a independência só existem quando o indivíduo pensa, sente e decide por si", ainda Fromm. De facto, na televisão reinam o baixo nível cultural, a infantilização dos telespectadores, o futebol, as telenovelas, a "Casa dos Segredos", os cantores pimba. Dão-nos lixo, em suma. As pessoas ficam atrofiadas, não aprofundam os pensamentos e as ideias, não lêem os grandes livros, não dão importância à cultura, vivendo no mundo do dinheiro e da falta dele, vivendo de modas e aparências, de coisas sem qualquer importância.