sábado, 27 de dezembro de 2008

NIETZSCHE

Enviai-me a loucura, habitantes dos céus. A loucura para que finalmente eu acredite em mim.

























Estou só na confeitaria
com o bêbado
os outros agarram-se ao bolo-rei
e ao Natal
o bêbado acende o cigarro
gesto proibido
que provoca a ira da Maria
o bêbado fuma lá fora
e o Rocha não atende o telefone
chateou-se comigo o Rocha
por causa do baiano e do guitarrista
sinto falta do Rocha
e das suas análises futebolísticas
o bêbado reentra
coloca a cerveja no balcão
paga a despesa
estou-me a ver daqui a uns anos
se continuar assim
o bêbado tolerado pela gerência
com um pouco mais de literatura, claro,
com umas ideias
mas bem sei que, a partir de certo ponto,
as Marias deixam de nos respeitar
deixamos de pertencer ao círculo
dos cidadãos respeitáveis
passamos a estar completamente à margem
e isso é triste, muito triste.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

MANIFESTO CONTRA OS GOVERNANTES E CONTRA OS POLÍTICOS


Vós, governantes,
que amais o gado eleitor
que o mantendes cativo
que o converteis à mansidão
ao ram-ram da compra e venda
que o seduzis com as leis do dinheiro,
do trabalho e do relógio
vós, governantes,
que odiais a vida e o espírito livre
que tudo reduzis à mesquinhez
da percentagem e da conta
que amais o cidadão cumpridor
que vos masturbais com a bolsa
vós, políticos,
que invejais tudo quanto é grande,
tudo quanto é belo,
que o mantendes afastado do rebanho
que tudo tendes normalizado,
formatado, castrado
que sois incapazes de olhar o além
vós, políticos,
que redigis discursos ocos
que seduzis bacocos
que vendeis sabonetes
que vos escondeis nos gabinetes
vós, políticos,
que fornicais o poder
que vos guerreais pelo poder
que vos aliais pelo poder
sabei que a vossa hora
está a chegar
vós, políticos,
que pregais a morte
que apelais à doença
que instituis a crença
no mercado salvador
sabei que a vossa hora
está a chegar
vós, políticos,
que sois uma merda
que deixais os outros na merda
que fazeis do mundo uma merda
sabei que a vossa hora
está a chegar...

NATAL

É Natal
o brasileiro saúda-me
é Natal
e o Natal nada me diz
as bolas, as árvores, os pais natais
os apelos à bondade, à fraternidade
tudo isso me passa ao lado
tudo isso me soa a falso
se o meu pai estivesse vivo
se estivesse na infância
as coisas seriam diferentes
é Natal
e o Natal nada me diz.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

MAMAS E FUTEBOL













Nada há na inteligência destes primatas
senão futebol
o que vale é que há as mamas da empregada
para me entreter
pouso nelas
apalpo-as
agarro-me à vida
a vida que tu, o genial poeta-filósofo, amas
não o ecrã onde a bola rola
que produz todos os discursos dos primatas
o seu único passatempo
a sua filosofia
a sua essência
quão pobres são os teus semelhantes, ó poeta
incapazes de sentir, de compreender
o teu trovão
às vezes pergunto-me se vale a pena
cantar a humanidade
se vale a pena trazer a boa nova
a estes imbecis
ou se não será melhor
dirigir-me apenas a alguns companheiros
aos espíritos livres
e às mamas, claro,
à carne tenra
que se insunua para nós

De súbito, entra um polícia
traz consigo as forças da proibição, da repressão
mestre, que fazer?
Atirar-lhe pedras como na Grécia
dar-lhe um tiro
as mamas dizem-me que não
são piedosas
trazem o amor
e põem-me louco, mestre
põem-me louco
não sei o que fazer
os homens de génio, mestre
estão sempre demasiado avançados
para os seus contemporâneos
mas aquelas mamas, mestre
aquelas mamas põem-me louco
louco que sou no fim de contas
absolutamente fora do senso comum
há bolas por todo o lado, mestre
os futeboleiros primatas afogam-se
em bolas e golos
e eu danço, mestre
eu danço
danço com as mamas em cima do balcão
danço com os gregos a minha rebelião
danço sobre o vosso tédio
dinamito as vossas bolas e o vosso coração
sou aquele que não esperais
sou aquele que vem dos séculos
que percorre a estrada do excesso

vira-te para a frente, filha,
para eu te ver bem as mamas.

GAJAS BOAS











Gajas boas, vós amais o poeta
deixai os bares e as discotecas da moda
deixai as passerelles e as revistas cor-de-rosa
deixai as conversas superficiais e os futebolistas
gajas boas, ide ter com o poeta
olhai que ele se afoga no àlcool e na solidão
olhai que ele se perde no riso do Do Vale
olhai que ele está prestes a cair ao chão
gajas boas, vós amais o poeta
ide ter com ele aos tascos,
aos cafés, às esplanadas
falai com ele
animai-lhe o espírito
dai-lhe beijos na boca
gajas boas,
estais na Terra para salvar o poeta
deixai os executivos
dai-lhe amor
de vós depende a Obra
gajas boas, fornicai o poeta

A CASA VIVA COM A GRÉCIA









O espectro da liberdade surge sempre com uma faca nos dentes

Ao contrário do que nos querem fazer crer os meios de comunicação, o assassinato, às mãos da polícia grega, no passado dia 6 de Dezembro, do jovem de 15 anos Alexandros Grigoropoulos (Alexis) não foi um incidente isolado. Tratou-se, antes, duma explosão do Estado repressivo que, de forma sistemática e organizada, aponta para os que resistem, os que se revoltam, os que combatem o estado actual das coisas e a autoridade que lhe dá corpo. Tratou-se, enfim, da escalada do ataque generalizado a toda a sociedade, que pretende impor formas mais rígidas de controlo e exploração e que se reflecte diariamente nos “acidentes de trabalho”, na perseguição e encarceramento de imigrantes, na pobreza, na exclusão social, na chantagem para que nos integremos num mundo de divisões sociais, todos crimes daquilo a que, geralmente, se chama o Sistema.

Tudo, claro, bem regado pela guerra ideológica coordenada entre os mecanismos dominantes de comunicação e os poderes, que nos convencem de que não há alternativa, pelo menos até que uma crise ponha a nu as contradições do seu modelo, altura em que decidem que serão novamente eles, os arquitectos do modelo falhado, a guiar-nos para novos paradigmas.

Das escolas transformadas em armazéns de putos, às universidades onde se tenta criar carreiristas acríticos, passando pelos espaços tétricos da escravidão assalariada em que nos encerram e pelas fronteiras de arame farpado onde se impede que os deserdados apoquentem o banquete, a democracia e o capitalismo mostram a sua verdadeira face.

Da mesma forma, as chamas nas ruas de várias cidades gregas não são uma uma resposta unicamente direccionada ao assassinato policial. Sem o sufoco social crescente que acompanha a raiva que agudiza a revolta contra a norte de Alexis, não haveria essa característica fundamental que os protestos gregos trazem em si, a de se voltarem contra a estrutura vigente e não apenas contra a conjuntura governamental ou repressiva do momento.

Neste contexto, as pedras arrancadas das ruas gregas e atiradas à polícia ou às catedrais do mundo-feira, as garrafas ardentes que recortam os céus, as universidades ocupadas e transformadas em assembleias de debate aberto, todas as acções e tentativas, são pedaços do mundo insubmisso, livre, fraterno e justo com que, eles e nós, sonhamos. A sua coragem para continuarem a resistir apesar da porrada, da prisão, das nuvens de gás lacrimogéneo e das balas, são um exemplo para que não nos calemos nunca perante o medo e o silêncio que nos querem impor e que, ao invés, os utilizemos como detonador do levantamento contra o terrorismo de legal que pratica o Estado e da criação de algo novo, fundado em novos princípios.

Utilizando as leis “anti-terroristas” que, por toda a europa, se têm imposto da forma como sempre as têm utilizado, as autoridades estão, neste preciso momento, a deter os que lutam e a confrontá-los com acusações como “associação criminosa”, num ambiente devidamente temperado pelos meios de comunicação, verdadeiros guardiões do status quo, que, com a sua propaganda que vê “violência” numa montra partida e “normalidade” num ser humano a morrer à fome, pavimenta o caminho à repressão, de forma a que tudo volte à fatalidade da injustiça e da submissão.

Daqui, queremos deixar bem claro que não temos dúvidas sobre o lado em que estamos. Ao lado dos que apelam “não deixem este hálito flamejante de poesia atenuar-se ou extinguir-se”. Solidários com os que lutam, com os detidos nos confrontos dos últimos dias, com todos os que se juntaram à mesma luta no Chipre, Alemanha, Espanha, Dinamarca, Holanda, Reino Unido, França, Itália, Polónia, Turquia, Estados Unidos, Irlanda, Suécia, Suíça, Austrália, Eslováquia, Croácia, Rússia, Bulgária, Roménia, Bélgica, Nova Zelândia, Argentina, México, Chile e, certamente, muitos outros locais deste planeta que é nosso.


CASA VIVA

domingo, 21 de dezembro de 2008

O POETA E AS GAJAS BOAS







E cá está o poeta de café, só, diante da folha que já não é branca. E cá está o poeta a olhar, a ver se gajas que o entusiasmem, que o façam cavalgar. As gajas boas são as musas que lhe dão tesão, que o fazem sair da letargia. Mesmo que nunca as conheça, que nunca fale com elas, o poeta depende das gajas. São elas que se insinuam, são elas as ancas que gingam, são elas as mamas que abanam. O poeta sem as gajas não é nada. O poeta não cria, o poeta não escreve, o poeta não vibra sem as gajas. O poeta pensa no assunto e bebe. Bebe cada vez mais, fino após fino mas as gajas boas não aparecem. Só entram gajas feias e engravatados. O poeta aborrece-se e bebe. Bebe, bebe, bebe, até que rebenta.
- A culpa é vossa, gajas boas,
só aparecestes agora que o poeta está rebentado, feito em pedaços
olhai que perda para a Humanidade
olhai que se tivesses aparecido a tempo
o poeta teria escrito a obra imortal
de agora em diante ide, ide pelos campos
à procura dos poetas
ide dar-lhes de comer e de beber
a vida dos poetas está na vossa mão
e nas vossas mamas
e na vossa pássara
sede dignas dos poetas, ò gajas boas.

O POETA







O poeta vai ao consumismo
o poeta senta-se
apetece-lhe berrar
olha para as gajas
quer-lhes o sangue
sem o sangue delas
não consegue escrever
escrever é tudo para ele
é a sua razão de ser
o poeta agora brinca
dá cambalhotas
olha para as gajas
come-lhes o cu
o poeta é doido
não tem limites
gosta de sobressair
o poeta caga, mija
masturba-se na àrvore de Natal
o poeta odeia o cidadão normal
o poeta não trabalha
o poeta não obedece
o poeta só quer saber das gajas
o poeta é um ser àparte.


"Norteshopping", Dezembro 2008.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

JIM MORRISON







JIM MORRISON, PROFETA DA REVOLTA


Jim Morrison, o poeta/cantor dos Doors. Fascina-me desde os 16/17 anos. Nessa altura do liceu ouvia muito os Pink Floyd. Conhecia as letras subversivas do Roger Waters, as críticas mordazes à Thatcher e ao sistema. Mas quando um amigo meu me emprestou o disco “Strange Days” e a longa canção “When The Music’s Over” houve uma explosão. Tem piada que à primeira audição estranhei a coisa. Mas depois, bem depois havia aquele órgão e aquela bateria e o Jim cantava: “estamos fartos de tantos rodeios/ fartos de esperar com o ouvido colado ao chão/ queremos o mundo e exigimo-lo… AGORA!” Todas as infâncias, todas as antigas convicções, todas as missas, todos os preconceitos acabavam ali. Quando o Jim Morrison gritou “NOW!” eu tornava-me outro. Não há aqui misticismos baratos. É aquela urgência de quem não pode esperar mais. Tem de ser “agora” ou então está tudo perdido. Terminou o tempo das “risadas” e das “doces mentiras”, como diz o outro épico dos Doors, “The End”, que esteve na base do “Apocalipse Now” de Coppola. Tem piada que as palavras proféticas de Morrison voltam agora a fazer todo o sentido com as revoltas na Grécia. É uma revolta que ultrapassa os sindicatos e os partidos, uma revolta com pedras e “cocktails molotov” que não se limita à exigência do derrube de um governo, uma revolta de raiva que põe tudo em causa, uma revolta sem negociações, uma revolta morrisoniana, daqueles que estão “fartos de tantos rodeios”, que exigem nada mais, nada menos do que o próprio mundo.

A postura de Jim Morrison em palco ajuda à lenda. Os concertos dos Doors eram celebrações dionisíacas, num terreno nietzscheano que transcende o bem e o mal. Jim Morrison era o xamã que provocava o público até à loucura. Havia mulheres que se despiam, que tiravam os soutiens, que dançavam como nos antigos bacanais. Jim também era Dionisos com a ajuda do álcool e de outras drogas, era o “deus” que achava os “hippies” e o “flower power” ingénuos, que falava do amor no meio do caos, que dizia aos jovens que não passavam de escravos que faziam tudo o que lhes mandavam fazer.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O POEMA


Quando vou dizer poesia
não vou apenas dizer poesia
vou passar mensagens
sinto que estou próximo
de escrever "o poema"
o poema à Nietzsche, divino,
que vá muito para lá das bolas de Natal
que incorpore a raiva, a revolta
que vai nas ruas de Atenas
e que se vai estender por toda a Europa
o poema que está no sexo, nas mamas das gajas
que permanentemente se insinuam para mim
e me acendem
o poema que está nas vozes dos deserdados da vida,
dos que dormem à chuva e ao frio nas ruas,
nas cabines telefónicas, onde calha
o poema dos poetas malditos que insultam a vida imbecil
dos burgueses, que dizem não às convenções e às normas,
que sobem à montanha da àguia e da serpente porque estão fartos
do rebanho e da populaça, porque estão fartos dos cegos
que se deixam governar por imbecis, como dizia Shakespeare
o poema daqueles que não se contentam com a lógica do dinheirinho
e do trabalhinho, daqueles que vão ao fundo deles mesmos e do mundo,
daqueles que odeiam o mercado e os contabilistas que governam,
daqueles que se tornam neles mesmos e que dizem que o melhor governo
é não existir governo nenhum
o poema daqueles que amam o caos porque sabem que é do caos
que nasce a criação, daqueles que amam as alturas e o perigo,
daqueles que se entediam com o paleio imbecil do dinheiro
e do sucesso mediático
o poema daqueles que amam vertiginosamente sem limites, daqueles que
procuram o sublime, o céu na Terra e que sabem que pode estar ao virar
da esquina
o poema daqueles que amam a vida, a vida pura, autêntica, a vida que não está
nos bancos nem nos governos nem nas Igrejas nem no quotidiano imbecil
e previsível
o poema daqueles que vivem em rebelião, que não suportam mais a existência quadrada e vazia, a existência de percentagens, bolsas e estatísticas que esses cabrões
contabilistas nos vendem
o poema daqueles que já nada têm a perder, que atiram pedras e cocktails molotov
aos cães da polícia, aos representantes dos contabilistas e dos economistas, que
combatem a morte em nome da vida e que sabem que só assim a coisa é possível, sem
dirigentes nem vanguardas, sem negociações, mediações ou sindicatos,
já se fizeram todas as negociações possíveis, já se esgotaram todos os entendimentos,
as negociações quase mataram o Homem, quase tornaram o Homem numa espécie falhada
é tempo de reagir
agora ou nunca!
WE WANT THE WORLD AND WE WANT IT NOW!
Não aqui meios-termos
não há meias palavras
ou...ou...
ou és nosso ou és deles
estou a falar da vida
estou a falar da celebração
estou a falar da liberdade
estou a falar do amor
do amor que não está nos negócios, do amor que não está no mercado, do amor que não está no dinheiro, no amor que não está no senso comum
este é o poema
o poema que não está no mercado
o poema que não vale 4,3% nem 9%, nem 15,5% nem 18 valores
o poema que não é nota, o poema que não vai a exame
o poema que vai ao mar e se deixa levar
o poema que te ama
e que não quer saber do Natal
o poema que dança
e que não grama prisões
o poema que canta
e não quer saber de cifrões
o poema armado
que vai à luta
que vai até ao fim
o poema que vai à lua
que não tem fim
o poema que te chama
que te acena
ao lado de Merlin
o poema que procura
que anda às turras
até encontrar
o poema que conquista
que se lança ao mar
sem medos
o poema-torpedo
o poema que perfura
até conseguir
o poema que incomoda
que não está na moda
e que, se calhar, até está
o poema que cria
o poema que destrói
o poema que inaugura
e que dói

olha, alguns fogem
viram a cara
outros ficam
siderados, talvez
nunca tinhas escrito bem assim...

Vilar do Pinheiro, "Motina", 16.12.2008

domingo, 14 de dezembro de 2008

A MINHA VIDA É


Continuo na "Motina"
e o bêbado continua a dormir
em frente ao copo
parece que dorme num barraco
não consegue dormir de noite
e vem para aqui dormir
a empregada, de vez em quando, desperta-o
mas o homem volta a adormecer
não se passa mais nada
senão o bêbado a adormecer
em frente ao copo
e as empregadas a lavar a loiça
e a falar da vida
comigo é que elas não falam
não sei o que dizem de mim
nas minhas costas
mas devo ter fama de cidadão respeitável
por estas bandas
mal sabem elas das minhas actividades subversivas
e das minhas ligações aos anarquistas da Grécia
mal sabem elas do que penso do Sócrates
e dos governos em geral
-o melhor governo é não existir governo nenhum-
isto para não falar dos versos flipados que escrevo
fica tudo de pernas para o ar

é certo que, em tempos, fiquei famoso
por atirar umas pedras à Junta de Freguesia
e por aparecer caído na estrada podre de bêbado
de madrugada mas isso são histórias do passado
já ninguém fala nelas
devem pensar que sou um estudioso
que vem para aqui
estudar teses filosóficas obscuras
e escrever romances
um intelectual distante das coisas do povo
um homem de poucas palavras
que vai à cidade falar com outros intelectuais
que, de vez em quando, tem umas saídas
que ninguém entende
mal sabem as coisas que me passam pela cabeça

olha! O bêbado levantou-se e foi embora
finalmente alguma acção!
Mal sabem elas que quando fico bêbado
- e há séculos que não estou-
sou cem vezes pior do que este
este não incomoda ninguém
quando fico bêbado
o mundo treme
fica de pernas para o ar
a questão é que quando estou bêbado incomodo
mas, se calhar, sou muito mais interessante
do que sóbrio
vou à essência
atingo o Nirvana, sabes
as àguas correm livres
as deusas beijam-me na boca
não tenho limites
faço a revolução sózinho
já estive assim em palco, sabes
mesmo sem estar completamente bêbado
sabes o que é um gajo estar para lá
completamente passado
é uma experiência única
algumas gajas acham piada
muita piada mesmo
outras fogem
sabes o que é seres uma espécie de deus
capaz de tudo
para lá do bem e do mal
cagares para as normas e para a polícia
acima das convenções
acima da própria vida
seres o Ubermeinsch de Nietzsche
saber que podes estar
a uma garrafa de whisky de atingi-lo
isto porque nunca experimentaste os ácidos
tanto quanto sabes
que se foda a conversa das velhas!
Que se fodam todas as conversas imbecis do rebanho!
Se podes atingir a coisa
se a coisa existe
e acena para ti
talvez a consigas mesmo atingir
sem beber
talvez a coisa esteja já em ti
talvez não precises de ir mais longe
talvez te bastes a ti mesmo
para atingir o sublime
talvez tires os óculos
talvez comeces a ver tudo distorcido
talvez ouças as canções dos 22 anos
quando paraste o filme em Braga
quando disseram que o Che Guevara
tinha mandado fechar o hipermercado
quando os velhotes te faziam continência
na rua
já lá vão 18 anos
acreditaste que estava tudo feito
que já tinhas feito a revolução
de calças de ganga e uma faca de plástico
na mão
a coisa saiu nos jornais ou na rádio
nunca soubeste bem
voltas a pôr os óculos
entram umas gajas
apetece-te comê-las
chegaste a um ponto
onde já não há preconceitos
"o homem superior é aquele que não tem preconceitos,
que faz da vida um experimento permanente,
que se passeia na corda-bamba do devir,
o homem superior é um menino e um grande bailarino."
A Alexandra também diz que tu és sempre o menino,
já a Paula o dizia, a Gotucha diz que o Nietzsche
te deu a volta à cabeça
e tu gostas de dançar
ah, se gostas
-bailarino, há quanto tempo não danças?-
ias para a discoteca dar espectáculo
dançar com o Morrison e com o Curtis
com os índios e com as bacantes
uma vez até foste agredido no "Clube 84"
nunca soubeste bem porquê,
pensaste que foi por razões políticas
porque tinhas falado para a televisão
num debate contra o racismo
mas não, não foi apenas isso
bateram-me porque ficaram incomodados
com a tua dança
ficaste em tronco nu
ficaste possesso
completamente fora
as gajas também
e os gajos ficaram incomodados
ficaram com medo que as gajas lhes fugissem
lhes fugissem para Dionisos
eras Dionisos
por isso te bateram
a tua sorte era que os porteiros eram pretos
se não tinham-te desfeito,
ó Dionisos
também a polícia já te topou
também já te ameaçaram de porrada
sabes, tu realmente
não estás aqui
para sacar dinheiro
nem para trabalhar
em empregos rotineiros
tu és o menino
que inventava personagens
tu és o menino
em que o teu pai depositava muitas esperanças
com quem o teu pai se irritava sobremaneira
quando não conseguias falar
porque guardavas tudo para ti
és esse menino
que brincava com as meninas
e que quer que elas voltem
a brincar agora
as meninas que te atraem, claro,
às outras não ligas
não sei se isto é sublime
mas isto é a minha vida
a minha vida, porra!
A menina traz-me o café
mas, sei lá, não há aquela coisa
a gaja não me bate
é simpática, sei lá
não me posso atirar a todas
quiseram crucificar-me
naquela noite no "Clube 84"
mas eu lá me safei
como das outras vezes
não sei como
sei lá, acho que não sou bem como os outros,
já quando era puto me destacava
depois tive muitas dificuldades de afirmação
na adolescência
aos 17, 18 anos despertei- sei lá
mas depois vieram as depressões longas
e voltava a fechar-me na concha
não sou bem como os outros
a minha mãe ensinou-me a ler aos 4 anos
tinha uma memória prodigiosa

um "rasta" entra na confeitaria
entra também a Arlinda
o "rasta" tinha o peito cheio de "piercings"
assustou a Maria
e o poema nunca mais acaba
já o meu pai
vinha para a confeitaria
fazer cálculos matemáticos
também era, à sua maneira,
um incompreendido
com o seu Fermat, o seu Pitágoras
herdei muitas coisas dele
mas segui por outros caminhos
rumo à noite
rumo ao underground
esta coisa do ram-ram
da vidinha do senso comum
das coisinhas
dos troquinhos
do trabalhinho
aborrece-me de morte

vou ler o jornal.


Vilar do Pinheiro, 14.12.2008

NÓS SOMOS PELA INSURREIÇÃO MAS O ALEGRE TAMBÉM FALA DA VIDA



AOS PARTIDOS

É indiferente impor uma opinião ao rebanho ou permitir-lhe cinco opiniões diferentes: quem discordar das cinco opiniões públicas e se puser à margem terá sempre contra si todo o rebanho. (Nietzsche)

AS PUTAS AO PODER


Olho triunfal para o vidro da confeitaria
e vejo os carros passar
as empregadas lavam a loiça e a roupa suja
como sempre o assunto
é o dinheiro e a falta dele
não me apetece pensar em dinheiro!
Apetece-me antes cavalgar a Bretanha
em busca do Santo Graal
apetece-me antes cortejar as damas bonitas
dar-lhes flores, poemas, diamantes
e claro sexo também
que isto de romantismos
tem os seus limites
não me apetece pensar em dinheiro
nem em coisas úteis
utilitarista que chegue já é o primeiro-ministro
esse cabrão cinzentão
sem coração
faz falta uma revolução como na Grécia
bancos pilhados
automóveis incendiados
faculdades ocupadas
ou nós ou eles!
Aqui o pessoal ainda não acordou
anda tudo à espera do Natal
talvez o menino Jesus vá ao cu ao Pai Natal
isto para não sermos pedófilos
se não dizíamos o verso ao contrário
ainda nos resta alguma moralidade
nada temos a ver com os cabrões
da Casa Pia
nem comemos criancinhas ao pequeno-almoço
nem ao almoço
nem ao jantar
também não somos gatunos
mas nada temos contra os ladrões de bancos
afinal de contas, os outros figurões
também andam a roubar
o Dias Loureiro, o Jardim Gonçalves,
o Teixeira Pinto
quem sabe se até o Cavaco
o mundo seria melhor sem presidentes
e sem governos
dos deputados nem se fala
esses quase nem põem lá os pés

as putas ao poder!
As putas ao poder
que os filhos já lá estão!
Vamos aí noite fora
convocar as putas da rua da Alegria à Trindade
organizar comícios e sovietes
o soviete da Alegria
o soviete da Trindade
e nos intervalos dá-se uma foda
estas, ao menos, não são difíceis
as putas ao poder!
Mobilizem-se também os bêbados e os mendigos
dê-se-lhes de comer e de beber
organizem-se banquetes pela cidade
estamos próximos da "República" de Platão
é claro que Platão era um defensor
da ética, da harmonia e da ordem
e nós não
nós só na etapa final
depois de passar o caos todo
depois de uns estrondos aqui e ali
é evidente que isto não é conversa para velhas
a juventude ouve-nos mais
talvez, por paradoxal que pareça, estejamos na moda
as velhas só falam de crimes hediondos com facas
coisas muito violentas para gajos pacíficos
como nós
tem piada que aos 20 e aos 30 poucos nos acompanhavam
e agora, aos 40, estamos na moda
tem piada que nunca liguei a essas merdas da moda
quando ia com as gajas às lojas de roupa
e elas me perguntavam qual era o vestido
ou a camisola de que gostava mais
eu dizia sempre o amarelo ou o vermelho
só para as satisfazer

pronto, a velha estragou tudo
agora fala de suícidios
lá se foi a boa disposição
lembro-me da Gotucha na Madeira
já não me liga desde que arranjou namorado
a rádio passa uma música melada
já não me apetece estudar alemão.

Vilar do Pinheiro, "Motina", 13.12.2008

DIA DE SOLIDARIEDADE ANARQUISTA COM ATENAS


[CasaViva] Dia de acção internacional - Anarchist Solidarity Initiative‏
From: casa-viva@googlegroups.com on behalf of Projecto CasaViva (casaviva167@gmail.com)
Sent: Sunday, December 14, 2008 5:37:27 PM
To: casa-viva Mailinglist (casa-viva@googlegroups.com)

20th December - International Day of Action - Call from Occupied Uni's of Athens
Anarchist Solidarity Initiative

"We don't forget, we don't forgive" - day of international action against state murders, 20.12.2008


-- International Call --

Today (Friday), the assembly of the occupied Athens Polytechnic decided to make a callout for European and global-wide actions of resistance in the memory of all assassinated youth, migrants and all those who were struggling against the lackeys of the state. Carlo Juliani; the French suburb youths; Alexandros Grigoropoulos and the countless others, all around the world. Our lives do not belong to the states and their assassins! The memory of the assassinated brothers and sisters, friends and comrades stays alive through our struggles! We do not forget our brothers and sisters, we do not forgive their murderers. Please translate and spread around this message for a common day of coordinated actions of resistance in as many places around the world as possible.

http://www.indymedia.org.uk/en/2008/12/415273.html

E É A ESSES BANQUEIROS DE MERDA E À MERDA DAS BOLSAS QUE A MERDA DO SÓCRATES DÁ A MERDA DO CACAU

OLH'Ó JARDIM GONÇALVES, OLH'Ó TEIXEIRA PINTO, OLH'ÓS BANQUEIROS RESPEITÁVEIS DESTE PAÍS. OLHAI A MERDA QUE NOS GOVERNA


Três últimos ex-presidentes estão na lista
Banco de Portugal acusa oito ex-gestores executivos do BCP de práticas de gestão ilícitas
14.12.2008 - 19h45
Por Cristina Ferreira
Pedro Cunha (arquivo)

Jorge Jardim Gonçalves foi um dos ex-presidentes do BCP acusados
O Banco de Portugal acusou oito ex-gestores executivos do Banco Comercial Português (BCP) de, entre outras coisas, terem prestado informações falsas e incompletas e de terem facultado às autoridades dados contabilísticos errados que não reflectiam o valor real do banco.

Uma situação resultantes da compra de acções próprias por off-shores ligadas ao BCP e que, segundo o supervisor, lhe foram ocultadas. Segundo o PÚBLICO anuncia na edição impressa de amanhã, para além dos três últimos ex-presidentes executivos do BCP, Jorge Jardim Gonçalves, Paulo Teixeira Pinto e Filipe Pinhal, o BdP notificou ainda Cristopher de Beck, António Castro Henriques, António Rodrigues, Alípio Dias e Alexandre Magalhães. Estes têm agora 30 dias para se defenderem das acusações de que são alvo por parte do BdP. O supervisor deixou de fora da acusação três ex-executivos: Alexandre Bastos Gomes, Francisco Lacerda e o polaco Boguslaw Kott.

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sábado, 13 de dezembro de 2008

AINDA TERRA






O meu poema "Terra", publicado na colectânea "do silêncio" (Edições Silêncio da Gaveta) intriga-me. Já me tinha quase esquecido desse poema, quando depois de uma primeira parte de desilusões com o palco, com as mulheres, com a realidade fora dos livros, com a TV e com o futebol terrenos surge uma segunda parte: "regresso ao bosque ao Graal/ao inferno à santa loucura/e queres ficar lá para sempre/e queres ficar para lá da mente", uma segunda parte absolutamente mística, relacionada com os meus estados maníacos em que aos ventos da eternidade do Santo Graal sucedem infernos de perseguição e de (santa) loucura. Um poema escrito há cerca de dois anos em estado quase alucinado que termina nos braços da "Grande Mãe/Terra". Um poema que diz que para lá ou para cá da terrinha, da vidinha quotidiana do tédio, da "plateia deserta" e das "mulheres tomadas" existe uma Vida, um "bosque" onde procuras o Santo Graal, onde desces aos infernos, onde tens encontros com a "santa loucura", onde "queres ficar para sempre" porque sabes que, no fim, regressas (eterno retorno) ao "mito criador", ao Uno Primordial, á Grande Mãe, à Terra, ou seja, a ti mesmo, à criança sábia de Nietzsche.

PARA A RITA

Se eu tivesse dinheiro
vinha cá embebedar-me
todos os dias
só para te olhar
se não houvesse dinheiro
nem cartões
ia contigo até ao mar
recomeçar.


A. Pedro Ribeiro in "do silêncio", dos poetas, Edições Silêncio da Gaveta.

TERRA

Sobes ao povo, ao aplauso
mas a plateia está deserta
sais à procura de mulheres
mas já estão todas tomadas
encontras o amor e a liberdade
nos livros
mas chegas cá fora
e não se passa nada
procuras a vida na TV
e saem-te bailados de caveiras
ninfas produzidas
que nunca serão tuas
notícias esquizofrénicas
que te fazem a mona
escravos a correr atrás da bola
e outros a aplaudir,
a crucificar juízes
ou a foder o vizinho do lado

Regressas ao bosque ao Graal
ao inferno à santa loucura
e queres ficar lá para sempre
e queres ficar para lá da mente
a dançar com Dionisos e as bacantes
a beber com deuses e palhaços
a celebrar com o xamã e com o Jim
a regressar ao mito criador
aos reis e poetas de onde vens
a Zeus à Grande Mãe. Terra.


A. Pedro Ribeiro in "do silêncio", dos poetas, Edições Silêncio da Gaveta.

EM PORTUGAL, COMO NA GRÉCIA, REVOLUÇÃO

O SEXO E A REVOLUÇÃO


Não vejo por mais que isso desagrade a alguns revolucionários de espírito tacanho, porque é nos deveríamos abster de agitar os problemas da revolução, do amor, (do sexo), do sonho, da loucura", escreveu o poeta surrealista André Breton.
Queremos estar numa paisagem "onde a revolução e o amor alumiam concordantes espantosas perspectivas e mantêm conversas perturbadoras", disse outro grande surrealista, René Char (1). Ao pé destas palavras, toda a politiquice mundial, nacional e local torna-se absurdamente mesquinha, absolutamente imbecil e pequena.


A esmagadora maioria das políticas nacionais e autárquicas, mesmo as ditas de esquerda ou de esquerda alternativa, é feita de mesquinhices, de lutas de galos ou galinhas por poleirinhos, lugarzinhos ou tachinhos, de medidazinhas que, centímetro a mais, centrímetro a menos, reproduzem a ideologia dominante e fogem ao essencial. E o essencial é a liberdade, a poesia e o amor, incluindo o sexo puro e duro, em todas as suas variantes, à boa maneira do Marquês de Sade ou de Henry Miller.
A poesia revolucionária e sexual de Rimbaud, de Nietzsche, de Jim Morrison, dos Led Zeppelin, de Karl Marx, de Bakunine, de Rosa Luxemburgo é a única resposta possível ao capitalismo, ao mercado, ao mercantilismo, cujos valores- a rentabilidade, o lucro, a eficácia- tudo controlam: as decisões dos governos, o funcionamento das famílias, das escolas e dos "media".
Quem o disse foi um outro revolucionário, chamado Marcos, que está no México, em Chiapas, em toda a parte. "Hay que endurecerse sin nunca perder la ternura jamas", afirmou um dia (ou terá sido uma noite?) outro revolucionário, que era argentino e cidadão do mundo, e que também anda por toda a parte.
Para bom entendedor...

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

COMUNICADO DO GRUPO SURREALISTA DE ATENAS






O ESPECTRO DA LIBERDADE SURGE SEMPRE COM UMA FACA NOS DENTES


O nec plus ultra da opressão social está a ser atingido a sangue frio.
Todas as pedras arrancadas do pavimento e atiradas contra os escudos da bófia ou contra as fachadas dos templos comerciais, todas as garrafas flamejantes que traçam suas órbitas no céu nocturno, todas as barricadas erguidas nas ruas das cidades, separando a nossa área da deles, todos os caixotes do lixo do consumo que, graças ao fogo da revolta, tornaram-se Algo saindo do Nada, todos os punhos erguidos sob a Lua, são as armas dando carne, assim como a força verdadeira, não só à resistência como também à liberdade. E é precisamente o sentimento da liberdade que, nesses momentos, é a única coisa em que vale a pena apostar: aquele sentimento das manhãs esquecidas da infância, quando tudo pode acontecer, porque fomos nós, como seres humanos criativos, que despertámos, e não aquelas futuras máquinas humanas produtivas conhecidas como “sujeito obediente”, “estudante”, “trabalhador alienado”, “proprietário”, “mulher ou homem de família”. O sentimento de enfrentar os inimigos da liberdade – de não mais os temer.

É portanto com boas razões que estão preocupados, aqueles que desejam continuar com a sua azáfama como se nada estivesse a acontecer, como se nada tivesse acontecido. O espectro da liberdade surge sempre com a faca nos dentes, com a vontade violenta de quebrar as cadeias, todas aquelas cadeias que tornam a vida uma miserável repetição, servindo para reproduzir as relações sociais reinantes. No entanto desde Sábado, 6 de Dezembro, as cidades do país não estão a funcionar correctamente: nenhuma terapia de compras, nenhuma abertura de estradas para nos levar para o trabalho, nenhumas notícias sobre as próximas iniciativas governamentais de recuperação da economia, nenhuma mudança tranquila de uma telenovela para outra, nenhuma condução nocturna à volta da Praça Syntagma, etc, etc, etc. Estes dias e estas noites não pertencem aos mercadores, comentadores de TV, ministros e bófia: Estes dias e estas noites pertencem ao Alexis!

Como surrealistas estamos nas ruas desde o início, juntamente com milhares de outros, em revolta e solidariedade; pois o surrealismo nasceu com o hálito da rua, e não tenciona abandoná-la jamais. Após a resistência massiva ante os assassinos do estado, o hálito da rua tornou-se ainda mais cálido, mais hospitaleiro e criativo que antes. Não é da nossa competência propor uma linha geral ao movimento. No entanto assumimos a nossa responsabilidade na luta comum, já que é uma luta pela liberdade. Sem ter que concordar com todos os aspectos deste fenómeno de massas, sem sermos partidários do ódio cego e da violência pela violência, aceitamos que este fenómeno existe por um bom motivo.

Não deixemos este hálito flamejante de poesia atenuar-se ou extinguir-se.

Tornemo-lo numa utopia concreta: transformar o mundo e mudar a vida!

Nenhuma paz com a bófia e seus mandantes!


Todos para as ruas!

Aqueles que não sentem a raiva que se calem!


http://velha-toupeira.blogspot.com

FÊMEA SELVAGEM


Venho
eu de bibliotecas
de mundos contemplativos
de batalhas pelo saber
e avisto a mulher
a mulher selvagem
que ginga e balança
as formas em todo o seu esplendor
a mulher primitiva
convertida ao balcão
que passeia as sandes e os cafés
a mulher de cabelos negros
égua que relincha
e acende a paixão
a mulher livre
que atira a bandeja ao ar
que trabalha com displicência

Estamos no mesmo mundo
parece mentira
até acredito nos deuses
se fores minha
andas de um lado para o outro
e eu sempre parado
pasmado a contemplar o espectáculo
trazes cervejas
mas não para mim
sou um ser à parte
um renegado
a vida é assim
agora falas no Natal na infância
ah, querida
candida-te à presidência
leva-me à demência
que eu voto em ti.

Vila do Conde, 11.12.2008

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

WE WANT THE WORLD AND WE WANT IT... NOW!




"'We want the world and we want it... Now!', gritou Jim Morrison e todos os sinos, todas as missas, todas as convenções, todas as ilusões, todas as falsas convicções, todas as aparências, todas as conveniências, todas as normas, todas as infâncias acabaram ali, naquele momento (...). E, a partir daí, tive de ir sempre atrás da loucura, até hoje."

António Pedro Ribeiro

SILÊNCIO DA GAVETA, AMANHÃ




Dia 12 Dezembro 2008, sexta-feira, pelas 22h na Cooperativa A Filantrópica, Póvoa de Varzim.

10 Anos do Colectivo Silêncio da Gaveta
Espectáculo DEZ ANOS A DIZER COM MÚSICA
com João Rios nas palavras, José Peixoto na guitarra, Tiago Pereira no violino
e os convidados Fátima Fonte no piano e o poeta Aurelino Costa.

Apresentação do livro DO SILÊNCIO dos poetas
com fotografia e capa de Daniel Curval

e os poemas de

A. Pedro Ribeiro | Armando Ramalho | Aurelino Costa | Bruno Neiva

Daniel Maia-Pinto Rodrigues | Fernando Nunes | Filipa Leal

Isabel Rosas | Isaque Ferreira | Jesús Losada | João Rios

Joaquim Castro Caldas | José Fontes Novas | Vicente Rodriguez Lázaro

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

WE WANT THE WORLD AND WE WANT IT...NOW!


Talvez da Grécia venha algo de novo. Talvez da Grécia venha a revolução. O assassinato do rapaz de 15 anos pela polícia reacendeu tochas que pareciam apagadas. A tocha do anti-autoritarismo, a tocha do anti-capitalismo, traduzida na fúria contra os bancos e as bolsas, os verdadeiros culpados da crise capitalista. Em Atenas queimam-se automóveis, lojas, bancos, e põem-se a nu os podres dos "gestores" que acumulam cargos e rapinas nas empresas e bancos da crise. A revolta grega, despoletada por grupos anarquistas, é o grito daqueles que dizem basta a um mundo que promove a morte: a morte das relações humanas livres e autênticas, a morte dos sentimentos, a morte das pulsões vitais, a morte da fraternidade, a morte da criatividade, a morte do Homem. A revolta grega é o grito pela vida, o grito dos que se fartaram de esperar, o grito dos que pouco ou nada têm a perder. We Want the World and We Want it...Now! Tal como em 68 não são os jovens dos subúrbios nem os operários que se começam por se revoltar mas sim os filhos da burguesia, os estudantes. We Want the World and We Want it...Now! Queremos o mundo mas queremo-lo agora! Agora, tem que ser agora. Não há tempo a perder. É a vida que nos empurra. Não há dúvidas nem hesitações. A frase de Jim Morrison volta a soar, a bater, insistente, perfurante, dilacerante. We Want the World and We Want it...Now! Todas as missas chegaram ao fim, todas as máscaras se desmascaram, todas as infâncias vêm dar aqui, todas as convicções são postas à prova, uma nova era começa aqui. Este é o princípio do fim do capitalismo.

ASSIM FALAVA ZARATUSTRA, NIETZSCHE


IX
Zaratustra dormiu muito tempo e por ele passou não só a aurora mas toda a manhã. Por fim abriu os olhos, e olhou admirado no meio do bosque e do silêncio; admirado olhou para dentro de si mesmo. Ergueu-se precipitado, como navegante que de súbito avista terra, e soltou um grito de alegria porque vira uma verdade nova. E falou deste modo ao seu coração:

“Um raio de luz me atravessa a alma: preciso de companheiros, mas vivos, e não de companheiros mortos e cadáveres, que levo para onde quero.

Preciso de companheiros, mas vivos, que me sigam — porque desejem seguir-se a si mesmos — para onde quer que eu vá.

Um raio de luz me atravessa a alma: não é à multidão que Zaratustra deve falar, mas a companheiros! Zaratustra não deve ser pastor e cão de um rebanho!

Para apartar muitos do rebanho, foi para isso que vim. O povo e o rebanho irritam-se comigo. Zaratustra quer ser acoimado de ladrão pelos pastores.

Eu digo pastores, mas eles a si mesmos se chamam os fiéis da verdadeira crença!

Vede os bons e os justos! a quem odeiam mais? A quem lhes despedaça as tábuas de valores, ao infrator, ao destruidor. É este, porém, o criador.

O criador procura companheiros, não procura cadáveres, rebanhos, nem crentes; procura colaboradores que inscrevam valores novos ou tábuas novas.

O criador procura companheiros para seguir com ele; porque tudo está maduro para a ceifa. Faltam-lhe, porém, as cem foices, e por isso arranca espigas, contrariado.

Companheiros que saibam afiar as suas foices, eis o que procura o criador. Chamar-lhes-ão destruidores e desprezadores do bem e do mal, mas eles hão de ceifar e descansar.

Colaboradores que ceifem e descansem com ele, eis o que busca Zaratustra. Que se importa ele com rebanhos, pastores e cadáveres?

E tu, primeiro companheiro meu, descansa em paz! Enterrei-te bem, na tua árvore oca, deixo-te bem defendido dos lobos.

Separo-me, porém, de ti; já passou o tempo. Entre duas auroras me iluminou uma nova verdade.

Não devo ser pastor nem coveiro. Nunca mais tornarei a falar ao povo; pela última vez falei com um morto.

Quero unir-me aos criadores, aos que colhem e se divertem; mostrar-lhes-ei o arco-iris e todas as escadas que levam ao Super-homem.

Entoarei o meu cântico aos solitários e aos que se encontram juntos na solidão; e a quem quer que tenha ouvidos para as coisas inauditas confranger-lhe-ei o coração com a minha ventura.

Caminho para o meu fim; sigo o meu caminho; saltarei por cima dos negligentes e dos retardados. Desta maneira será a minha marcha o seu fim!”

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

SERÁ QUE A COISA VEM?


Clima de insurreição geral
Manifestações e vaga de violência em mais de uma dezena de cidades gregas
08.12.2008 - 22h15 Jorge Heitor
Novos confrontos entre a polícia e os manifestantes proliferaram hoje por toda a Grécia. A cólera desencadeada pela morte, no sábado, do jovem Alexandro Grigoropoulos, alastrou mesmo a representações diplomáticas ou consulares no estrangeiro, como Londres e Berlim. Trata-se da mais grave agitação a que a Grécia assiste nas últimas décadas.

A polícia carregou contra 300 manifestantes, na capital, Atenas, mas também houve violentos distúrbios no vizinho porto do Pireu e em Salónica, a segunda cidade do país, em Trikala, no Centro, em Larisa, Volos, Patra e nas ilhas de Corfu, Creta, Samos, Lesbos e Rodes.

Os distúrbios dos últimos dias destruíram já cerca de 130 estabelecimentos atenienses. O Partido Socialista Pan-Helénico (PASOK, na oposição) pediu à população que criticasse o Governo conservador mas se abstivesse de novos actos de violência.

Os professores universitários iniciaram uma greve nacional de três dias. Os blogues mais populares entre os estudantes do ensino secundário incitaram-nos a boicotar as aulas, num clima de insurreição geral.

Ao longo destes dias, manifestantes com uma forte componente anarquista têm vindo a gritar “polícias, porcos, assassinos”, e a lançar bombas incendiárias, enquanto helicópteros tentam controlar as multidões.

Governo perdeu três ministros por corrupção

O ministro do Interior, Prokopis Pavlopoulos, prometeu investigar em pormenor as circunstâncias do incidente, ao mesmo tempo que reconhecia que “tirar uma vida é algo indesculpável em democracia”. E chegou mesmo a colocar o seu lugar à disposição, o que não foi aceite pelo primeiro-ministro Costas Karamanlis, sobrinho do antigo Presidente Constantinos Karamanlis. Ontem, o agente responsável pelos disparos já tinha sido acusado de assassínio.

Nos últimos 12 meses, o Executivo de Karamanlis já perdera três ministros devido a casos de corrupção e não se podia dar ao luxo de perder agora mais um, pelo que se tem desdobrado em desculpas públicas pela morte do jovem.

Um porta-voz da Esquerda Anti-Capitalista Unida, Panagiotis Sotiris, declarou hoje à noite à Reuters que a “revolução social” durará o tempo que for necessário, até o Governo cair.

A actual equipa governamental “não compreende os problemas do país”, comentou George Papandreou, líder do PASOK, que já antes destes incidentes se encontrava nas sondagens à frente da Nova Democracia e agora pretende capitalizar o descontentamento popular com as privatizações e a reforma do sistema de pensões.

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domingo, 7 de dezembro de 2008

PELA VIDA


Venho à confeitaria convencido de que sou um génio, convencido de que estou próximo de escrever a obra imortal. Leio um texto sobre o poeta Heinrich Heine. Já Heine dizia que o dinheiro era o deus. Já Heine dizia que a arte e a imprensa se submetiam cada vez mais às exigências mesquinhas do capital (1). Manoel de Oliveira diz, num jornal, que "a arte não tem qualquer finalidade útil, mas uma função muito particular, que é a do ensino da condição humana". De facto, o utilitarismo é inimigo da criação. É importante que os meus textos sejam lidos mas mais importante é que sejam bons, que reflictam a condição humana, que incomodem, como disse alguém. Não me adaptei à vidinha, à vida dita prática. Só posso sobressair enquanto criador, enquanto arauto da revolta mas não a revolta meramente política- a revolta dos partidos e dos sindicatos- e sim a revolta criadora, vital, total, que exige a Vida no sentido nietzscheano. É pela vida, pela condição humana que nós lutámos. Não nos ficamos por aumentos salariais ou melhorias sectoriais. Não estamos interessados nos queixumes do rebanho, nas "verdades" do senso comum. Queremos altura!
"Aquele que deitou encantamento sobre a paixão/ e do sofrimento retirou irresistível eloquência.../ Soube, contudo, como tornar bela a loucura/ e lançar sobre acções e pensamentos errados um matiz divino!" (Lord Byron)
Altura! Voar na confeitaria! Voar sobre galões e torradas! Ser um nobre de ideias. O capital e o mercado são inimigos de toda a grandeza. O capital, o mercado e o trabalho matam a vida, a exuberância dos sentidos, a eloquência. Para atingir a divindade é preciso ser louco, já dizia Nietzsche. Sejamos então loucos! Vivamos afastados da prudência, da moral cristã, da sobrevivência! Façamos da vida uma criação permanente, um banquete, uma festa. Dancemos na cara deles. Apanhemos grandes pielas, mandemos foder a moderação. Deixemo-los entregues ao sacrifício, ao trabalho, ao tem que ser. GOzemos com esta merda! Queimemos as notas, queimemos o deus deles! Deboche, deboche permanente! Orgias em todo o lado! Que reine Dionisos!

(1)-Marcelo Backes, "Heinrich Heine, Crítico do Capital".

sábado, 6 de dezembro de 2008


Quero estar próximo dos deuses
quero que as alucinações se voltem
a apoderar de mim
quero a criação pura
quero trovões e bombas rebentem
em redor da confeitaria
quero andar atrás dos fantasmas
Nietzsche! Nietzsche!
Ó grande Zaratustra
mantém-me longe do rebanho
faz de mim o poeta louco
o Ubermensch
que se passeia na corda-bamba
do devir

Nietzsche,
a Grande Náusea está em mim
falas-me da Vida
de um mundo de senhores
mas aqui eu só enxergo o tédio
Nietzsche
quero escrever como tu
farto-me de cantar as gajas loiras
que se exibem para mim
na confeitaria

Nietzsche
os profetas da morte cercam-me
por todo o lado
falam-me de dinheiro, trabalho,
castrações, conversões
Nietzsche
aos dezanove anos já seguia a via
mas a canção deles amoleceu-me
depois, em certas noites,
Dionisos veio ter comigo
levou-me pela mão
pôs-me no palco
fez-me dançar
ria-me sarcasticamente nas barbas deles
então toquei a Vida
amei-a, forniquei-a
desejei que ela durasse eternamente
tentei arrastar alguns para o meu barco
não consegui
tiveram medo
segui sózinho
criei, segui o instinto e a luz
mas depois encheram-me de comprimidos
voltei à vidinha
perdi as forças e a vontade
passo a vida a lamentar-me.
Há gente que faz pela vida, que circula e que se agarra à caixa registadora como o Arlindo. Há outra gente como eu que vai andando por aí, que mete uns livros na tola, que não se preocupa com o amanhã. Entre uns e outros é possível alguma simpatia, alguma amabilidade de viagem, nada mais.

HAKIM BEY E NIETZSCHE


A TARDE 26/07/2003 - Cultural
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3478 >
Filosofia
HAKIM BEY/NIETZSCHE

A odisséia do Caos

Pérsio Menezes

Eu vos digo: é preciso ainda ter caos dentro de si, para dar a luz a uma estrela
bailarina". Esta é uma das passagens mais famosas da obra de Nietzsche. Citada
exaustivamente nos contextos mais inesperados. No entanto, continua, toda vez
que é repetida, a transmitir a beleza e a precisão com os quais a idéia foi
exposta. Nietzsche chegou a afirmar certa vez que as primeiras pessoas que
poderiam compreender verdadeiramente sua obra só apareceriam por volta da virada
do século XXI.

Saber desta declaração faz perguntar-se se a escolha da música Assim Falou
Zaratustra, de Strauss, para as cenas iniciais do filme 2001 Uma Odisséia no
Espaço, de Stanley Kubrick, foi proposital neste sentido. O fato é que passamos
a virada do século e circulam pela Internet uma série de textos assinados pelo
pseudônimo Hakim Bey, que estão aglutinando em torno de si os aspirantes ao que
Nietzsche chamava de "espíritos livres".

A autoria destes textos, no entanto, não é certa: a revista Time tentou
entrevistar Bey e não o localizou. Cogita-se que ele seja o autor Peter Lamborn
Wilson, mas não há certeza. O pseudônimo tem um aposto: Profeta do Caos. A
editora Conrad lançou agora o segundo livro do tal profeta: Caos - Terrorismo
Poético e Outros Crimes Exemplares. O livro reúne escritos que vêm publicados e
reproduzidos em diversos sítios da Internet, em inglês, desde meados da década
de 90, e têm recebido cada vez mais audiência e comentários tanto por parte do
meio acadêmico (principalmente nos campos ligados à cibercultura e nos círculos
dos chamados estudos culturais), da cultura pop de uma maneira geral, da mídia
alternativa e da parte mais cool da mídia mainstream.

Os escritos de Bey ecoam fontes heterogêneas - e não são poucas: Artaud,
Bakunin, Khayyam, os poetas beatnik, Rumi, Rabelais, Burton, o situacionismo,
etc -, mas entre todas, com certeza a mais proeminente é Nietzsche. Abundam
referências explícitas ou sutis ao autor de Além do Bem e do Mal. E mais: um dos
pontos mais fortes do pensamento de Bey é a apropriação dele da idéia de moral
do filósofo alemão, como explicita nesta passagem:

"O super-homem nietzschiano, se existisse, teria de compartilhar, até certo
grau, desta criminalidade, mesmo se superasse todas as suas obsessões e
compulsões, simplesmente porque sua lei nunca poderia concordar com a lei das
massas, do Estado e da sociedade. Sua necessidade de guerra (seja literal ou
metafórica) poderia até mesmo persuadi-lo a participar da revolta, tenha ela
assumido a forma de insurreição ou apenas de uma boemia orgulhosa".

Um dos melhores textos do livro tem como título Nietzsche e os Devirxes, no qual
a comparação com os místicos sufis sintetiza e amplifica alguns pontos do
pensamento de Nietzsche: "Uma pessoa precisa provar (para si mesma e não para
alguém mais) sua capacidade de romper com as regras do rebanho, de fazer sua
própria lei e ainda assim não cair presa do rancor e do ressentimento próprios
das almas inferiores que definem a lei e os costumes em qualquer sociedade".

RETÓRICA AFIADA - A partir desta apologia do indivíduo, Bey vai desconstruindo,
com retórica afiada, várias das máximas que compõem o panteão de idéias dos
pretensamente revolucionários, mas que são na verdade apenas reformuladores de
leis: "A pessoa precisa (...) de uma estupidez inerte contra a qual possa medir
seu movimento e inteligência".

Outro ponto de estreitamento entre as palavras de Nietzsche e as de Bey é a
recorrente citação (em Bey) do nome de Hassan-i-Sabbah. Trata-se do líder da
seita místico-política Hashishins, que atuou na Pérsia por volta do século XII
trabalhando com o objetivo de minar o poder imperial. O lema da seita é o famoso
"nada é verdadeiro, tudo é permitido". Nietzsche trata dele no parágrafo 24 da
terceira dissertação de Genealogia da Moral, mas a seita de Sabbah aparece como
a síntese da idéia nietzschiana de moral, os espíritos livres por excelência.
Nos anos 60, os beatniks William Burroughs e Brian Gysin deram fama a Sabbah ao
associar o lema da seita à percepção de realidades múltiplas proporcionada pela
ingestão de substâncias psicotrópicas, traço que marcou a contracultura desde
então. Bey tem dupla ligação com Sabbah: além de síntese das idéias dos
precursores, Bey o toma como um expoente da cultura moura, à qual se alinha.

Ao tratar de Sabbah, Bey sempre adquire um tom poético: "Ao cair da noite,
Hassan-I-Sabbah, como lobo civilizado de turbante, debruça-se no parapeito e
contempla o céu, estudando pequenos asterismos de heresia no ar seco e sem rumo
do deserto". Nietzsche também fazia da expressão parte integrante das mensagens.
Não há como expressar novos pensamentos com frases velhas. E é justamente nos
trechos em que Bey aproxima a prosa da lírica da poesia que sua forma mais se
aproxima da de Nietzsche:

"Dar voltas sem destino na velha picape, pescar e coletar alimentos, deitar na
sombra lendo quadrinhos e comendo uvas - essa é nossa Economia. A realidade das
coisas quando libertas da Lei, cada molécula uma orquídea, cada átomo, uma
pérola para a consciência alerta - esse é nosso culto. O Airstream tem tapetes
persas em todas as paredes, a grama está cheia de ervas satisfeitas". Compare-se
com esta passagem do prólogo de Ecce Homo: "Os figos caem das árvores, são bons
e doces: e ao caírem rasgam-se sua pele rubra. Um vento do norte sou para os
figos maduros. Assim como os figos vos caem esses ensinamentos, meus amigos:
bebei seu sumo e sua doce polpa! E outono em torno e puro o céu da tarde".

Além da afinidade de idéias, de determinados temas em comum e dos pontos de
aproximação da forma, ambos são pensadores cujas obras dão margem a uma série de
interpretações contraditórias. Eles não aspiram produzir opiniões bem
fundamentadas e ponderadas. Antes, eles são uma máquina para despertar a
reflexão.

DESPERTAR O MAINSTREAM - Para ler Bey, é necessário aceitar que em um momento
ele deseja colocar o pescoço em risco somente para quebrar os hábitos
instaurados, como propõe em Terrorismo Poético (também para divertir-se, é bem
verdade) e num momento seguinte ele despreze quaisquer tipos de manifestações
revolucionárias. Naquele texto ele sugestiona a ação de uma série de
intervenções culturais na sociedade, no formato dos happenings, do teatro dos
anos 60/70, e outros tipos de "chistes" para chocar e despertar as pessoas do
senso comum:

"Organize uma greve em sua escola ou trabalho em protesto por eles não
satisfazerem sua necessidade de indolência e beleza espiritual" ou ainda:
"Vista-se de forma intencional. Deixe um nome falso. Torne-se uma lenda". Já em
Nietzsche e os Devirxes, ele diz: "(...) esse espírito livre teria desdenhado
perder tempo com agitações para reformas, com protestos, com sonhos visionários,
com todo tipo de "martírio revolucionário" (...).

SOBRE O CAOS - Porém, a despeito de todo o prestígio e veneração que Bey concede
a Nietzsche, há uma divergência que os separa: a própria idéia de caos, que
aparece como o laço de união entre todos os textos desta coletânea. Para o
pensamento aristocrata de Nietzsche, o caos é uma inquietação, uma busca por
algo que nem se sabe exatamente o que é, mas sempre caracterizado, marcado e
determinado pela necessidade de auto-superação, como nesta passagem de Ecce
Homo:

"Hierarquia das faculdades; distância; a arte de separar sem incompatibilizar;
nada de misturar, nada de conciliar; uma imensa multiplicidade que, no entanto,
é contrária ao caos - esta foi a precondição, a longa e secreta lavra e arte do
meu instinto" (note-se que ele usou a palavra multiplicidade para designar a
mesma idéia que na passagem da estrela bailarina ele chama de caos, e usou a
palavra caos no sentido de desorganização, algo a ser evitado).

Já em Bey, a idéia de caos aproxima do niilismo dos poetas beatnik, mais
precisamente ao niilismo iconoclasta de Willian Burroughs. No texto Teoria do
Caos e a família Nuclear, Bey torna-se um outsider, no melhor estilo Ginsberg, a
observar crianças num parque, até o momento que troca olhares com um menino que
capta o que ele descreve como o cheiro do tempo, liberto de todas as amarras da
escola, das lições de música, dos acampamentos de férias, das noites familiares
ao redor da TV, dos domingos no parque com papai - tempo autêntico, tempo
caótico. "Nietzsche não desejaria libertar o menino das tarefas de casa e das
aulas de música. Ele acredita que a auto-superação passa pelo aprendizado de
obedecer a si próprio e coloca na autodisciplina este conhecimento.

Esta tradução editada pela Conrad já tinha sido publicada no site
www.baderna.org (Baderna é o selo da editora para livros na área da
contracultura). Com o lançamento do livro, foram retirados, provavelmente por
razões comerciais. É impressionante o poder que a indústria tem de apropriar-se
dos elementos mais proscritos. Em determinado momento, Bey diz: "(este livro)
não abana o rabo e não grunhe, mas morde e estraga a mobília. Ele não tem um
número ISBN e não o quer como discípulo, mas pode seqüestrar seus filhos". A
despeito do enorme serviço à cultura que a Conrad presta ao publicar Caos, o
ISBN de Caos é 85-97193-93-7.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

CONSIDERAÇÕES METAFÍSICAS ACERCA DE UMA TOSTA-MISTA


Sento-me na confeitaria
e a palavra não sai
penso em reis, criadores, artistas
naqueles que andam na corda-bamba
e entra um homem que insulta o mundo
e que pede uma tosta-mista
de que magia se faz o poema?

A D. Rosa dormita diante da folha de papel
porque raio será que isto tem de ter uma lógica?
Deveríamos passar a vida a dançar
a fazer coisas sem sentido e sem objectivo
a D. Rosa escreve um poema
medita longamente
mas a coisa lá vai saindo
que ganho eu com isto,
para além de umas presumíveis palmas
no Púcaros e noutros tascos?
Que é isto senão a arte pela arte,
a criatividade pela criatividade?
O homem come a tosta-mista
e a D. Rosa escreve o poema
cisma
demora uma eternidade
e a coisa começa a dar-me gozo
o gozo com que o homem
devora a tosta-mista
e paga
o dinheiro circula
das mãos de uns para a caixa registadora
de outros
será isto a vida?
A D. Rosa levanta-se
também dá dinheiro para a caixa registadora
a caixa registadora é sagrada
todos se lhe dirigem
e prestam vassalagem

De repente, as pessoas soltam a língua
falam de casas, dos tubos entupidos,
do 2º andar
e das paredes que rebentam
a coisa torna-se violenta
apesar das iluminações natalícias
começam a dissertar acerca da pobreza,
dos pobres de juízo, da Maria Badalhoca
aprende-se muito por estas bandas

Levanto-me
também eu presto vassalagem
à caixa registadora.

A. Pedro Ribeiro, "Motina", 4.12.2008
Este exercício de escrever todos os dias. Chegar à confeitaria e pegar no caderno e na caneta. Há pessoas que nos cumprimentam afectuosamente. Há mulheres que nos excitam. As gajas boas gostam do que escrevo. É um facto. Escrever é um acto erótico, responde a pulsões eróticas. Escrever é um prazer. Como o outro que conta as rifas com volúpia.

A SOCIEDADE DO DINHEIRO




Qual é o sentido da vida? Não há Deus nem deuses, apenas o Homem. Que sentido há em estar sempre atrás do dinheiro? Que sentido há em estar sempre atrás da bola? O que é que isso tem de belo, de bom, de transcendente? A vida não pode ser isso! A vida é a volúpia, o prazer, a alegria, o amor, a criação, a celebração. A vida é a conquista da felicidade. Não podemos ser felizes se andamos sempre a fazer contas, não podemos ser felizes se somos escravos do dinheiro, da bola, do que quer que seja. O capitalismo e o mercantilismo são inimigos da liberdade e da felicidade. O capitalismo e a sociedade do dinheiro condenam o homem ao tédio e à depressão. O capitalismo e a sociedade do dinheiro castram os instintos vitais. O capitalismo e a sociedade do dinheiro são a morte. O capitalismo e a sociedade do dinheiro transformam tudo em merda. É com a nossa vida que eles jogam. É a nossa vida que eles destroem. É da nossa vida que vos falo. É a nossa vida que eles nos tiram.

DO LADO DA VIDA












Não vim ao mundo para ganhar dinheiro. Vim ao mundo para criar, para passar a mensagem. Aliás, o dinheiro, a economia, a sobrevivência matam-me. A economia e o dinheiro reduzem o homem às suas pulsões mais baixas, mais estúpidas, mais mesquinhas. Os economistas são os profetas da morte, do cálculo mesquinho, da vidinha. É uma vida contrária à alegria, à exuberância, às pulsões vitais aquele que nos vendem. O Deus-dinheiro mata a vida. O Deus-dinheiro é inimigo do amor, da emoção, da criação, da liberdade. Reduz tudo a cálculos mesquinhos, à lei absurda e fascista do mercado. Tudo se compra, tudo se vende. É esta a lei dos economistas. Eles e o Deus-dinheiro intrometem-se em tudo, no mais ínfimo pormenor da nossa vida. O Deus-dinheiro é a morte! É absurdo ser comandado pela morte. Não me venham falar em realismo! O homem deveria poder desenvolver as suas potencialidades criadoras sem pensar no dinheiro, sem pensar na morte. Não me peçam para contar o dinheiro. Não faço contas. Recuso-me a fazer contas. Estou do lado da vida.



Leio Platão enquanto mico o cu da gaja boa do lado. Os quiosques estão cheios de gajas boas nas capas das revistas a exibirem-se para nós. Parece que estão ali ao nosso alcance, à mão de semear mas não estão. É a sociedade-espectáculo onde somos meros espectadores, observamos a coisa mas a coisa é, ao mesmo tempo, inacessível, virtual.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O MENINO


Bem diz a Cláudia que eu sou muito mais assertivo a escrever do que a falar. A falar enrolo tudo, tropeço nas palavras, fico mole ou amável em demasia. Mesmo depois de ler Nietzsche não consigo expressar o entusiasmo que a leitura me causa. E nietzsche é uma pedra. São muitas pedras. E dá-nos a volta à cabeça, uma vez mais. And now I'm so alone, just looking for a home in every place I see, I' m the freedom man, that's how lucky I am. Sou o homem da liberdade, tal é a minha sorte, canta o Morrison. É inevitável. Volto sempre a Morrison e a Nietzsche. Foram os dois gajos que mais voltas me deram à cabeça. E continuam a dar. E umas gajas boas transportam as bandeiras do futebol. E os polícias controlam o café. Só os loucos atingem a divindade da vida, dizia Nietzsche. É preciso ser louco, louco divino como os poetas, como Morrison, como Nietzsche. É preciso celebrar a loucura. E os polícias bebem cerveja. Agora que a Cláudia partiu nada me resta senão a loucura. A loucura no meio dos alinhadinhos, dos normaizinhos. Posso não manifestá-la, mas ela está dentro de mim. E também a divindade. Posso não manifestá-la agora mas ela está cá e opõe-se à lógica dos negócios, da compra e venda, da moeda. O que roça o divino é a dádiva, a bondade, não a troca mercantil. A dádiva pela dádiva, o bem pelo bem, como dizia Sócrates e não o ficar à espera da recompensa no além como os cristãos. O céu só pode estar aqui, tal como o inferno. O céu está aqui no sorriso do inglês que me sorri sem razão aparente. O céu está nas atitudes desinteressadas, o céu está no bem, na bondade, no amor. Sócrates dizia que o amor é um gajo que anda esfarrapado. Um gajo esfarrapado, sem eira nem beira, sem direcção definida, como eu, neste momento. Neste mundo não podemos ser dóceis para toda a gente, não podemos ser carneiros, camelos, temos de ser a vontade, temos de rugir "eu quero!" como os leões. Temos de chegar ao menino, à criança sábia que joga e que ama.

1ª escrita em Geneve, Suiça


Sou o que sou. Fico calado. Nada encontro para dizer. Ainda não é a depressão. Mas podem ser os sinais. Não era suposto estar com estas questões numa estadia na Suiça.
Sou o que sou. Fico calado. Se estivesse com amigas e amigos seria diferente. Sou o que sou. Fico atado. É o álcool que falta. Poderia falar da catedral, da cidade velha, como aqueles que dizem maravilhas das suas viagens quando regressam. É porreiro. É interessante. Mas preferia apanhar uma bela bebedeira. Sou o que sou. Esteja onde estiver. E a palavra não sai. Mesmo sem estar deprimido. Para brilhar preciso do palco. Sou o que sou. Fico calado. Penso até que me torno chato. Ouves, ó poeta maldito? Já não és o deus que tanto apregoavas. Já não estás em cima e tens problemas de auto-estima. Não é por estares na Suiça que escreves de maneira diferente. Não é por estares na Suíça que te tornas outro. A verdade é que te estás a tornar tremendamente chato e maçador. Não é com esta conversa que engatas as gajas. Sou o que sou. Fico calado. Digo cinco frases por dia. Não entro nas conversas. Aos gajos e às gajas que me admiram peço desculpa.

Geneve, 22.11.2008