domingo, 30 de outubro de 2011

O POETA NÃO CONSEGUE DORMIR


Volta a ser madrugada. Está tudo fechado. O poeta não consegue dormir. Espera o dia. O seu pensamento não pára nem com o "Morphex". Escreve o que lhe vem à cabeça. Escreve e, ao escrever, cria. Dá novos mundos ao mundo. Põe em contacto o mundo interior com o exterior. Procura o bem e o belo. A Gotucha está a dormir. O poeta não pára de pensar. Explode por dentro. Já desceu várias vezes aos infernos. Agora está aqui vivo, exuberante de vida. Cheio de verve. Deveria pintar. O pensamento dança. Não tem limites. Basta-se a si próprio. É capaz de sair e de enfrentar a madrugada. É louco, já o sabemos. Não pensa como o homem comum. É capaz de actos non-sense. Mas também é capaz da bondade, do amor, de socorrer aquele que cai na rua. Viveu estes anos na noite, nos livros, e agora encontrou-se. Ouve os carros lá fora. Não suporta a linguagem do mercado e dos mercados. Odeia-a. É seu inimigo mortal. Pensa que o homem está a ser assassinado. Expõe-se. Vai publicando no facebook. Aspira a ter um jornal panfletário. A coisa agora parece possível. Acredita agora que vai chegar onde quer. É uma questão de tempo. Escreve como nunca. Aumenta a cadência. Não consegue parar. Quer voltar a escrever como no "Á Mesa do Homem Só", aqueles poemas vertiginosos e místicos.

MULHERES


Precisava ler um jornal. Um jornal para me entreter. Para exercitar o cérebro. O "Diário" ou o "Correio do Minho". As notícias locais não estão tão contaminadas. Mas os jornais estão todos ocupados. Enfim, eis-me entregue ao caderno. Derramo-me na folha. Entrego-me ao mundo e ao Domingos do "Doce Convívio". Na Póvoa, um jornalista disse que eu escrevo à Fernando Pessoa. Muito me honra. De facto, o ritmo às vezes parece ser o mesmo. Estar-me-ão reservadas as glórias? Acredito que sim, eu tenho seguido o meu caminho, tenho evoluído, mudado de estilo. Estou sempre a auto-entrevistar-me. Com o "Café Paraíso" em alguns cafés posso tornar-me uma celebridade. Ah! Veio a menina bonita. Como ela se move. Como ela altera a minha vida. Está cheia de calor. Está de avental. Vai trabalhar. Trabalho não é comigo. Continuo a rabiscar papéis e a elevar a minha vida. Ao mesmo tempo, aspiro a ter o que Fernando Pessoa não teve em vida. Não que eu me situe ao nível de Pessoa. Mas, de facto, começo a ficar farto de caçadores de prémios. De qualquer maneira, a mim nunca me darão prémios. A minha escrita não é para prémios. Olho para as meninas bonitas e isso inspira-me. É o que é. Ouço-as falar, nem sequer falo com elas. Elas irritam-se com o mundo e eu também. Elas riem e eu observo à distância. Sim, ainda sou capaz de um certo lirismo. Apesar do caos, da barbárie, da tal descida aos infernos. Mas não deixo de olhar para a mulher que certamente trabalha ou estuda qualquer coisa, que faz qualquer coisa de diferente de mim mas que eu amo à distância. Amo-a realmente e nunca a vou ter. Kierkegaard dizia que é isso que eleva o poeta. Ontem, eu disse na rádio que não há alternativa à barbárie. Talvez tenha exagerado. É claro que acho que existe uma alternativa. Mas não acredito que seja com os partidos de esquerda parlamentar. Não têm força suficiente. Nem sequer o desejo. A revolução será violenta, a menos que seja espiritual. Espero por ela. Procuro-a incessantemente em mim. A menina bonita levanta-se e parte. Fala. As mulheres não param de falar. Eu fico calado. Limito-me a escrever e a observá-las. É o meu passatempo, a minha vida. Para isso vim. Estou aqui, vivo. Mais vivo do que nunca, apesar da aparente serenidade. Da serenidade grega. Venho de lá. Depois do caos, da descida aos infernos, vem o amor, o belo, a serenidade. É assim que eu tenho sido. É assim que eu tenho progredido. Preciso discutir isto com alguém. Depois das euforias, das alucinações e da depressão vem a serenidade, o amor, a bondade. Assim tenho crescido.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

ÚNICO


Tenho lido Max Stirner e sinto-me um espírito livre. Nada se sobrepõe à minha vontade. Danço com os deuses. Cada vez odeio mais os bancos, os mercados e os seus seguidores. Não jogo na bolsa. Não tenho conta bancária. Não alinho nas patranhas dos telejornais e das multinacionais. Detesto o "Continente" e o "Pingo Doce". Sou único. Não esperes de mim amabilidade nem gratidão. Fica com os gordos e com a "Casa dos Segredos". Sou único. Ninguém é igual a mim. Nem os meus mestres. Penso que a essência do homem está a ser assassinada pela finança. Não esperes de mim protestos só contra os cortes. Eu procuro a essência. Eu sou o homem que sonha, que imagina, que tem visões, que tem fantasmas. Não esperes de mim o cidadão comum. Estou farto do cidadão comum. Estou farto das preocupações do cidadão comum. Sou único, sou proprietário de mim e das minhas ideias. Não me tentes convencer. Tentas-me convencer todos os dias. Vens com essa treta todos os dias. Mas agora já não me levas. Sou único. Sou soberano de mim e dos meus reinos. Tenho ideias próprias. Não sou do povo. Tenho direito a ter ideias próprias, ouviste? Sigo o meu caminho. Sigo sozinho se tal for necessário. Não ando a mendigar amizades. Nunca gostei de grupos. Sou único. Rei do meu pensamento. Princípe das ideias. Larga-me. Estou farto de ti. Estás sempre a chamar-me. Estás sempre a prometer-me coisas. Nada tenho a ver com os governos da Europa e do país. Aliás, os governos da Europa e do país estão em cacos. De qualquer forma, nunca os apoiei, nunca votei neles. Deixa-me. Estou farto de falinhas mansas. Estou farto de propaganda. Sou de mim. Absolutamente de mim. Não me atires futebóis. Não me atires as gajas da TV. Sou um rochedo. Aqui, no Piolho, proclamo o meu reinado. Reinarei para lá da morte. Não sou dos eléctricos, nem dos metros, nem dos autocarros. Sou de mim. Nem sequer deveria pagar nada por coisa nenhuma. Os outros também não me pagam. Nem sequer sou português. Nasci aqui, nesta cidade, ponto final. Não sou de ninguém. Larga-me. Deixa-me pensar. Observo o que me rodeia mas estou a sós com os meus pensamentos. A caneta desliza no papel. Ontem o caderno ficou encharcado por causa da chuva torrencial. Poderia ter sido uma tragédia. Poder-se-iam ter perdido páginas imortais. Mas, enfim, sobrevivemos. Cavalgamos a folha de papel. Estamos aqui. Somos daqui. Não me venhas vender nada. Não me dês concursos, lotarias, euromilhões. Sou único. Não sou de ninguém. Não tenho de obedecer ao governo nem aos imbecis que votaram nele. Não elegi nenhum deputado. Até fui candidato mas não fui eleito. Nunca apoiei o Belmiro de Azevedo nem o Alexandre do "pingo Doce". Nunca apoiei os gajos dos milhares e dos milhões. Cometi erros mas ninguém me pode acusar de conivência com o capitalismo. Sempre que pude ergui a voz. SEmpre que pude atirei pedras. Estou com os indignados da América e do mundo inteiro. Quero dinamitar os bancos e a bolsa. Não, não me venhas com conversa. Estou farto de conversa. Hoje assumo-me plenamente eu. Sou Deus e mais do que Deus. Desejo as mulheres. Algumas mulheres. Sou o poeta incendiário. Não me atires moderação. Não sou o filósofo de Platão. Digo-te não! Não quero mais esta farsa. Aliás, hoje nem sequer preciso de cerveja. Sou o homem que nasce outra vez. Sou único, meu rei, meu Deus. Triunfo sobre ti e sobre o mundo. Já não me podeis ignorar, ó críticos. Vou tão longe que já não me apanhais. Nem tu, ó leitor. Merda para os macacos da "Casa dos Segredos". Merda para vós que vos refugiais em casa. Merda para tudo e para Deus. Permanecei na escravidão. Eu não vos sigo. Eu nunca vos seguirei. Estou farto. Eu sou. Eu penso.

OS MACACOS E O HOMEM LIVRE


O homem caminha para o sub-homem, para a barbárie. O sub-homem reduz-se à economia. Os gritos dos indignados ultrapassam a economia. Questionam o poder financeiro, o dinheiro que vai para os bancos, para os mercados. Questionam desde o coração do império, desde a América. O império está à beira do colapso. Que legitimidade para falar têm estes lacaios do poder financeiro? Quem são Obama, Merkel, Sarkozy? Sub-homens, sub-mulheres, macacos. Envenenam o nosso raciocínio. Envenenam as nossas vidas. Tal como os comentaristas do regime, pagos pelo regime para sustentar intelectualmente o regime. Tal como a propaganda televisiva, via informação, via entretenimento. Querem que nos tornemos macacos iguais a eles. Os macacos que servem e os que são servidos. A barbárie a que estamos a chegar. É preciso que o homem se erga, que atinja o super-homem. Dono de si mesmo, criador, sem Estados nem chefes, acima dos mercados e da economia. Livre. Absolutamente livre. Senhor sem escravos.

IMPERADOR


Imperador de mim mesmo
desço à cidade
ao Piolho
não há mulheres
para mim hoje
ouço a conversa do lado
falam de neendertais
o sub-homem
anda à solta
- diz o macaco de Deus
quer convencer-me
é um encantador
hábil no uso da palavra
um espírito superior
sinto a falta dele
olho as horas
estou de novo frágil
o imperador vacila
precisa de atenção
amor
vai ao fundo
de si mesmo
brilha
trava batalhas
guerras sangrentas
ergue o Graal
há mulheres
mas não para mim
conto as moedas
chegam para uma mini
no "77"
A Susana já não vem
a Marina também não
de qualquer forma,
hoje foi
um dia produtivo
na escrita
e na agitação
mas não deixo
de me sentir triste
o rock não rola
só há bola
na TV.

TRIP NO PIOLHO


TRIP NO PIOLHO

Sou o maior poeta vivo. Poderia dizê-lo. Ainda estou vivo e não vejo outros melhores. Talvez esteja a exagerar. Mas o que é que me impede? Pelo menos, tal como Pessoa, escrevo a um ritmo frenético. Sou o maior poeta vivo. Bem, morto não estou. A médica fala-me de AVC's e de ataques cardíacos. Mas eu vou prosseguindo a viagem. Mesmo que venham dilúvios eu vou permanecer aqui. A conversa dos outros é a matéria-prima. Gostava das minhas primas mas já não as vejo há muito tempo. Segui o meu caminho. Para alguns, o caminho da perdição. Já me apelidaram de maldito. Os outros bebem e eu não. Não preciso. Estou com o pedal todo. D. Sebastião em Alcacer-Quibir com um exército de fantasmas. Sou o maior poeta vivo. O que ganho com isso? Ninguém paga a minha arte. Continuo a escrever. É isso que sei fazer. Poderia escrever continuamente durante horas e horas. Gasto tinta e papel. Têm um preço. Mas um valor muito superior. Porque raio é que uma maluca qualquer não vem falar comigo? Sou obrigado a ver jogos em cima de jogos? Sou o maior poeta vivo. Ser ou não ser, eis a questão. Só não utilizo palavras herméticas. Dama oculta, vem ter comigo esta noite. Dá-me o teu coração e a tua beleza. Estou no Piolho à tua espera, antes que chegue o chato do costume. Um homem puxa tanto pela cabeça e é esta a recompensa que tem? Estou lúcido como Álvaro de Campos. Pensar é a minha profissão. Passo os pensamentos para o papel. Hoje sou absolutamente capaz de o fazer. Não há limites, ó velhote do boné. No piolho escrevo o poema infinito. Escreverei até morrer. Emendo aqui e ali. Escrita automática et voilá. Eia, Breton, eia, Péret, eia, Artaud. Volto aos surrealistas. Por um lado, ainda bem que as mulheres não vêm. Nem elas nem ninguém. Produzo livremente. Olha, sou um trabalhador da palavra! E esta, ein, ó Fernando Pessa? Um operário da palavra. Um proletário, logo eu. Tantas vezes acusado de preguiça, de desleixo, de vadiagem. Sou vadio mas produzo. Vou montar uma fábrica. Empresário, eu? Deus me livre! E o que é que Deus tem a ver comigo? E o que é que é Deus? Porque se fala tanto em Deus? Deus morreu. Deus nunca existiu. Sou o maior poeta vivo. Bebo copos com ninguém. Estou em tertúlia comigo próprio. Olho as horas. Penso. Todo eu sou pensamento. Mas a miúda da mesa do lado fala. Existe. O velhote do boné também e o Adriano e os outros empregados e o sr. Martins e a Via Láctea e o Universo talvez até Deus
Poderia passar a vida a ler lia, comia, bebia, mijava, cagava e nem sequer fodia porque não me faria falta aliás, acho que se dá demasiada importância ao sexo posso viver como Fernando Pessoa posso julgar-me ao nível dele acho que vou voltar aos crofts e às macieiras há vinte anos em Ofir estava num determinado caminho de excesso a seguir uma via muito própria era único mas depois desviei-me as moedas em cima da mesa chegam para o café as duas miúdas que entraram são engraçadas o ministro das Finanças deprime-me se tivesse a carteira recheada ficava noite fora a beber tive dinheiro em Junho mas fiquei com tonturas por causa dos quadrados e dos rectângulos no chão ouço os meus semelhantes mas eles não me conseguem surpreender porra a merda do café também dá cá um speed imagina se passasse a tomar seis ou sete por dia o que não seria? Passar o dia inteiro a produzir sou o maior poeta vivo sou o pateta da caneta sou aquele que espera e não cai vou parar um pouco vou mijar interromper a obra-prima já disse, não vejo as minhas primas há muito tempo até gostava muito de uma mas enfim, não lhe liguei armei-me em poeta há qualquer droga que me faz escrever assim ou vem tudo da mente? Demente já fui agora sou um cidadão respeitável que vem escrever para o Piolho e que não deixa dívidas há 20 anos andei aqui aos berros por causa do Fidel o Tintin no ecrã o capitão Haddock com mil raios etc e tal chegarei a casa vivo ou desfalecerei exausto de trabalho? Tomai lá, ó obreiristas! Quem me explora? Onde está o meu salário?

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Para os trabalhadores e para os burgueses não tenho uma ocupação definida, como diz Stirner. Passo as tardes no café a ler e a escrever, sou uma espécie de vagabundo. Todavia, na verdade, trabalho para o homem, para o enriquecimento do homem, não para o meu sustento ou interesses pessoais. Quando escrevo determinado poema estou a criar, estou a dar novos mundos ao mundo, estou a transformar-me na criança. Trabalho, até porque os olhos, a mão direita e o braço direito fazem um esforço, cansam-se.
Vir ao café é um ritual. A chávena à minha frente. A mesa de trabalho. A minha hora vai chegar. Estou certo. O sabor do café é agradável, fortifica a mente. Chove torrencialmente lá fora. Sou o homem satisfeito consigo mesmo. A sociedade é o que é mas eu sinto-me feliz enquanto criador.

RIBEIRO NA SIC NOTÍCIAS


REPORTAGEM/ Poesia: Um poema, entre um copo de vinho e os Doors (C/VÍDEO)
Autor:

Data de Publicação: Mar 18, 2011 4:28 PM
Última actualização: Apr 17, 2011 1:50 PM
Porto, 19 mar (Lusa) -- Faça-se silêncio que se vai ouvir poesia: é assim todas as terceiras quintas-feiras de cada mês no Clube Literário do Porto, um dos emblemáticos palcos de tertúlias poéticas da cidade.
*** Ana Marques Gonçalves (texto) e Filipe Pedro, Agência Lusa ***

Porto, 19 mar (Lusa) -- Faça-se silêncio que se vai ouvir poesia: é assim todas as terceiras quintas-feiras de cada mês no Clube Literário do Porto, um dos emblemáticos palcos de tertúlias poéticas da cidade.

O som introduz o que aí vem. Um CD passa um qualquer declamador, enquanto habitués, estreantes, homens, mulheres, góticos e antigos padres se vão amontoando no primeiro andar do Clube Literário do Porto: há uma casa cheia para ouvir "Poesia de Choque".

Artistas e público conhecem-se, cumprimentam-se, partilham um copo de vinho, com a descontração a ser o mote, a poesia a ser o ponto de encontro e a música o cenário de fundo. A tertúlia começa mais de uma hora atrasada, porque não há espaço, nem cadeiras para tanta gente (cerca de 50 pessoas para uma única sala).

Nas colunas, ouve-se os acordes de "The End", dos The Doors e os versos "It hurts to set you free/ But you'll never follow me" na voz do mítico Jim Morrison, numa antevisão do silêncio que se vai seguir, numa confirmação daquilo que António Alves da Silva disse à Lusa: "A poesia é um pouco omnipresente e omnisciente, está com quem vive a poesia, não escolhe propriamente".

Este espetador é estreante, ao contrário de Hermínia Bacelar, mulher de Letras, que há 14 anos atrás se iniciou na poesia no saudoso Púcaros, que durante 15 anos foi uma sala de poesia do Porto.

"O Porto é uma cidade de poetas, mas Portugal é um país de poetas. Portanto, não é nem mais nem menos do que outras cidades", refere a "espetadora e amante da poesia".

Hermínia Bacelar acredita que no Porto a poesia encontrou um lugar único: "Já há muitos anos, há um público muito aficionado... acho que é essa a palavra. Como quem vai à tourada ou ao fado, há um público da poesia e é um público de todas as idades, que é outra coisa muito interessante, porque apanha as gerações todas".

É uma assídua das sessões do Clube Literário, quatro por mês, divididas por Quartas Mal'Ditas, Quinta Essência, Poesia de Choque e Portugal Poético.

"Penso que estes encontros de poesia são quase como o fado vadio, é poesia vadia, porque as pessoas que a vêm aqui dizer não são pagas e, portanto, são os amantes da poesia, aqueles que gostam de dizer e que gostam de ouvir se encontram para esse efeito", completa.

Faz-se silêncio e começa a sessão. António Alves da Silva apresenta António Pedro Ribeiro, poeta e responsável pelas sessões do Clube Literário. "Sempre foi, sempre será assim para os poetas", diz. O quê? "A marginalização". Mas o que vê ali, naquela sala, é a massificação da poesia.

"A poesia sempre marcou um papel na história deste país, mas perante o cenário atual atribulado da humanidade, de revoltas e contrarrevoltas, pelo menos certo tipo de poesia faz mais sentido", aponta António Pedro Ribeiro.




AYG

Lusa/Fim.

SIC NOTÍCIAS

NÃO SOU ESSE


Não sou esse
que vedes
tranquilo
na confeitaria
tenho o fogo
vou além de mim
sou insolente
insulto-vos
amaldiçoo
a vida que levais
vocifero
solto gargalhadas
não sou esse
que vedes
amãvel
inofensivo
tenho demónios
solto-os
atiro pedras
não sou esse
que vedes
a tomar café
pacato
sou da raiva
da vertigem
da loucura.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A RAPARIGA QUE VEIO DE LONGE


"Cuidado, rapaz, tens a cabeça cheia de fantasmas, tens obsessões a mais! Imaginas coisas grandiosas e inventas todo um mundo de deuses à tua disposição, um reino de espíritos que te chama, um ideal que te acena. Tens uma ideia fixa!"
(Max Stirner, "O Único e a sua Propriedade")

Afasto-me cada vez mais do sub-homem. Procuro o reino dos espíritos. Os fantasmas antes alojados em mim soltam-se. Vibro. O pensamento dança. Vai além de Deus. Salta. Tudo em mim é sangue, altura. Bebo do cálice sagrado. Há anjos em meu redor. Cantam. Subo aos céus e regresso. Sou imenso. Sou infinito. Venho dos antigos. Sou "a rapariga que veio de longe".

A ESTRELA


Leio Max Stirner, "O Único e a sua Propriedade", entusiasticamente. Os olhos cansam-se. Encontro as respostas. Nem Deus, nem moral, nem Estado. Eu sou o único soberano de mim. As antigas convicções caem por terra. Sou Lúcifer, o anjo que desobedeceu a Deus. Procuro o Paraíso mas não o paraíso dos padres, dos políticos, dos moralistas. O Paraíso do homem e da mulher. A escrita que vem sem ordens, sem moral, sem disciplina. Sou o rei da aldeia. Há algum tempo que um livro não me entusiasmava assim. Desde Stefan Zweig. Que pequenos são os poetas da moda. Com Blake, uno Céu e Inferno. É noite. Sou o primeiro e o último dos homens. Procuro a mulher. Este é o dia do grande triunfo. Estou acima de tudo, a liberdade beija-me na boca. Sou espírito e corpo. Mal me aguento de pé. Faço-me. Sou o verbo. O princípio. O uno. A estrela.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011


Se eu fosse capaz de expressar todos os meus pensamentos. Se eu fosse capaz de passar para o papel todas as minhas ideias. Seria possivelmente um génio. A psiquiatria, a psicologia baratas já chateiam. Sou um homem de iluminações. Há dias, noites, em que me passo. Em que me atiro ao inimigo, em que o insulto, em que o ameaço de morte. Sou então infame, insolente. Sou como Rimbaud. Sou como Ginsberg. Dou à luz estrelas. Esfaqueio o universo. Percorro a estrada larga. Permaneço em frente à folha. Pudesse eu escrever o inaudito, o que nunca foi escrito. Pudesse eu ser uma espécie de deus. Trazer à tona tudo o que vai dentro, todos os fantasmas. Ser capaz de ser o grande intérprete, o decifrador de enigmas. O homem que vem não se sabe de onde, como dizia o Jaime Lousa.

UM LIVRO QUE ME ILUMINE


Chove copiosamente lá fora. Não é aconselhável sair, até porque os meus sapatos têm buracos. A verdade é que, nestes dias, me sinto o tal mago, o tal profeta de que falam a Susana e a Filipa. Só não consigo ganhar dinheiro. Se calhar estou condenado a isso. A ser como Sócrates e Jesus. A pregar na praça, a ser convidado para entrar nas casas das pessoas que me dão de comer e de beber. De qualquer forma, é muito positivo manter este hábito de escrever em casa quase disciplinadamente, como um Lobo Antunes. Ou encher rolos de papel, como dizia o Melo e Castro. Depois ler a Bíblia, o Alcorão ou o "Zarastustra" (pela sexta vez) para voltar a ter iluminações. Não dá é muito jeito desatar aos berros em plena rua. De qualquer forma, com esta chuva, ninguém me ouviria.
Fecho os olhos. Como propõe Osho. Ainda há algo de explosivo, ainda que a serenidade predomine. Algo que me empurra para o uno primordial, para o eu primitivo de onde venho. Quero ler um livro que me ilumine. Quero um livro que mude a face da terra.

O HOMEM DO ESPÍRITO E DO CORAÇÃO


"O poder foi tomado por um bando de mentirosos" (Vasco Lourenço)

O poder foi tomado por um bando de mentirosos que nos roubam os subsídios, as conquistas de dezenas de anos, e o próprio ser. O governo de Passos Coelho está ao serviço do poder financeiro, dos "mercados" e dos banqueiros que sacam à vez, da ditadura de Obama, Merkel e Sarkozy e da máquina infernal de propaganda, vulgo media. O homem e a mulher, reduzidos a escravos e macacos, afundam-se cada vez mais na depressão, em doenças mentais, no suicídio. O homem está a ser assassinado na sua essência, privado dos seus direitos fundamentais, está a tornar-se num sub-homem com uma sub-vida. Contudo, ao mesmo tempo, vemos as revoltas na Grécia, em Itália, em Inglaterra e mesmo em Portugal. Começa a ser a hora do tudo ou nada, do agora ou nunca, acabou o tempo das "risadas e das doces mentiras". Um novo homem está a nascer dos escombros do capitalismo, um homem que questiona, que cria, que sai para a rua, que parte os bancos e as montras das lojas de luxo. Esse homem não aceita mais as patranhas da TV e dos comentaristas do regime. Esse homem sabe que chegámos a um ponto onde estamos entre a revolução e a barbárie. Esse homem é capaz de interpretar o mundo de hoje e de transformá-lo. Não suporta mais ver o seu irmão cada vez mais a dormir nas ruas, a pedir nas ruas. Não aceita mais ser governado por macacos e imbecis, que nada têm na mente, a não ser números e finanças. Não se identifica com o sub-homem, que se reduz à bola e à intriga. Esse homem diz "merda para Deus" e para todos os deuses, a começar pelo dinheiro. Esse homem vale por si mesmo e é a medida de todas as coisas. Não aguenta mais ser enganado, escravizado. Esse é o homem do espírito e do coração.

sábado, 22 de outubro de 2011

ELES ROUBAM-NOS A VIDA


Não, não me venham com histórias. Há dias em que estamos embriagados, dias em que estamos sob o "efeito coca", mágicos, triunfantes, mas isso é sempre passageiro e este mundo de tédio e castração que nos vendem todos os dias vai-nos assassinando, não presta. É o dia dos horários de trabalho, do lazer consumista, do tempo que nos roubam, da vida que nos roubam. São as notícias e a programação imbecil que nos espetam nos cornos e que nos fazem a cabeça. São as relações de tédio, sem amor, que imperam entre as pessoas dentro e fora do trabalho. É a escola que reproduz relações mecanizadas e de subserviência. São as relações de mercado, de compra e venda generalizadas. É a competição e a luta pela sobrevivência. Não, de facto, isto a que chamam "vida" em pleno sec. XXI, em pleno capitalismo dos mercados fede, não presta. Importa dizer que o ser humano está a ser assassinado na sua essência. O sentido da festa, da celebração perde-se em comemorações artificiais ou futebolísticas. A felicidade é uma miragem. A liberdade é sempre condicionada. Importa que o ser humano se consciencialize, que seja capaz de se bater por um mundo de espírito e de coração e não de luta desenfreada. Importa que todos os entediados e todos os deprimidos tomem consciência de que estão a ser oprimidos e que se levantem contra essa opressão. Porque a infelicidade não pode ser mais aceite como uma fatalidade. Porque alguns, os que lideram a máquina, são responsáveis pela nossa infelicidade e pela nossa morte em vida. Não tenhamos dúvidas. Eles roubam-nos a vida. Os macacos da propaganda e dos mercados e todos os que os servem violentam-nos todos os dias.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

LUZ


Grávido de sabedoria
entre macacos
e sub-homens
exibo a minha arte
ainda assim
outros aplaudem-me
prometem-me glórias
impérios
sou o que nasce
de novo
o que veio ao mundo
para o transformar
olho a mulher
desejo-a
quero filhos
o país dos meus filhos
sou da Criação
do génio poético
amo as crianças
a imaginação
a fantasia
o caminhar
sem direcção definida
sei que vou tomar parte
de algo de grande
de mágico
de mítico
Prometeu liberto
trago a luz
a vida
e o espírito.

FECUNDAR A MULHER


Fecundar a mulher
trazer o super-homem
à terra
educá-lo no amor
e na sabedoria
as mulheres belas
ainda não sabem
quem sou
aquele que traz
a luz e a vida
que mergulha na noite
que diz a palavra
que cria e incendeia.

AMO-TE, Ó ETERNIDADE


AMO-TE, Ó ETERNIDADE



Os imbecis só falam de treinadores, delegados e massagistas. E eu aqui com altas filosofias. Realmente nada tenho em comum com esses colegas de espécie. Estou mais próximo das gatas e dos pássaros. Desde a infância que sou diferente, que penso mais, que questiono. Estou com Zaratustra no país dos meus filhos, próximo do super-homem. Preciso de uma mulher para fecundar. Sou o mais infame dos poetas...... vivos. Começo a perder o medo. Todo eu sou raiva. Todo eu sou incêndio. Percorro as ruas. São minhas. Tal como as praças. Começo mesmo a perder o medo. Apetece-me ir para a rua dançar, celebrar o novo mundo, o super-homem. Todo eu sou raio, electricidade, energia. Amo as crianças ainda não estragadas pela máquina. Amo a Criação. Saudações, Walt Whitman! Saudações, Henry Miller! Sou vosso filho, venho de vós. Da nova raça. Celebremos. Brindemos. Brinquemos como as crianças. O novo mundo é aqui. O novo paradigma. O "homo sapiens-demens" de Edgar Morin. A nova espécie. Afastai-vos de mim, ó macacos! Não sou vosso. Não tenho de vos ouvir. Escarro publicamente no vosso Deus. Quero o super-homem. Amo-te, ó eternidade, és a minha mulher.



Apr-THE SHOW MUST GO ON



Infelizes, infelizes, que vos deixais comer, que lutais por migalhas, que ficais sem nada. O Passos trata-vos da saúde. A televisão também. Continuai a bater palmas. The show must go on. Mesmo depenados ainda tendes a Fátima Lopes, a "Praça da Alegria", os telejornais. Todos eles vos mostram a verdade, a máquina da verdade. Não há tempo a perder. O espectáculo tem que continuar. Ignorai os poetas revolucionários. São uns chatos que estão sempre a incomodar, a incendiar. Nós tratamos-lhes da saúde, não vos preocupeis. Ficai com a vossa casinha, com o vosso carrinho, com a vossa televisão. Continuai a olhar para o futebol e a ouvir as análises do Marcelo e dos outros sábios comentaristas. Estamos depenados mas continuamos felizes. As depressões são coisas para inadaptados. Suicídios? Não falemos nisso. The show must go on. Continuemos a conversa em família. Olhemos para os gordos e para a Bárbara Guimarães. Joguemos no euromilhões. Espreitemos os macacos da "Casa dos Segredos". A felicidade está aqui à porta. Nada de pessimismos, nada de lados negros, está tudo bem, está sempre tudo bem. Vivamos tranquilos. Não liguemos à conversa do caos. Está tudo bem. O espectáculo tem de continuar.

www.jornalfraternizar.pt.vu

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O POETA EM BRAGA


Para António José Forte

O poeta sai de casa às cinco da manhã
brilha
dirige-se ao único café aberto
lê o "Jornal de Notícias"
devora as notícias
quer pegar fogo ao mundo
o mundo não lhe agrada
perde-se em mediocridades
chora
o poeta arde
pega fogo
percorre as ruas de Braga
vai até ao café onde o pai ia
de seguida vai até ao cemitério
visitar a avó
chora
lembra-se da infância
voa
o poeta nada tem a perder
o país arde
o poeta incendeia
não tem deveres
não trabalha
percorre as ruas
passou a noite a escrever
brilha
nunca compreendeu o mercado
nem o ter de dar cacau
a este e a aquele
o pensamento voa
não discute banalidades
acende o rastilho
incendeia
o poeta é doido
vive dos seus fantasmas
não tem horas
já lhe chamaram muitas coisas
mas o poeta já não se importa
quer ir para o palco
gritar
assustar as meninas mansas
o poeta entra noutro café
bebe outro café
espera que a dona
ponha as mamas de fora
ri
goza
está na moda
as conversas do mundo
aborrecem-no
grita
chamam a polícia
o poeta identifica-se
tratam-no por doutor
sociólogo
jornalista
o poeta brilha
regressa a casa
come
almoça
sai de novo para a rua
ri
goza
diz que o mundo não tem cura
provoca
o poeta não tem leis
nem reis
dança
curte
incendeia
a mente rebenta
chamam a ambulância
o poeta alucina
resiste
cai
inventa estórias
recomeça
sai para a rua
com estrelas nos cabelos
insulta o mundo
possesso
o poeta olha
observa as jovens
quere-as
está dentro de si
não percebe
os jogos delas
canta
é um rei bêbado
incendeia as consciências
já não tem paciência
ouve o Quim
falar de contas
não as suporta
escreve
não tem cura.


Braga, "Flor do Lima", 7.10.2011

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Á MESA DO HOMEM SÓ


Em 2001, João publicou "Á Mesa do Homem Só" (Silêncio da Gaveta), o seu primeiro livro. "Á Mesa do Homem Só" tem grandes poemas. "Na ressaca das noites ébrias/crio cenários/ liberto pássaros/ absorvo conversas/ tudo parece absurdo convencional/ diante do meu fogo/ diante da embriaguez permanente". Há uma "escrita vertiginosa e automática", como escreveram no Diário de Notícias, uma embriaguez que ......desce aos infernos, o fogo diante do quotidiano cinzento, entediante, vazio das convenções. "Ontem percorri quilómetros de cérebro/ em busca do totem da tribo/ em busca de ti". Há uma busca da idade do ouro perdida, da musa do além e do aquém. "Procuro o beijo/ o anel sagrado/ (...) Jesus, mostra-nos a luz! Dá-nos arco-íris/candelabros". "Em palco/ actores alucinados/ interpretam o triunfo da arte sobre a sobrevivência". Já aqui a arte como alternativa ao sustento, à sobrevivência. A arte como criação e redenção. "Dá-me alucinações delírios quimeras/ afasta o espectro repressivo da razão/ mostra-me o extermínio dos relógios e dos televisores/ conduz-me aos bares/ onde o àlcool acende as conversas/ encharca de whisky o meu cadáver vivo!" A fuga para a loucura em alternativa à razão, ao mundo quotidiano dos relógios e da TV, outra vez a descida aos infernos (ou paraísos) dos bares, da embriaguez, do whisky. "No cérebro estalam vulcões, montanhas. A viagem recomeça rumo ao cume. Dentro dos sonhos existem lugares verdes (...). A alucinação expressa, a viagem interior, o fantasma do hospício.
“Quiseram prender-me. Atirar-me para o hospício. Mas eu não estava lúcido. E os inquisidores fugiram de mim”. “Paixão, delírio, desvario e perda”, “projecção de erotismo, que reflectem uma poética tipicamente onírica, marcada por uma profusão de imagens que se sobrepõem, reproduzindo um caos interior”, como escreveu a crítica Cláudia de Sousa Dias

terça-feira, 18 de outubro de 2011

ODE A BRAGA

Braga, estou de regresso
Braga, dizem que vais
acabar para mim
mas eu não acredito
tu acolheste-me
tu deste-me a noite
e a vida
fizeste-me celebrar
até ser dia
deste-me a mulher
e a antiga liberdade
aqui permaneço
n' "A Brasileira"
sou daqui
do tempo em que
nos abraçávamos
ao som dos Doors
do tempo do Deslize
do Tuaregue
e dos primeiros concertos
dos Mão Morta
também dos meus
primeiros concertos
da tomada do Feira Nova
e das alucinações
sim, sou daqui
do Sá de Miranda
e do Alberto Sampaio
do puto tímido
que observava
da Rua Nova de Santa Cruz
da minha mãe
da minha avó
do meu pai na Cachapuz
tornei-me naquele que sou
em ti
dentro de ti
Braga,
daqui não saio.


"A Brasileira", Braga, 3.10.2011

INQUIETUDE


Esta inquietude
esta inquietude
que se apodera de mim
esta ânsia de criar
que percorre os dedos
não se vai
apesar do sono
permanece alerta
por isso sou poeta
aqui no jardim
acendo-me
a mente aberta
os olhos frágeis
danço
contorço-me
para lá da razão
regresso ao primitivo
aos mestres
á festa.

BETOS LADRÕES


Cada vez acho mais imbecis os gajos
que vão aos programas da tarde da televisão
cada vez acho mais imbecis os gestos, as poses,
os raciocínios primários que nos vendem
a solução é desligar a televisão
ver só as notícias da revolução
porque ela anda aí, meus filhos,
ela vai comer-vos vivos
de nada vos vale o vosso sossego
estou apaixonado pelo primeiro-ministro
quero vê-lo num filme porno
com a Minka
não, a Minka é para mim
chegou a hora de reclamar
o que é meu
chegou a hora de reclamar a vida
chegou o fim da timidez
vamos combater nas ruas,
meus filhos,
cada vez acho mais imbecil
a televisão
90 e tais canais de merda
para escolher
como dizia o Roger Waters
dos Pink Floyd
aprendi muito com ele
aprendi a ser céptico
a achar tudo isto uma merda
depois vieram
os Clash e os Sex Pistols
"No Future"
"Sandinista"
ainda vi o Joe Strummer
muito curvado
em Vilar de Mouros
com os Mescaleros
lendas vivas
que passam por nós

começo a odiar o Passos
aquelas falinhas mansas de playboy
aquele queque das jotinhas
que subiu
como vi outros subir
então, e o Relvas?
Um bando de betos ladrões
é o que eles são.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A NOVA ESPÉCIE


É madrugada. Os galos cantam. Estou em casa, em Vilar do Pinheiro. Já descansei. Confesso-vos que sou um profeta, como Zaratustra, como Jesus. Tenho visões. Tenho amor e ódio para dar. Não tenho exércitos atrás de mim. Só a minha palavra. Apesar disso, sonho com a tomada de Lisboa, com o fim dos políticos e dos economistas. Sinto que está próximo. A era do espírito está aí. Dançai nas ruas, companheiras. O grande solitário diverte-se convosco. Quer fecundar-vos para que nasça a nova espécie.

CLUBE 84


João, na sua fase eufórica, dançava. Dançava loucamente ao som dos Doors, dos Led Zeppelin, dos Joy Division. Dançava como Dionisos entre as bacantes. Em 1995, no "Clube 84", em Braga, estava a dançar freneticamente e atraia as mulheres e até os homens. Chegou a pôr-se em tronco nu. Talvez estivesse a incomodar alguns machos ou a gerência e um gorila atirou-se a ele aos socos. O homem sabia dar socos. Disse-lhe que lhe queria desfazer a linda cara. Agarraram em João e puseram-no cá fora. Alguns lembravam-se do episódio do Feira Nova e começaram a gozar com o poeta. O poeta estava a ser humilhado na praça pública. Uns dias antes tinha aparecido na RTP no decurso de um debate contra o racismo. Os porteiros da discoteca eram africanos. O agressor foi agarrado por um deles. Gritou os heterónimos de Pessoa a uma amiga que estava cá fora de forma a que esta atacasse o poeta mas esta respondeu, em alta voz, que João podia não saber lutar mas que era um gajo genuíno, autêntico, corajoso, enquanto que ele, agressor, nem foder sabia. João ouviu e, embora ferido, gritou como um profeta, amaldiçoando todos os que estavam à porta da discoteca. O dono do Hotel Turismo, apavorado, ofereceu-lhe dormida. João nunca soube se foi agredido por um skin ou se havia um grupo organizado para o tramar. Mas, à distância, é de desconfiar.

domingo, 16 de outubro de 2011

AMO-TE, Ó ETERNIDADE


Os imbecis só falam de treinadores, delegados e massagistas. E eu aqui com altas filosofias. Realmente nada tenho em comum com esses colegas de espécie. Estou mais próximo dos pássaros e das gatas. Desde a infância que sou diferente, que penso mais, que questiono. Estou como Zaratustra no país dos meus filhos, próximo do super-homem. Preciso de uma mulher para fecundar. Sou o mais infame dos poetas vivos. Começo a perder o medo. Todo eu sou raiva. Todo eu sou incêndio. Percorro as ruas. São minhas. Tal como as praças. Começo mesmo a perder o medo. Apetece-me ir para a rua dançar, celebrar o novo mundo, o super-homem. Todo eu sou raio, electricidade, energia. Amo as crianças ainda não estragadas pela máquina. Amo a Criação. Saudações, Walt Whitman! Saudações, Henry Miller! Sou vosso filho, venho de vós. Da nova raça. Celebremos. Brindemos. Brinquemos como as crianças. O novo mundo é aqui. O novo paradigma. O "homo sapiens-demens" de Edgar Morin. A nova espécie. Afastai-vos de mim, ó macacos! Não sou vosso. Não tenho de vos ouvir. Escarro publicamente no vosso Deus. Não suporto mais os vossos futebóis, ó homens pequenos. Quero o super-homem. Amo-te, ó eternidade, és a minha mulher.

ZIZEK


SLAVOJ ZIZEK NA ACAMPADA DE WALL STREET
Durante o crash financeiro de 2008, foi destruída mais propriedade privada, ganha com dificuldades, do que se todos nós aqui estivéssemos a destruí-la dia e noite durante semanas. Dizem que somos sonhadores, mas os verdadeiros sonhadores são aqueles que pensam que as coisas podem continuar indefinidamente da mesma forma.
Não somos sonhadores. Somos o despertar de um sonho que está a transformar-se num pesadelo. Não estamos a destruir coisa alguma. Estamos apenas a testemunhar como o sistema está a autodestruir-se.
Todos conhecemos a cena clássica do desenho animado: o coiote chega à beira do precipício, e continua a andar, ignorando o facto de que não há nada por baixo dele. Somente quando olha para baixo e toma consciência de que não há nada, cai. É isto o que estamos a fazer aqui.
Estamos a dizer aos gajos de Wall Street: “hey, olhem para baixo!”
Em Abril de 2011, o governo chinês proibiu, na TV, nos filmes e em romances, todas as histórias que falassem em realidade alternativa ou viagens no tempo. É um bom sinal para a China. Significa que as pessoas ainda sonham com alternativas, e por isso é preciso proibir este sonho. Aqui, não pensamos em proibições. Porque o sistema dominante tem oprimido até a nossa capacidade de sonhar.
Vejam os filmes a que assistimos o tempo todo. É fácil imaginar o fim do mundo, um asteróide destruir toda a vida e assim por diante. Mas não se pode imaginar o fim do capitalismo. O que estamos, então, a fazer aqui?
Deixem-me contar uma piada maravilhosa dos velhos tempos comunistas. Um fulano da Alemanha Oriental foi mandado para trabalhar na Sibéria. Ele sabia que o seu correio seria lido pelos censores, por isso disse aos amigos: “Vamos estabelecer um código. Se receberem uma carta minha escrita em tinta azul, será verdade o que estiver escrito; se estiver escrita em tinta vermelha, será falso”. Passado um mês, os amigos recebem uma primeira carta toda escrita em tinta azul. Dizia: “Tudo é maravilhoso aqui, as lojas estão cheias de boa comida, os cinemas exibem bons filmes do ocidente, os apartamentos são grandes e luxuosos, a única coisa que não se consegue comprar é tinta vermelha.”
É assim que vivemos – temos todas as liberdades que queremos, mas falta-nos a tinta vermelha, a linguagem para articular a nossa ausência de liberdade. A forma como nos ensinam a falar sobre a guerra, a liberdade, o terrorismo e assim por diante, falsifica a liberdade. E é isso que estamos a fazer aqui: a dar tinta vermelha a todos nós.
Existe um perigo. Não nos apaixonemos por nós mesmos. É bom estar aqui, mas lembrem-se, os carnavais são baratos. O que importa é o dia seguinte, quando voltamos à vida normal. Haverá então novas oportunidades? Não quero que se lembrem destes dias assim: “Meu deus, como éramos jovens e foi lindo”.
Lembrem-se que a nossa mensagem principal é: temos de pensar em alternativas. A regra quebrou-se. Não vivemos no melhor mundo possível, mas há um longo caminho pela frente – estamos confrontados com questões realmente difíceis. Sabemos o que não queremos. Mas o que queremos? Que organização social pode substituir o capitalismo? Que tipo de novos líderes queremos?
Lembrem-se, o problema não é a corrupção ou a ganância, o problema é o sistema. Tenham cuidado, não só com os inimigos, mas também com os falsos amigos que já estão a trabalhar para diluir este processo, do mesmo modo que quando se toma café sem cafeína, cerveja sem álcool, gelado sem gordura.
Vão tentar transformar isto num protesto moral sem coração, um processo descafeinado. Mas o motivo de estarmos aqui é que já estamos fartos de um mundo onde se reciclam latas de coca-cola ou se toma um cappuccino italiano no Starbucks, para depois dar 1% às crianças que passam fome e fazer-nos sentir bem com isso. Depois de fazer outsourcing ao trabalho e à tortura, depois de as agências matrimoniais fazerem outsourcing da nossa vida amorosa, permitimos que até o nosso envolvimento político seja alvo de outsourcing. Queremo-lo de volta.
Não somos comunistas, se o comunismo significa o sistema que entrou em colapso em 1990. Lembrem-se que hoje os comunistas são os capitalistas mais eficientes e implacáveis. Na China de hoje, temos um capitalismo que é ainda mais dinâmico do que o vosso capitalismo americano. Mas ele não precisa de democracia. O que significa que, quando criticarem o capitalismo, não se deixem chantagear pelos que vos acusam de ser contra a democracia. O casamento entre a democracia e o capitalismo acabou.
A mudança é possível. O que é que consideramos possível hoje? Basta seguir os média. Por um lado, na tecnologia e na sexualidade tudo parece ser possível. É possível viajar para a lua, tornar-se imortal através da biogenética. Pode-se ter sexo com animais ou qualquer outra coisa. Mas olhem para os terrenos da sociedade e da economia. Nestes, quase tudo é considerado impossível. Querem aumentar um pouco os impostos aos ricos? Eles dizem que é impossível. Perdemos competitividade. Querem mais dinheiro para a saúde? Eles dizem que é impossível, isso significaria um Estado totalitário. Algo tem de estar errado num mundo onde vos prometem ser imortais, mas em que não se pode gastar um pouco mais com cuidados de saúde.
Talvez devêssemos definir as nossas prioridades nesta questão. Não queremos um padrão de vida mais alto – queremos um melhor padrão de vida. O único sentido em que somos comunistas é que nos preocupamos com os bens comuns. Os bens comuns da natureza, os bens comuns do que é privatizado pela propriedade intelectual, os bens comuns da biogenética. Por isto e só por isto devemos lutar.
O comunismo falhou totalmente, mas o problema dos bens comuns permanece. Eles dizem-nos que não somos americanos, mas temos de lembrar uma coisa aos fundamentalistas conservadores, que afirmam que eles é que são realmente americanos. O que é o cristianismo? É o Espírito Santo. O que é o Espírito Santo? É uma comunidade igualitária de crentes que estão ligados pelo amor um pelo outro, e que só têm a sua própria liberdade e responsabilidade para este amor. Neste sentido, o Espírito Santo está aqui, agora, e lá em Wall Street estão os pagãos que adoram ídolos blasfemos.
Por isso, do que precisamos é de paciência. A única coisa que eu temo é que algum dia vamos todos voltar para casa, e vamos voltar a encontrar-nos uma vez por ano, para beber cerveja e recordar nostalgicamente como foi bom o tempo que passámos aqui. Prometam que não vai ser assim. Sabem que muitas vezes as pessoas desejam uma coisa, mas realmente não a querem. Não tenham medo de realmente querer o que desejam. Muito obrigado.
Tradução de Luís Leiria para o Esquerda.net

1 - www.youtube.com/watch?v=eu9BWlcRwPQ&feature

2 - www.youtube.com/watch?v=7UpmUly9It4&feature

O POETA EXPLODE


O poeta tem duas chávenas à frente. Duas colheres usadas. Dois pacotes de açucar vazios. Os livros "Mais Platão, Menos Prozak!" e "O Combate com o Demónio". Está no café "Farol". Ouve os gritos das crianças e vê gordos na TV. Está farto de mediocridades e de parvoíces. A cidade acolhe-o na rádio. Há mulheres e baloiços. Parques infantis. O poeta sente-se na pele de Allen Ginsberg. Escreve e performeia como ele. Provoca. Pensa. As duas chávenas não lhe saem da frente. Estão perfeitamente alinhadas. O poeta explode por dentro mas ainda não é tempo de se manifestar publicamente. Muda a disposição das chávenas. Continua a explodir. Ouve tudo. Absorve tudo. A cidade põe-no assim. Tira os óculos. É o único que escreve. Levanta-se. Dirige-se à casa de banho. Exibe-se. Ginga. Olha o mundo. Desafia-o. Provoca-o no andar. É belo, apesar da barriga. A insolência regressa. É uma prima-dona. Sente-se desejada, mulher. Está no palco, na passerelle. Sente-se absolutamente genial. Vale por muitos. No entanto, as duas chávenas mantêm-se à sua frente. Recordam-lhe que há uma geometria, que ainda não chegou a hora do passo final, da pose final. Lembra-se de que não pode, de forma alguma, perder o caderno. De qualquer forma, não é o único que traz livros para aqui. Olha as horas. São quatro da tarde. O poeta explode.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

THE SHOW MUST GO ON


Infelizes, infelizes, que vos deixais comer, que lutais por migalhas, que ficais sem nada. O Passos trata-vos da saúde. A televisão também. Continuai a bater palmas. The show must go on. Mesmo depenados ainda tendes a Fátima Lopes, a "Praça da Alegria", os telejornais. Todos eles vos mostram a verdade, a máquina da verdade. Não há tempo a perder. O espectáculo tem que continuar. Ignorai os poetas revolucionários. São uns chatos que estão sempre a incomodar, a incendiar. Nós tratamos-lhes da saúde, não vos preocupeis. Ficai com a vossa casinha, com o vosso carrinho, com a vossa televisão. Continuai a olhar para o futebol e a ouvir as análises do Marcelo e dos outros sábios comentaristas. Estamos depenados mas continuamos felizes. As depressões são coisas para inadaptados. Suicídios? Não falemos nisso. The show must go on. Continuemos a conversa em família. Olhemos para os gordos e para a Bárbara Guimarães. Joguemos no euromilhões. Espreitemos os macacos da "Casa dos Segredos". A felicidade está aqui à porta. Nada de pessimismos, nada de lados negros, está tudo bem, está sempre tudo bem. Vivamos tranquilos. Não liguemos à conversa do caos. Está tudo bem. O espectáculo tem de continuar.

AVALON


Desci aos infernos
trouxe-lhes o fogo
a arte
a embriaguez

mas eles
não me seguiram
preferiram o conforto
o sustento
a vidinha

amaldiçoado
regressei à ilha
a Avalon
ao cântico das
raparigas.

Ouvir Doors pela manhã na padaria. "Break On Through". Será que as coisas estão mesmo a mudar? E depois os Led Zeppelin. Orgia. Deleite. Recatai-vos, velhas. O mundo arde em rum.

trago em mim a dor
mas também o infinito
voo rumo ao além
sou quem nunca tinha sido.

PCTP/MRPP

O POVO TEM DE SE SUBLEVAR
CONTRA AS MEDIDAS FASCISTAS DO GOVERNO!
Quando, durante o período da campanha eleitoral o PCTP/MRPP foi o único partido a
dizer que o Memorando da Tróica que os Serventuários do PS, PSD e CDS/PP, se
apressaram a assinar, constituía uma autêntica declaração de guerra ao povo e aos
trabalhadores portugueses, foi imediatamente silenciado pela burguesia e seus órgãos
de "comunicação social".
Não convinha à classe dominante a voz incómoda daqueles que como o PCTP/MRPP
exigiam que uma auditoria à dívida fosse imediatamente efectuada por auditores
independentes para que os trabalhadores portugueses tivessem uma informação clara e
precisa sobre quanto se deve, a quem se deve e porque é que se deve. Porque a culpa não
pode morrer solteira e, certamente, o resultado dessa auditoria confirmaria que os
culpados não eram nem o povo nem os trabalhadores.
Lutando contra a corrente do "politicamente correcto", da hipocrisia de que Portugal "é
um bom aluno" e que não podemos ser vistos pelos "mercados" como "incumpridores e
caloteiros", denunciámos que o calote e os caloteiros responsáveis pela dívida estão
perfeitamente identificados: os sucessivos governos PS e PSD, por vezes acolitados pelo
CDS/PP, a banca privada a operar no nosso país que, à custa de adquirir empréstimos no
BCE (Banco Central Europeu) a 1% e vendê-lo a 5% e mais, obtinha fabulosas margens
de lucro (da ordem dos 500 a 600%), os grandes grupos financeiros e bancários
internacionais, os interesses do imperialismo europeu, com o imperialismo germânico à
cabeça.
Denunciámos que, para além do mais, o que iria acontecer - e a experiência da Grécia, da
Irlanda, da Argentina e do Equador, entre outras o confirmavam – era um sucessivo
agravamento das medidas contra a classe operária e os trabalhadores portugueses, com
a desculpa de que as medidas que iam sendo aplicadas, afinal, não tinham sido
suficientes para a “estabilização orçamental” desejada pela burguesia pelo grande
capital.
E eis que vem hoje Passos Coelho, 1º Ministro de um governo de traição, completamente
vendido aos interesses da Tróica e do imperialismo germânico, marionete de Sarkozy e
Merkel, anunciar que se vai agravar o roubo sobre os salários dos trabalhadores da
função pública (em 2012 verão reduzidos em 20% os seus rendimentos do trabalho),
atingindo o subsídio de férias e de natal em 2012 e 2013, sobre as pensões, cortes
substanciais no acesso à saúde e à educação, aumento da carga de trabalho para todos os
trabalhadores em meia hora diária em nome da “produtividade”, isto é, mais lucros para
a burguesia, aprovação de legislação laboral facilitadora dos despedimentos e tornandoos
mais baratos de efectuar por parte do patronato.
www.pctpmrpp.org | pctp@pctpmrpp.org
Não há que ter ilusões! O governo não se ficará por aqui. A burguesia tem vindo a aplicar
estas medidas porque não encontra por parte dos sindicatos e organizações de classe
dos trabalhadores uma resposta firme, organizada, de lutas que dêem uma saída
revolucionária à classe operária e aos trabalhadores portugueses.
Os trabalhadores portugueses devem exigir das suas Centrais Sindicais –
CGTP/Intersindical e UGT - a organização e convocação imediata de uma Greve Geral
Nacional a sério e todas as greves gerais que forem necessárias para inverter a seu favor
a relação de forças que os opõem à burguesia e aos intentos do grande capital, e deve
isolar aqueles partidos que, dizendo-se de esquerda – como o P”C”P e o Bloco de
“Esquerda” – os têm tentado amarrar ao pagamento de uma dívida que não contraíram,
nem foi contraída em seu benefício.
Partidos esses que, perante o anúncio das medidas mais celeradas e gravosas agora
anunciadas, timidamente reconhecem aquilo que o PCTP/MRPP já há muito denunciava,
e a classe operária e o povo português sentiam na pele, que estamos num “estado de
guerra”.
A manifestação de 15 de Outubro deve constituir um sinal claro de que os trabalhadores,
a juventude, os reformados, os precários e os desempregados, não aceitam esta política
que não toca um milímetro nos interesses do grande capital financeiro e bancário e
desfere um ataque feroz ao povo e aos trabalhadores portugueses. Tem de ser uma
manifestação de força e de demonstração de que o povo se vai sublevar contra estas
medidas e contra este governo. De que os trabalhadores sabem que para sobreviverem o
capitalismo tem de morrer.
O PCTP/MRPP conclama a classe operária e os trabalhadores, o povo português, os
estudantes e intelectuais, a sublevarem-se contra estas medidas, a organizarem-se para
derrubar este governo de traição e impor a constituição de um Governo Democrático
Patriótico que tome, como primeira medida, a decisão de recusar o pagamento desta
dívida ilegítima, ilegal e odiosa, expulsar de imediato a Tróica do FMI/FEEF/BCE do
nosso país, implementando um novo paradigma de economia, baseado num plano de
investimentos criteriosos que faça Portugal recuperar o seu tecido produtivo e
aproveitar adequadamente a sua posição geoestratégica única, medidas que asseguram
a nossa Independência Nacional.

13 de Outubro 2011

A Comissão de Imprensa do PCTP/MRPP
Rui Mateus

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

PROJECTO DE ROMANCE


PROJECTO DE ROMANCE


Depois de ter ouvido aquele àlbum “Strange Days” dos Doors, pela segunda vez, a sua vida nunca mais foi a mesma. Tinha sido um amigo do Liceu Sá de Miranda, o Jorge, que lho emprestara. João já conhecia as letras mordazes do Roger Waters dos Pink Floyd em “The Wall”, “The Final Cut” ou “Animals”, mas ouvir “People Are Strange”, “You’re Lost, Little Girl”, “Moonlight Drive”, ...“Horse Latitutes” e sobretudo “When The Music’s Over” foi uma explosão, um nascer de novo. Aquele órgão, aquela bateria hipnóticos e quando o Jim Morrison gritava “We want the world and we want it now!”, bem quando o Jim gritava “We want the world!” o mundo começava ali, acabavam ali todas as infâncias, todas as missas, todas as antigas convicções caíam por terra. João era outro. Nunca mais foi o mesmo. A partir daí, João comprou todos os discos dos Doors, ouvia incessantemente “Break On Through”, “Light My Fire”, “Riders On the Storm”, “Roadhouse Blues” e, claro, “The End”, o outro grande épico dos Doors, o tema edipiano do assassino do pai, do amante da mãe. Outra grande volta à cabeça. Depois, aos 18, quando estava no 12º ano, em Braga, foi ver “Apocalipse Now” ao cinema por causa do “The End”. Mas o filme, com Marlon Brando naquele papel genial do coronel Kurtz no meio da selva a recitar poemas, com aquela descida aos infernos da guerra e da loucura, marcou João para sempre. Depois, quando estava na Faculdade de Economia do Porto, leu “Assim Falava Zaratustra” de Nietzsche, graças a “Daqui Ninguém Sai Vivo”, a biografia de Morrison. Bem, escusado será dizer que toda a finança, toda a contabilidade, toda a mercearia, toda a economia foi posta em causa. João ia propositadamente com “Zaratustra” para as aulas para provocar. Nunca mais suportou o mundo da finança e da economia. Até aí tinha sido um rapaz tímido que escrevia uns versos ingénuos e inocentes. A partir daí tornou-se, quando não estava deprimido, num personagem insolente, dionisíaco, que provocava na pose e na escrita. Começou a beber a sério. A frequentar a noite e os bares. Ainda assim algo puro, belo, alguém que se passeava pelo aquário da vida nocturna. Foi também com os concertos dos Xutos, dos Mão Morta, dos GNR, dos UHF que cresceu. Principalmente com os UHF e os Mão Morta. E com os livros que ia lendo sobre o anarquismo, sobre Marx, Lenine e Trotsky ou deles próprios. Interessou-se pela revolução. Aderiu ao PSR por causa do “Combate”. Conheceu a Ana, a companheira do resto dos seus dias, mesmo depois do namoro acabar.

E era Braga que o acolhia. O “Tuaregue”, o “Deslize”, o “Honni Soit”. Escreveu poemas como “Ressaca”, “Ébrio 29”, “Representação”. Tentou formar bandas como os Ébrios mas só houve um concerto numa discoteca. Foi nessa altura que conheceu o Jaime Lousa, o jornalista e literato, que viria a morrer na miséria, e que o convidou para entrar num filme surrealista onde teria de ir comprar um ovo ao hipermercado “Feira Nova”. Como resultado, uns dias depois do primeiro e único concerto dos Ébrios, João é acusado de ocupar o “Feira Nova”, na sequência de um protesto contra o consumismo e as grandes superfícies. Tinha 22 anos, as beatas fugiam dele na rua, os pedreiros largavam o trabalho, os velhos faziam-lhe continência. Tinha 22 anos e era o Che Guevara de faca de plástico no bolso. Depois, bem depois andou seis meses a comprimidos. Uma dose cavalar. Por causa de um filme que, afinal de contas, teve pouco de alucinação. João acreditou que estava a fazer História, que estava a fazer a revolução, chorava porque pensava que estava tudo feito. Já conhecia o trago amargo da depressão mas nesse ano apanhou com uma de sete meses. A cara inchou, não conseguia comunicar. Mas antes disso queria ser um cantor, queria ser o novo Jim Morrison, tinha a presença mas não tinha a voz. Tinha-a sim para recitar e não para cantar, como se veio a verificar mais tarde. Ainda assim tentou outras bandas. Talvez nunca o tivessem compreendido verdadeiramente.

O JUÍZO FINAL


"Vais morrer esta noite",
diz o infame ao narciso

vim ao bar
pronunciar estas palavras
esperei séculos para tas dizer
na cara,
ó mafioso da máquina,
estou farto de vos ver triunfar
hoje despejei sobre ti
a gargalhada satânica
provoquei o caos
ameacei-te
e isso deu-me um gozo imenso
há séculos que não me sentia assim
depois fui partir montras para a avenida
lojas, bancos
como na Grécia, como em Inglaterra
ficai lá com o vosso Zéca Afonso,
ó parados no tempo,
eu estou a fazer a nova revolução
insulto Deus em plena Sé
não me arrependo de nada
queríeis o incendiário,
aqui o tendes,
ó filhos da puta!
Já não temo a vossa manha
estou farto do vosso sacar
das punhetas que fazeis
ao poder e ao dinheiro
"ides morrer esta noite"
começai a tremer de medo
o novo rei está aqui
regressou de Camelot
vem combater os macacos,
os banqueiros e os seus cães
já nada teme
é-vos superior
às vossas festinhas
ao vosso vinho
ao vosso "tudo bem"
venho combater-vos
passei demasiado tempo
no inferno
agora é a minha vez
EU SÓ QUERO VER O PODER A ARDER
EU SÓ QUERO VER O PODER A ARDER
o rum arde dentro de mim
sou o homem superior
venho incendiar o vosso sossego
escravos,
saí das vossas tocas!
A nova era está aqui
deixai-vos de abraços
e beijinhos
bem-vindos ao caos
ao Shakespeare da pesada
"I'm the lizard king
i can do anything"
sabes, estes versos mordem
queimam
não são líricos
e bonitinhos
como o Eugénio de Andrade
tendes aqui o novo poeta
tendes aqui o novo rei
segui-me
ainda podeis salvar-vos
"come, follow me
cross the sea
endlessly"
amigos, isto não é conversa
para entreter
amigos, isto sou eu
a incendiar
há poetas capazes
de mudar o mundo
de fazer as vossas mentes
em vez da televisão

onde estás,
país da minha infância?
onde está
o menino puro
que eu era?
tornou-se demoníaco
todos os que tentaram fazer-lhe mal
pagaram a factura
nem que seja 100 anos depois
tremei, pois, ó inimigos,
empresários, especuladores,
homens de mão de Bruxelas e do FMI
ides cair um a um
ides ser empalados no alto
da Torre dos Clérigos
nem vós vos safais, ó futeboleiros,
chegou a hora do juízo final.


Vilar do Pinheiro, 12.10.2011

O COMBATE COM OS DEMÓNIOS


Combato os demónios
como Holderlin, Kleist, Nietzsche
vou até ao infinito
bebo
sou um deus
o rum arde
dá-me delírios
cavalos alados
ovações
olhai como voo
como me afasto do mundo
todo eu sou brasa, fogo
esperai de mim a loucura
a loucura sábia
o olhar vivo
as palavras do fim
combato dragões, medusas
venho da idade da descoberta
sou sangue, paixão
o guardião do cálice
ninguém me reconhece
nas ruas do útil
arrasto-me sem trocos
mas há noites
em que Dionisos volta
e aí dança, celebra
e faz tremer
o instituído.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O POETA É UM INCENDIÁRIO

O POETA É UM INCENDIÁRIO

Os poetas, alguns poetas, são incendiários. São capazes de pegar fogo ao mundo. Quer através da palavra escrita, quer através da palavra dita. Aliás, na antiga Grécia, havia poetas que eram requisitados para animar as tropas para a guerra. O poeta, não o poeta lírico, não o poeta da corte, tem uma grande responsabilidade entre mãos. Pela palavra pode incendiar os que o lêem ou os que o ouvem, pode provocar a guerra ou a revolução. Não o esqueçamos. Além de médium, de mago, pode ser o incendiário. Há exemplos na História. A forma como certos poetas, certos bardos, acabam por influenciar muita gente. Não é nada de desprezível. Sobretudo nos tempos que vivemos, nos tempos de quase caos e barbárie. Não é necessário estar sempre a dizer: "Vem aí a revolução! Vamos todos para a rua!" Basta dizê-lo duas ou três vezes. O poeta dito maldito tem, de facto, uma missão, se calhar mais eficaz do que a dos partidos ou de outras organizações, a de acordar as pessoas, sobretudo os jovens. "We want the world and we want it now!", gritou Jim Morrison. "Merda para Deus!", como proclamou Rimbaud. "Nem Deus nem amos", berram os anarquistas. O poeta não está à venda, está cá para incendiar. O país e o mundo já ardem e o poeta deve atear ainda mais o incêndio. "Vamos pegar fogo à noite", ainda os Doors. Ao pegar fogo também a si próprio, ao incendiar-se, o poeta deve igualmente cantar a mulher, deve provocá-la, trazê-la para o fogo. O que não é fácil, porque se bem que a mulher seja selvagem, natural, ela também procura a segurança, o conforto, o sustento, o lar, a protecção de si e das crias. Mas o poeta, tal como Dionisos, deve ser capaz de arrastar consigo as bacantes. Deve amá-las. Não é como os outros. Provoca. Incendeia. Traz a luz. Rouba o fogo e a arte aos deuses, como Prometeu. O poeta é um incendiário.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O MENINO

Não falo a linguagem do homem comum
desculpem-me mas eu não falo
a linguagem do homem comum
sei ser educado, delicado até
mas não embarco nas conversas
do que vem a propósito
na palavrinha do tareco
olho para as gajas
é o que é
para as curvas das gajas
desejo-as
aprecio-lhes os cabelos selvagens
as brincadeiras
mas não me peçam
para entrar na conversa
do homem comum
não preciso de submeter-me
ao homem comum
aliás, cheguei a um ponto
em que ´não tenho
que sujeitar-me a nada
sou dono de mim próprio,
ó imperialistas!
Sou dono da ideia
e do pensamento
sou soberano
escrevo versos no café
como Pessoa escrevia
em vez de aguaardente
bebo cerveja
sou um solitário
como ele
a minha cidade ´não é Lisboa,
é Braga
agora regresso a mim mesmo
nem sequer sou o actor
apenas aquele que escreve
à mesa discretamente
se tivesse mais dinheiro
embebedava-me...
mas eu já escrevi isto
em qualquer lado...
quero escrever o que nunca escrevi
estou lúcido como Álvaro de Campos
daqui a uns anos
quanto estiver agarrado à máquina
talvez me dediquem colóquios,
homenagens
talvez escalpelizem a minha literatura
talvez procedam a estudos rigorosíssimos
acerca da minha obra
mas agora sou apenas
o homem que escreve
e bebe
como tantas vezes antes
só que agora estou mais iluminado
sim, iluminado
é a palavra certa
comecei a sentir-me iluminado
no liceu aqui ao lado
no Alberto Sampaio
quando comecei a falar com as meninas
quando comecei a ler livros
e a ter conversas intelectuais
era um jovem promissor
depois fui parar
à Faculdade de Economia
e foi o que deu
revoltei-me contra a finança
agora não posso com esse mundo
sou do "The End"
sou do "Apocalipse Now"
bebo sem pensar em contas
orçamentos, preços
viva o copo cheio!
Que se foda o ministro das Finanças!
Não me cortais na vida
não me cortais na veia
não me espetais IVA's nem IRS's
estou acima
estou mundos acima
pertenço às estrelas
ao universo
nada tenho a ver convosco
que vos vendeis todo o dia
que dais o cu e a cona
aos mercados
não, não sou vosso
nasci de outros
nasci da honra
tirem-me daqui Wall Street
tirem-me daqui o BCE e o FMI
quero a Glória
não quero o FMI
metei a troika pelo cu acima
metei...
olha, mas apesar de tudo
aqui há vida
apesar de tudo as gajas riem
apesar de tudo a barbárie
ainda não é completa
apesar de tudo há estrelas
há estrelas aqui como na Grécia
eles não podem vir para aqui
cortar a direito
nós próprios podemos romper a direito
Break on through to the other side
ainda temos o direito de beber
a nossa cerveja
ainda temos o direito
de cantar a nossa canção
o mar já foi nosso
estou a falar da pátria perdida
dos que se fizeram ao mar
sem saber onde o mar acabava
estou a falar dos navegadores
não do tédio dentro das casas
não do país do rendimento mínimo
do deve e haver
da contabilidade filha da puta
não, eu sou da grandeza
eu vou beber cervejas ao inferno
com Rimbaud, com Cesariny, com Ezra Pound
não suporto mais os poetinhas
nem os escritorzecos de terceira
sou um mau rapaz
da linhagem maldita
ando pelos bares
brindo à vida
não sou do negócio
nem das gravatas
ando à solta
atiro-me de caras
e se não me quiseres ouvir, queridinha
podes dar uma curva
não estou para falinhas mansas
sou a puta do rock
nisto me tornei
não há cura
nem redenção
houve uns livros que li, sabes
que me deram a volta à cabeça
e agora misturo Shakespeare, Nietzsche, Pessoa
com puro rock n' roll
nada a acrescentar, minha rica
tenho a escola da rua
podeis até insultar-me
que eu sou mil vez pior do que vós
hey, baby, baby, baby,
I'm not gonna die tonight
não segui o ciclo normal
sou uma puta do rock n' roll
preencho os dias
canto as horas
sou o menino
que não se adaptou.

domingo, 2 de outubro de 2011

WALL STREET


Insultais o árbitro
mas não insultais o grande papão
há manifs e detenções em Nova Iorque
no coração do império
olhai o vosso paraíso
olhai as pessoas felizes
no supermercado
olhai como dão vivas à vida
como saltam de alegria
olhai que as revoluções
não são só no Egipto e na Líbia
olhai o coração do império
olhai o império a cair
olhai Wall Street,
ó comentadores da bola
e do regime
falai de Wall Street
olhai a vitória do capitalismo
de pantanas
olhai a felicidade que fabricastes
olhai a treta do Obama
pois, Jesus está aqui
acreditemos nele
ó pregador de terceira
"Yes, We Can"
vendes banha da cobra
olhai a democracia global
a globalização redentora
ó benfeitores,
ó beneméritos,
olhai a felicidade dos dormitórios
olhai para as vossas conversas
maldizeis o Chávez e o Fidel
o comunismo acabou, ´não é?
O anarquismo não chegou a nascer.
Que tendes em casa?
A barbárie
o medo
a loucura
nunca mais comereis sossegados
as pilhagens estão aí à porta
the doors are open,
my friend
estou a falar do princípio
estou a falar dos homens livres
da idade do ouro
quando dançávamos
em redor da fogueira
quando celebrávamos o dia
e bebíamos até cair
não este tédio
não a lei de Wall Street
não uns a vigiar os outros
não todos a fingir
que estão vivos
não todos a fingir
que estão sãos
olhai o império a cair
falta pouco
a coisa está a explodir
na minha cabeça
não me faleis no Porto
não me faleis no Benfica
é a única conversa
que tendes?
Que o Porto joga às 8,15
que o Benfica ganhou ontem
olhai que as vossas conversas
vão ter que mudar
olhai que a vossa sanidade
está a dar o berro
olhai que a poesia
está a deixar de ser lírica
olhai que, aos 43,
finalmente dão-me razão
nem sequer preciso
de ir atrás dos partidos
nem sequer preciso
de ser de companhia
olhai como sou leve
como danço na pista
como sou verdadeiramente
um mago
não preciso de jogos
nem de resumos
não sou nenhum pateta atrasado mental
o Ronaldo foi mais para trás,
o Messai foi mais para a frente,
continuai
continuai assim
isto vai ser a doer
lembras-te de quando
querias que a noite
não acabasse mais?
Isso sim, era a vida
a vida na sua exuberância
não este corte
não esta corte
dos direitinhos
ides apanhar
com tudo nos cornos
Wall Street
vai rebentar.

SEIS DA MANHÃ


SEIS DA MANHÃ

São seis da manhã. Dói-me a cabeça. Estive a contar as estórias da minha vida. Estive a vivê-las nestas três horas de sono. Fui à "Filantrópica" à Póvoa falar com os putos e a chama começou a acender-se. Sabes como é. Começas a lembrar-te da infância e a mente abre-se. Há qualquer coisa que explode. As palavras surgem em catadupa. Torno-me o médium, o mago, aquele que interpreta. D......ói-me a cabeça ainda. Dizem que a minha poesia é diferente das outras. É ácida, beatnick, sei lá. Talvez, como alguém disse, alguns poemas sejam quase pessoanos como a "Ilídia no Velvet". Mas dizem que ela é diferente. Talvez porque eu sou mesmo louco e procuro o que não há. O ouro perdido, o reino de aquém e de além. Sou esse poeta. O poeta que continua a ir aos bares e que faz a festa. O poeta que provoca as mulheres bonitas porque as quer dentro e fora do poema. O poeta que sabe ser insolente como o Joaquim Castro Caldas mas que se fecha em copas a escrever e a ler na mesa do canto. São seis da manhã e dói-me a cabeça.