terça-feira, 30 de junho de 2009

THE REVOLUTION WILL NOT BE TELEVISED

The Revolution Will Not Be Televised

Ao longo da história sonegada do século transacto, o grande desejo das sucessivas administrações dos EUA, como império moderno, é o de dominar todo o continente latino-americano, não se contentando apenas em considerá-lo o “quintal da sua casa”.

O império é conquista e ataque, controlo e segredo.

Desde 1946, os Estados Unidos tentaram derrubar mais de 50 governos, muitos deles eleitos democraticamente.

Nessa guerra obscura, 40 países foram atacados e bombardeados, e no poder foram colocados ditadores ou líderes pró-americanos ao serviço dos EUA e das suas multinacionais, deixando um rasto de inúmeras vidas que se perderam iniquamente.

Dentro do seu domicílio, a justificação para a “guerra suja” era arrebatada com a psicologia das multidões: uma campanha para criar a sensação de terror, de ameaça constante, uma paranóia que se transformou numa super-cultura chamada “Anti-comunismo”.

No final dos anos 80, a política de Washington mudou. Ditadores como Pinochet passaram a ser vistos como uma vergonha desnecessária. Foi, então, lançada uma forma inovadora de controlar as nações da sua horta. Um programa com visão e propósitos nobres, o Programa Nacional para a promoção da democracia.










O estabelecimento deste programa é o principal objectivo dos ideais americanos e das suas instituições, uma ilusão de marketing. Esta flamejante “democracia” pressupõe que, seja quem for em quem se vote ou ganhe as eleições, as políticas vão ser as mesmas, e a economia do país vai ser moldada pela dos Estados Unidos. Washington vai ser um amigo íntimo, uma iminência menos parda, mais sofisticada e cínica, brandindo toda a arte de branding americana para vender a sua asquerosa e sanguinária marca: “democracy”. Franchising da política, carimbado pelo dólar, e com os logótipos das suas grandes corporações.

Nos anos 90, estas democracias substituíram as ditaduras na América Latina.

Retirado de uma música/poema de Gil Scott-Heron, The Revolution Will Not Be Televised é uma visão, com acesso ilimitado, ao golpe de estado ao governo de Chavez em Abril de 2002.

Os realizadores irlandeses Kim Bartley e Donnacha O'Brian viajaram para a Venezuela para filmar um documentário sobre o carismático e polémico presidente Hugo Chavez nos seus primeiros anos de presidência da 4ª nação exportadora mundial de petróleo e de importância vital no fornecimento a baixo custo aos EUA.

Retratam Hugo Chavez – por vezes, com um favorecimento notório – como um colorido herói popular, amado e idolatrado pela classe trabalhadora, pobre e miserável, e odiado por uma estrutura de poder de magnatas petroleiros e a alta classe que o adorariam ver deposto.





Na base desta dicotomia estão os seus planos sociais: educação e saúde sem custos, distribuição dos proventos do petróleo, e criação de um espectáculo da democracia popular, com a rábula televisiva semanal onde Chavez vende a sua imagem de patrono do povo.

Em Janeiro de 2002, Chavez lançou um novo plano de reestruturação da empresa estatal de petróleo, e a crise instalou-se. Volvidos três meses, estes realizadores acabaram por testemunhar o enredo maquinado, culminado num golpe de estado falhado, promovido pelos media privados, orquestrado pela classe do petróleo e com financiamento dos EUA.

Este documentário resultou numa brilhante peça de jornalismo, mas também num espantoso retrato do conflito de forças na Venezuela. De um lado, as classes que vestem Versace, desde há décadas inchadas de lucro petrolífero, do outro, os pobres e miseráveis sem outro horizonte que as suas favelas.

O documentário recebeu 12 prémios e 4 nomeações.



The Revolution Will Not Be Televised

Kim Bartley, Donnacha O'Brian (Venezuela)

2002
tempo: 74 min

segunda-feira, 29 de junho de 2009

PROCURA OS TEUS COMPANHEIROS, Ó POETA!


Esta gente vive da intriga e da inveja
com esta gente pequena
é impossível construir algo de novo
procura os teus companheiros, ó poeta!
Esta gente fala, fala
e não diz nada
sempre as mesmas conversas
esta gente não questiona
esta gente não tem alma
só pensa no dinheirinho ao fim do mês
na casinha e na família
procura os teus companheiros, ó poeta!
A culpa é do capitalismo
mas esta gente também tem culpa
só sabe criticar por criticar
está presa á vidinha
não sai da vidinha
limita-se a querer a sua paz e o seu sossego
a ter preocupações menores
a dizer mal do vizinho do lado
Nietzsche tem razão
não passam de merceeiros
de gentalha
nenhum pensamento profundo
nenhuma ideia
só o empreguinho
e o trabalhinho
procura os teus companheiros, ó poeta!

ASSIM A VIDA NÃO É VIDA


Os partidos, mesmo os de esquerda, têm uma linguagem quase exclusivamente económica. Não são capazes (ou não estão interessados) em aprofundar o que se passa realmente na sociedade. Falam do desemprego e da precariedade mas não são capazes de dizer que a crise foi provocada pelas baixas das cotações da Bolsa. Ao que isto chegou. A nossa vida nas mãos das brincadeiras, dos joguinhos das multinacionais, dos bancos e dos especuladores bolsistas. Nunca o ridículo foi tão longe. A vida nas mãos dos especuladores bolsistas. E os políticos são cúmplices. Não, assim a vida não vale a pena. Assim a vida não é vida. Isto está a bater no fundo. E ainda falam de democracia. Que democracia é esta quando tudo está nas mãos dos jogos dos especuladores bolsistas? De que vale o voto? Até onde desceu a humanidade?
É preciso começar tudo de novo. É preciso voltar ao espírito. É preciso voltar ao tempo em que os homens e os deuses conviviam em pé de igualdade. É necessário voltar à antiga liberdade. Já nada há a perder. Não estou a falar do dinheiro, não estou a falar do trabalho. Estou a falar do amor, do espírito livre, do homem livre. É uma questão de crença, de atitude. O mundo do capital e do mercado já deu o que tinha a dar. O homem não veio ao mundo para sobreviver mas para viver.

RIMBAUD


Agora corrompo-me o mais possível. Porquê? Quero ser poeta, e trabalho para me fazer vidente: você não está a perceber nada e eu também não lhe sei explicar. Trata-se de chegar ao desconhecido pela desordem de todos os sentidos. Os sofrimentos são enormes, mas é preciso ser-se forte, ter nascido poeta, e eu reconheci-me poeta. A culpa não é minha, de maneira nenhuma.
(Arthur Rimbaud, "Correspondance a Georges Izambend", Maio de 1871)

O HOMEM DA SOLIDÃO

Não tenho com quem falar e escrevo
é certo que também procuro a solidão
exilo-me aqui na zona
não vou à cidade
o homem das doenças
fala com outro homem
não se dirige a mim
como ontem
o homem com o dom da palavra
não apareceu
como já disse noutro texto
cultivo uma certa distância
não me dou facilmente a conhecer
encontrei esta caneta na estrada
está meia partida
mas ainda escreve
até parece que caiu do céu
estes cafés quase sem clientes
e sem televisão ligada
fazem-nos escrever
e, porra, não me canso de dizê-lo:
nunca escrevi tanto como agora
todo o pensamento
se passa para a folha
até o sol ajuda
é impressionante
prossigo o diálogo comigo próprio
não tenho com quem falar
e escrevo
não sou daqueles que mete conversa
facilmente
corro riscos de enlouquecer
bem o sei
mas há que prosseguir viagem
o homem das doenças bebe cerveja
a gerência janta
as minhas amigas
às vezes vão ter comigo
as minhas amigas
às vezes emprestam-me dinheiro
sou o homem da solidão
sou o homem que escreve
e que anda de tasco em tasco.

DO HOMEM DAS DOENÇAS


Volto ao café
do homem das doenças
agora critica as missas
e os que mandam nas missas
é um homem crítico
um conversador nato
que defende a juventude
viva a juventude!
Cada um tem a sua religião
a religião não se discute
discute-se, sim!
Tudo se discute
aqui no café
é a maiêutica
e a dialéctica
em acção
só falta que volte Sócrates
e pronto!
Lá voltam as doenças
e os hospitais
e os Leões
e a Reitoria
e o "Piolho"
que amanhã faz anos
lá estarei
amanhã vou mesmo
apanhar uma bebedeira.

domingo, 28 de junho de 2009

HENRI MICHAUX

«Desde o início deste Congresso numerosas recomendações foram dirigidas ao escritor: debruçar-se sobre os problemas sociais, meditar nas repercussões da sua palavra, pesar as suas responsabilidades, sem falar de outras exortações que as mais das vezes podemos encontrar nos sermões.
Esta forma de conceber o homem e o artista dentro do homem como perfeitamente conscientes um do outro e associados, ou o segundo comandado pelo primeiro, se é muito natural tratando-se de jornalistas ou ensaístas, já o é menos tratando-se de criadores e só com muita dificuldade é aplicável aos poetas.
O poeta não é uma excelente pessoa que prepara a seu grado cozinhados perfeitos para o género humano.
O poeta não é uma pessoa que medita nessa preparação, que a segue com atenção e rigor para em seguida entregar ao consumo o produto acabado, com vista ao maior bem-estar de todos.
O poeta não se entrega a essa operação e, mesmo que o quisesse, seriam magros os resultados. A boa poesia é rara em regime de patronato, tal como nas salas de reuniões políticas.
(…)
Mas um poeta (nasceu hoje um, talvez) subverterá sem dúvida esta nova poesia. Tanto melhor.
Porque a verdadeira Poesia faz-se contra a Poesia da época precedente, não certamente por ódio, embora por vezes ingenuamente dê essa aparência, mas por que é chamada a mostrar a sua dupla tendência, que é em primeiro lugar trazer o fogo, o impulso novo, a nova tomada da consciência da época, e em segundo lugar libertar o homem de uma atmosfera envelhecida, gasta, viciada.
O papel do poeta consiste em ser o primeiro a senti-la, a descobrir uma janela para abrir ou, mais exactamente, em abrir um abcesso do subconsciente.
Foi talvez nesse sentido que se disse: “O poeta é um grande médico”, como aliás o cómico. Assim ele manifesta a sua segunda tendência, que chamei exorcizante. Faz desaparecer a sedução da época precedente, da sua literatura e, em parte, também da época presente. Essas duas tendências conjugam-se, de resto, numa só força em direcção ao futuro.
Vemos que no início o poeta está sozinho, parte sozinho à descoberta. A sua verdadeira acção social vem mais tarde, quando a humanidade quase sem ele querer o incorpora.
Esta incorporação faz-se de forma tão natural que muitas vezes imaginamos retrospectivamente, com algum simplismo, que o poeta deu o tom à época precedente.
Assim se torna eternamente actual o poeta que teve a coragem de não o ser demasiado cedo.»

[Henri Michaux, Nós Dois Ainda; tradução e apresentação de Rui Caeiro, Bonecos Rebeldes, Lisboa, 2009 (2.ª edição);
a 1.ª edição é da & etc, 1988]

Selecção de Jorge Fallorca, algures

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O NOVO LIVRO


Hoje começo um novo livro. Há já algum tempo que os poemas vêm como que em capítulos. Hoje escrevo claramente em prosa. E a Tatiana lava a máquina de cortar fiambre. Há simpatia mas não consigo manter um diálogo com esta gente. A culpa é minha. Sou tímido e cultivo uma certa distância. O que também tem as suas vantagens. De vez em quando, como ontem, aparece um gajo a meter conversa. Este dizia disparates mas também disse algumas verdades. Até achei piada ao homem. Acho que vou voltar lá ao café por causa disso. A Gotucha está aflita com o relatório. E eu voltar a Paredes de Coura com a Mana Calórica. Não sei é das letras. Vou ter de as copiar do youtube e do myspace.
Hoje começo um novo livro. Já posso falar assim. O homem de ontem chamou religião ao futebol. Não é qualquer um que o diz. Exagerou nas doenças, mas enfim lá terá tido alguma doença grave. Mas o homem que falou antes dele, esse sim, era um senhor. Aquilo é que é o dom da palavra e a serenidade em pessoa. Pessoas que dá gosto ouvir. O poeta tem de ouvir essas pessoas e falar com elas. Não importa a distância que tem de percorrer. Aqueles empregados do "Guarda-Sol" com que falo também têm qualquer coisa. A maior parte das pessoas estão muito fechadas nelas próprias e na vidinha que levam. Limitam-se a dizer o que toda a gente diz, não são personagens de Henry Miller. E é esta a minha missão. Ouvir o mundo. Falar com os meus companheiros, estejam onde estiverem. Compreendo hoje que as minhas crises de euforia, que as minhas alucinações, fazem parte do processo de criação. Quando parti os vidros dos carros em Vila do Conde estava a descarregar tudo tudo o que se passou em Paredes de Coura, era Jesus Cristo a expulsar os vendilhões do Templo, a partir tudo em redor do Templo. Não presto adoração a nenhum Templo, a não ser o Templo do Amor e da Liberdade. Para o cidadão comum tudo isso é loucura. E talvez seja. Mas talvez a estrada da loucura seja a estrada do sublime. E eu nessas ocasiões sou o xamã: aquele que comunica com os deuses e com o espírito.
Hoje começo um novo livro. Não preciso de Deus. Já disse: Deus expulsou-nos do Paraíso. E eu quero o Paraíso de volta. QUero o Paraíso de volta, ouviram? É o Paraíso e só o Paraíso que me interessa. Todo o vosso dinheiro não compra o Paraíso! Todo o vosso dinheiro de pouco ou nada vos vale. Esta é a verdade. Agora sim. Estou lá próximo. Estou às portas do Paraíso.
Hoje começo um novo livro. Sinto-me próximo de Blake, de Morrison, de Nietzsche. Escrevo profeticamente no meio de uma confeitaria de Vilar do Pinheiro. Escrevo e sei que vou ter leitores. Escrevo e sei que posso mudar o mundo. Escrevo e acredito. Sou um louco divino. Não tenho de ser humilde. A humildade é própria do rebanho. Sou um louco divino. Mais uma caneta que dá o berro. Escrevo e as canetas cada vez duram menos tempo. Escrevo e desgasto o instrumento de trabalho.
Hoje começo um novo livro. Tenho permanecido na aldeia. Só vou à cidade duas vezes por semana. E sinto-me bem. Sinto-me próximo dos deuses. A rádio passa as músicas da adolescência. E eu flutuo, como a Carlinha. Olho para as horas. Nem sequer devia ligar a isso. Deveria ser o homem inteiramente livre. Sem qualquer limite, sem qualquer preconceito. Mas continuo preso á Terra. Se bem que os negócios dos homens nada me digam. Se bem que os discursos dos políticos cada vez me passem mais ao lado. É necessária uma nova linguagem. Uma linguagem profética. É necessário subir ao palco e dizê-la.

A MENSAGEM


SECÇÃO: Opinião

António Pedro Ribeiro


Esta é a Mensagem
Os políticos e os economistas falam uma linguagem diferente da nossa. Nós cantamos o caos no meio da derrocada económica e financeira. Nós cantamos e dançamos no meio do fogo. Dance on fire if it intends, como canta Jim Morrison. Mas nós não temos de nos andar sempre a exibir. Só quando subimos ao palco. Também temos necessidade de ser espectadores, de observar o mundo.


A nossa loucura não é camuflada, a nossa loucura é real. Amamos as nossas bacantes. Usamos palavras simples, textos directos, não suportamos escritas herméticas. Apelamos ao amor no meio do caos. Mas não o amor dos cristãos ou, pelo menos, não o dos cristãos actuais. Como disse Nietzsche, só houve um cristão e esse morreu na cruz.


Não queremos morrer na cruz! Nem queremos a vida eterna. Queremos a eternidade do instante. A eternidade da palavra. É essa a eternidade que nós amamos. A eternidade aqui e agora. Este ainda é o tempo do homem pequeno. Do homem da intriga, da mercearia, do hipermercado, da prisão, do rebanho. Nós visamos o homem livre. O homem que segue o seu caminho, que diz não aos ídolos, que diz não ás cadeias, que se opõe ao racionalismo mercantilista, que admira os grandes homens, que é, ele próprio, um espírito livre, que quer construir o Super-Homem.


Amamos a Vida, a vida plena, do prazer, das paixões, do sangue na guelra. Amamos as mulheres porque elas nos dão à luz e nos dão a luz. Sim, não estamos cá para agradar à maioria nem para obedecer ás leis da maioria. Por isso não suportamos governos, presidentes, parlamentos. Por isso, rejeitamos a democracia burguesa. A maioria é sempre uma massa imbecil. Os espíritos livres estão fora da maioria. Admitimos, sim, servimo-nos das eleições burguesas como forma de propagandear a nossa mensagem.


O Deus dos cristãos está morto ou, pelo menos, gravemente doente. É o deus-dinheiro que importa matar. Houve um tempo em que o Deus dos cristãos era mais poderoso que o dinheiro. Houve um tempo em que o Deus dos cristãos inspirava o medo e o terror. Esse tempo acabou. Tudo gira em função da economia, do mercado, do deus-dinheiro. A vida que o deus-dinheiro nos dá (ou nos vende) é uma vida de merda, controlada por relógios, trabalhos, hierarquias, contas, percentagens, bancos, trocas.

É a essa vida que é preciso dizer não.


É preciso dizer não aos bancos e às bolsas. Àqueles que provocaram a crise. Para isso não basta votar no partido x ou no partido y, isso de nada adianta. É necessário que os espíritos se tornem livres. É necessária uma revolução dionisíaca. Com fogo, vidros partidos, ocupações, destruição. Destruir para construir. Destruir para criar. Dêmos caos ao caos.


E depois falaremos do amor no fim. É esta a mensagem que queríamos passar. É esta a mensagem que os telejornais não passam. É esta a mensagem que não nos querem deixar passar. É esta a mensagem que queremos passar. É esta a mensagem. É esta a mensagem.

in www.vozdapovoa.com

O HOMEM COM O DOM DA PALAVRA


Finalmente um homem que dá gosto ouvir falar
um homem que nos faz escrever
e interromper a leitura
fala das festas de outrora e das de agora
dos bailes
apesar de não se confessar grande folião
eis o homem que dá gosto ouvir
que tem o ritmo certo
o dom da palavra
pode até nem ser um grande erudito
um grande intelectual
mas é um homem que encanta a plateia
com as estórias que conta
e gente educada
que se cumprimenta com cortesia
e tem sentido de humor
e goza com o dinheiro
e diz que não vale nada
e até aparece outro homem
que diz que o S. João do Porto
é o mais estúpido do mundo
e que até bate
em que o provocar
e que só fala de doenças
e que se interessa imenso por política
apesar de sempre todos uns mentirosos
e que diz que o futebol é uma religião
e que detesta as Testemunhas de Jeová
e que lhes dá porrada
e que fala comigo
meia hora seguida
e chega outro que bebe whisky
finalmente um café com vida
aqui nas redondezas!

Pedras Rubras, 24.6.2009

O AMOR É A SALVAÇÃO

Com tanta escrita a sair
agora sim, sinto-me um verdadeiro poeta
um poeta que vive da escrita
e para a escrita
que está em sintonia com a Criação
com a música do mundo
um poeta que dispensa as idas à cidade
e que fica aqui à mesa do café de V.N. Telha
a olhar para o cu da patroa
e com isso se entretém
a inveja e a vaidade são dois sentimentos
quase ultrapassados
sou um poeta sereno
ainda tenho as minhas raivas, claro,
mas sinto-me em paz comigo próprio
em comunhão com o espírito
embora me apeteça fazer
o que Cristo fez aos vendilhões do Templo
umas explosões assim,
de vez em quando,
já as tive
talvez tenham sido um sinal
mas não tenho de andar sempre
a falar nisso
o que está feito está feito
o que importa agora é o presente
o presente e o que aí vem
ainda está para vir o reconhecimento
a consagração
tenho a certeza
ainda não consigo escrever sobre os mares,
as florestas, os animais
daquela maneira que Nietzsche escrevia
para lá do bem e do mal
se bem que desejemos o bem
mas o bem autêntico
não o bem moralista
não o bem da sociedade
o bem puro, a virtude
de que falam Sócrates e Platão
o amor
o amor é uma divindade
o amor é a solução
e lá estou eu com os poemas compridos
se calhar ainda não consegui fazer a síntese
quando o conseguir chegarei onde quero chegar
e aí tudo estará cumprido
e aí os homens darão as mãos
e aí os tiranos cairão
e aí tudo começará de novo
e aí todos seremos irmãos.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

A LIBERDADE E O AMOR


Não tenho jeito para ser merceeiro ou comerciante
não tenho aquele feitio de me agarrar aos trocos
e de ser simpático para toda a gente
de tirar partido
das mais pequenas vantagens
e depois este mundo do dinheiro
e da compra e venda
nada me diz
se fosse tasqueiro
começava a oferecer cervejas
ou bebi-as eu
não sei lidar com o dinheiro
ponto final
quando tenho algum
gasto-o em dois tempos
só estou interessado na liberdade e no amor
como eu há poucos
houve poucos
andamos por aí a espalhar a mensagem
mas ninguém nos ouve
ou quase ninguém
ou então só se apercebem dela
quando estamos mortos
ou muito velhos
ou gravemente doentes
só estou interessado na liberdade e no amor
não sou mais do que outros
por causa disso
mas o que é facto é que sou diferente
acredito que os homens, alguns homens,
se podem tornar deuses ou super-homens
a partir do momento em que se apercebem
de que o espírito é tudo
e que o espírito está em nós
esta é a grande verdade
esta é a Verdade
acrediteis ou não
é verdade que podemos pôr tudo em causa
Deus, o espírito, a Criação
e temos de passar pela fase do leão
em que combatemos tudo
e dizemos "eu quero!"
E dizemos merda para Deus,
para o espírito e para a Criação!
Mas depois voltamos à infãncia
e à criança, desta vez sábia,
e apercebemo-nos que para lá do caos
ou para cá
existe o espírito dentro de nós
e aí somos nós os deuses
somos nós os deuses
não me canso de repetir
e não há apenas a verdade de cada um
a verdade relativa
existe a Verdade
e o espírito está dentro de nós
e Deus está dentro de nós
e o espírito somos nós.

"Padeirinha", 24.6.2009

terça-feira, 23 de junho de 2009

A MINHA HORA


Cada vez escrevo melhor
cada vez há menos obstáculos
entre mim e o espírito
que são as coisas do mundo
as fomes e as guerras
os reis e os chefes
perante o espírito?
O espírito ilumina-me
através dos mestres
Henry Miller, Nietzsche, Morrison
regresso à Idade do Ouro
ao Uno Primordial
sou apenas eu
sem amos nem escravos
brinco comigo mesmo
invento personagens
estou mais preparado
para falar ao mundo
mas não sou um político
tenho a linguagem profética
a vida espiritual é a vida eterna
deixo-me ir
como um barco à deriva no mar
como um visionário
a cambalear pelo palco
como um escritor
que não vende livros
como um profeta
rejeitado pela multidão
mesmo assim prossigo
porque a certeza de que este é o caminho
do espírito e da Criação
e sei que outros me vão ouvir
e sei que vai chegar a minha hora
mesmo que tenha de atravessar desertos
mesmo que tenha de atravessar os mares
eu sei que vai chegar a minha hora.

O ESPÍRITO


O café "Natural" fecha mais cedo
por causa do S. João
e eu vou outra vez a Paredes de Coura
desta vez com a banda
mas o que interessa mais
é a minha identificação com Henry Miller
também sou um inadaptado ao trabalho comum
um ser que estando na sociedade e escrevendo
sobre a sociedade está fora dela e contra ela
um ser com vivacidade de espírito
que não está morto
que sabe que o espírito é tudo
que fala com os outros poetas
com os poetas autênticos
que dialoga consigo próprio
que lê a Bíblia e os satânicos
que está próximo de chegar onde quer
que quer a mulher
mas não uma qualquer
a mulher que provoca
a mulher que abana as ancas
a mulher que tem espírito
que dança loucamente na pista
que abana os cabelos e as mamas
a mulher que te quer
que tu agora tens a certeza que te quer
por muitos mares que se interponham
por muitos desertos que percorras
e que ainda tenhas de percorrer
esta é a era do espírito
esta é a tua era
provas o fruto da àrvore do conhecimento
desafias Deus
e tornas-te tu mesmo Deus
porque és só espírito
e espírito serás eternamente.


"Natural", Telha, 23.6.2009

A ERA DOS POETAS


As gajas boas do lado
e a conversa do trabalho e do desemprego
interromperam a minha leitura do "Plexus"
e eu que já estava encantado
com a auto-biografia do Miller escritor
quando ele decidiu tornar-se escritor
e tentava vender as suas estórias sem sucesso
os gajos ligam muito mais ao trabalho
à disciplina do trabalhinho
as gajas ouvem mas têm mais piada
gozam com a coisa
e eu que sou como Miller
um inadaptado ao trabalho comum
que talvez um dia
venha a ser um grande escritor
apesar de não conseguir inventar estórias
ou melhor, invento as estórias no poema
e as gajas felizmente mudam de conversa
agora falam de fotografias e riem
talvez venha a ser um grande escritor
quando estiver morto
ou quando estiver na miséria
me venham salvar
talvez em vez de poeta
me torne uma espécie de profeta
dos tempos modernos
até ando a ler a Bíblia
e não há dúvida que aquela linguagem...
apesar dos 900 anos do Noé e do Abraão
e das filhas que se deitam com o pai
sim, vem na Bíblia
e um gajo está sempre a aprender
mas a crise acabou com tudo
- diz o gajo do lado
morte à crise!
Assassinemos a maldita crise!
Isto está bom para os poetas
e para os profetas
que os negócios vão todos à falência!
Viva a república dos poetas!
Que venham as gajas boas!
Que venha a loirinha
que está à minha frente!
Que venha de vez
em vez de estar a ouvir
a conversa imbecil e negociante
do gajo do lado
esta é a nova era dos poetas
do espírito, como profetizou Agostinho da Silva
abaixo os negociantes
e os mercadores
excepto aqueles que são nossos amigos
que nos dão cerveja de borla

Declaro o início da nossa era
escutai-me, povo e gajas boas!
Começo a ver a luz
I'm beggining to see the light
este é o início da nova era!
A partir de agora
acabou a era da Bolsa e do Mercado
e do capitalismo
esta é a era do espírito e dos poetas
morte ao dinheiro!
Queimemos o dinheiro na praça!
Organizemos festins
grandes celebrações
àlcool a rodos
rock dança
eis a era do espírito e dos poetas!

"Motina", Vilar do Pinheiro, 22.6.2009

POETA SEM VINHO E SEM CERVEJA NÃO É POETA


Um bêbado provocador
fala de amor
provoca o casal do lado e a polícia
o homem nem sequer é português
é estrangeiro
fala ao mundo
pede cerveja
e eu também
estes personagens têm sempre piada
fazem-me escrever
dirigem-se à polícia
às forças repressivas
não gosto de polícias
nem que ninguém me ande a controlar
sou do tempo da liberdade livre
ouviste?
Sou do tempo da liberdade livre
da antiga liberdade
não gosto de dinheiro
o dinheiro deveria desaparecer da face da Terra
e até bebo mais uma a isso!
Sem álcool a vida é uma merda
e o empregado até me trata por senhor
mais uma e sou sr. doutor
aqui na esplanada do "Aliados Bar"
só se ouve falar estrangeiro
this is a not a question of life and death
ou se calhar até é
a gaja do lado agarra-se ao dicionário
a de trás habla castellano
passa o pedinte do costume
isto começa a ser uma cena bíblica
ontem à noite até estive a ler a Bíblia
aquilo até tem piada
aparte a história das descendências
e do Noé que viveu 900 anos
hoje ia em Santa Catarina
e estavam uns gajos a louvar o Senhor
e a cantar numa igreja qualquer
há quem pregue o Senhor
e há quem pregue poesia
no fundo, estamos todos a pregar
o mundo deveria pagar as minhas pregações
o mundo deveria sustentar-me
os gajos como eu não deveriam usar dinheiro
Jesus Cristo não usava dinheiro
Sócrates não usava dinheiro
nem relógio
até há foguetes e explosões!
Deveria haver fogo
mas as bibliotecas permaneceriam intactas
estoiro o dinheiro todo
que poderia ter amanhã
só para me armar em bebedolas
e para dizer que hoje
tenho dinheiro nos bolsos
a maior parte das pessoas
leva uma vida tão imbecil
não, nunca serei como eles
em 10 minutos
vivo o que eles não vivem em 1000 anos
só quero a Gotucha
queria que a Gotucha
estivesse aqui comigo
queria que a Gotucha
estivessa aqui a rir-se comigo
a Gotucha tem o espírito
a Gotucha gosta mesmo de mim

às vezes apetece-me ser a favor da ETA
defender a independência do País Basco
custe o que custar
estão aqui espanhóis
que se fodam!
Mais um polícia
menos um polícia
já disse: não tenho de agradar a toda a gente
também não se fazem as contas
de quantos os espanhóis e os portugueses
mataram e escravizaram
na América e em África
os índios foram dizimados
índio, índio, porque morreste?
Há pombas brancas no céu
pombas brancas no céu, ouviste?
Já bebi quatro cervejas
e estou na mesma
vinha a conversar com um rapaz
que também escreve poesia
e a coisa começou a fluir
eu é que sou o poeta!
O mundo deve-me dinheiro
se não quer que se acabe com o dinheiro
às vezes julgo-me genial
outras uma merda
isto afinal resume-se tudo à melhor forma
de ganhar dinheiro
à melhor forma de ganhar dinheiro,
ouviste?
A gaja pegou numa lata de Coca-Cola
e sacou estrelas
genial
os estranjas gramam
e compram
os estranjas estão cheios de dinheiro
e eu há dias em que estou completamente teso
bem, só faltava agora armar em xenófobo
eu que estive no Bloco de Esquerda
eu que estive no PSR
mas se eu conseguisse vender os meus poemas
como a gaja vende as estrelas dela
até me sustentava
mas eu não me sujeito às humilhações
por que a gaja passa
para vender as coisas dela
pelo menos por enquanto
sou um homem livre
sou o homem da liberdade antiga
mas a solução é arranjar um negócio qualquer
comprar e vender
tudo se resume à compra e venda
ao investimento e à bolsa
ou ao caralho que seja
puta de vida imbecil levais!
Todos, os portugueses e os estrangeiros
sois todos seres humanos
e sois todos escravizados da mesma forma
eu limito-me a ler uns livros
e a escrever
e enquanto fizer isso
estarei feliz da vida
mesmo se permanecerdes
insensíveis mortos
perante aquilo que digo e escrevo
parece que está tudo morto
parece que está tudo deprimido
parece que sois todos militantes deprimidos
do PS ou do Bloco de Esquerda
já disse: votei no MRPP
quando o MRPP tiver mais votos
passarei a votar no POUS
mas só farei campanha por eles
se me derem tempo de antena
fartei-me de distribuir panfletos
e de colar cartazes
para os outros
agora sou eu
agora é a minha vez
a minha vez, ouviste?
Até gosto de brincar comigo próprio
até gosto que alguns digam mal de mim
poeta sem vinho e sem cerveja
não é poeta
poeta sem poeta e sem cerveja
não é vinho
poeta sem vinho e sem poeta
não é cerveja
e assim sucessivamente
vamos lá dar dinheiro a estes gajos
como dizia um amigo meu
a luz até se foi
vamos embora.

Porto, 21.6.2009

segunda-feira, 22 de junho de 2009

CRISE?

Crise trava «resorts de pulseira» no Alentejo?

Abençoada crise!

Posted: 21 Jun 2009 07:26 PM PDT



Como, porquê e com que intenções, deixaram morrer (mataram?) as “Festas do Povo (Festas dos Artistas) de Campo Maior. Mas será que elas estão mesmo mortas? Ou, depois deste longo hiato, um ano destes… os pandeiros e as “saias” vão puxar para a dança os dedos que sabem “torcer papel”, fazer nascer uma flor ou “enramar” uma rua?



Não há pachorra para este Alentejo morno (morto?) que nos querem vender, repleto de cenários de “resorts” que (excepto os seus promotores, obviamente) ninguém quer, na beira de uma água litoral ou interior, seja na Costa Alentejana ou nas margens de um Guadiana e Degebe que estenderam braços e fôlegos até se fazerem Bacia de Alqueva.



A crise está aí. Há hotéis no Algarve que não renovam contratos a prazo ou esquecem os prazos dos salários. E o Senhor Ministro da Economia e o Senhor Secretário de Estado do Turismo fazem de conta que não dão por nada, inebriados por auto intitulados “Projectos de Interesse Nacional”(???) que mais não são que modo de vender lotes de terreno, vivendas e outros produtos afins do sector da “imobiliária turística”, ramo subsidiário da construção civil, que nada tem a ver com a Indústria do Turismo.



É legítimo o anseio de qualquer um à sua segunda, terceira, quarta, etc. habitaçãozinha. Mas, por favor, não chamem a isso Turismo - a expressão “turismo residencial”, de tão inapropriada, desajustada e desadequada ao que se pretende encobrir com ela, chega a ser obscena!



Nós não merecemos isto. O futuro do país, as suas novas gerações, não merece(m) isto!


Excerto de um editorial da Revista Café Portugal

sexta-feira, 19 de junho de 2009

TODOS NÓS PODEMOS SER DEUSES


Existe alguma coisa. Isto não é só comer e beber e juntar dinheiro. Não estou propriamente a falar de Deus ou de Alá. Sei que existe alguma coisa senão já me tinha suicidado ou enlouquecido de vez. Existe a vida na gaja que vai ao balcão e que me excita. Mas existe algo mais do que isso. Existe algo mais. Existe algo dentro de nós no pensamento, na alma, no coração. Existe o amor e só o amor pode salvar o mundo. Mas também existe o ódio, a inveja, a intriga, o poder, a ganância, o dinheiro: as pessoas invejam-se umas às outras, invejam os bens dos outros, o capitalismo diz-lhes para se tornarem competitivos e submissos- é essa a linguagem das empresas, dos bancos, da economia. É essa a linguagem que nos inpingem todos os dias. É essa a linguagem que nos mata. Isto não é apenas uma questão de modos de produção, isto não é apenas uma questão económica ou de dicotomia explorados/exploradores. Tornámo-nos escravos uns dos outros, como escreve Henry Miller. E para que isso acabe não basta haver uma revolução política, é necessária
uma revolução interior, uma tomada de consciência no interior de cada um de nós, de muitos de nós, de que isto não serve e que é necessário construir algo de novo. Volto a Miller. "Não duvidem, no momento em que verdadeiramente desejarmos a liberdade seremos livres". Mesmo Nietzsche quando fala da morte de Deus e do super-homem fala da superação do homem, do espírito livre, do artista que cria e dança, do homem que se torna deus porque é todo ele amor e liberdade. É isto o algo mais. A divindade está em nós. Todos nós podemos ser deuses.

O DINHEIRO É DE TODOS E DE NINGUÉM


o dinheiro não é realmente de ninguém
é uma coisa que cai
para alguns
não faz sentido
dizer "o meu dinheiro!"
O dinheiro é de todos e de ninguém
afinal, agora
estamos todos dependentes
das operações da bolsa
das cotações que caem e que sobem
dos números e das percentagens
que quase ninguém entende
que não se sabe de onde vêm
são como a roleta no Casino
confesso que fico contente
(radiante mesmo)
quando as cotações caem
não percebo nada disso
mas fico feliz
o Casino cai
o capitalismo também
os senhores da SONAE e da EDP
não quero estar nas mãos
desses filhos da puta

o dinheiro é de todos e de ninguém
o dinheiro é de todos e de ninguém
o dinheiro é de todos e de ninguém...

Porto, Piolho, 18.6.2009

VIVA A MONARQUIA!


Deixei a aldeia. Vim até ao "Piolho". Logo temos a Poesia de Choque e eu tenho de estar bem. Estou a dar a forma de prosa ao que escrevo e a coisa resulta na mesma. Estes últimos poemas, de facto, poderiam vir em prosa. O que importa é que continuo a escrever. Mantenho o ritmo. Ainda não apareceu o Simões das "Putas" nem o Oliveira. Chegou agora o Do Vale de óculos escuros. Alta classe. Viva a monarquia! Até eu tenho ascendentes monárquicos e aristocráticos. Barões, viscondes, reis: D. João I. Agora reino sobre o "Piolho". O Do Vale parte e saúda-me. A parte de dentro está quase às moscas. Tenho de escrever um texto de homenagem aos 100 anos do "Piolho". Vou participar num debate em Setembro. Ao fundo, o actor estuda o texto. E eu continuo a escrever e a sentir-me bem. Oxalá o estado durasse para sempre. O meu estado, claro. O outro Estado quero que se foda! Falta aqui um bocado de garra. Em pensamento apalpo o cu às gajas. Os programas da tarde são cada vez mais imbecis. Enfim, lá me vão chamando para umas coisas. Vou saindo do anonimato para depois voltar. Os gajos da televisão tentam dizer coisas inteligentes mas são todos uns imbecis. Quase todos. A vida é bela. Viva a selecção e o Ronaldo e todos os imbecis que ganham milhões! GANHAM MILHÕES MAS NÃO PASSAM DE ESCRAVOS. Escravos das marcas, da publicidade, dos adeptos, da bolsa, da moda e dos dirigentes imbecis que os dirigem. PUTA DE VIDA IMBECIL QUE LEVAIS! Não que a minha seja grande coisa. Mas ao menos tenho trips e visões, apalpo Deus e o sublime quando escrevo e não sou escravo de coisa nenhuma. O actor foi lá fora e regressou. As vedetas riem na televisão. Riem-se delas próprias. Não é politicamente correcto dizê-lo mas às vezes desejo que chovam bombas. Não para matar gente, claro, mas para pregar uns sustos valentes. Que fujam todos, que entrem em pânico, a começar pelo Marco Paulo e pelo Tony Carreira. E o Baião, o Gabriel e a Tânia Ribas de Oliveira. Que fujam para longe. Que deixem o país!
Já não escrevo. As palavras vêm ter comigo. Perdi a namorada por causa de um poema que publiquei neste blogue. Já não controlo o que escrevo. Sou apenas o mediador, o intérprete. As namoradas não compreendem a minha arte, a minha loucura. A minha loucura é deixar-me ir, deixar-me levar, como um barco à deriva no meio do mar. Amo a minha loucura. Ofereco-lhe palácios, diamantes, todos os meus reinos. Nada se sobrepõe a ela. Amo-a desesperadamente, sem limites. Vou com ela até ao fim. Poucos, muito poucos me acompanham. Talvez por isso eu seja, por vezes, tão narcisista, tão centrado em mim próprio. Aqueles que admiro também o eram. Estou condenado à minha solidão, ao caminho que conduz a mim mesmo, como Zaratustra. Mesmo que esteja a banquetear-me com outros e com outras sei que tenho de seguir o meu caminho. Sigo apenas os meus mestres, aqueles que subiram ao palco antes de mim. O meu caminho nada tem a ver com a vidinha do cidadão comum, sei-o claramente agora. Estou a separar as àguas. O meu caminho é o caminho da loucura e da criação.

AOS 100 anos do Piolho

OS 100 ANOS DO "PIOLHO"



Comecei a frequentar o "Piolho" há cerca de 20 anos, era eu estudante de Sociologia na Faculdade de Letras. O "Piolho" sempre foi um espaço de debate aberto, de tertúlia. Tive aqui grandes discussões, discussões apaixonadas, inflamadas até aos berros. Os temas variavam: a política, a religião, o sexo, o futebol, a literatura. No "Piolho" pode-se discutir tudo, é um espaço de liberdade e ninguém olha para nós de lado se ficamos sós à mesa a ler ou a escrever. Escrevi vários poemas no "Piolho". Alguns perderam-se para sempre, outros ficaram registados em livro, outros aguardam publicação. O "Piolho" não é um café como os outros. Não é daqueles cafés onde simplesmente vamos tomar café ou beber uma cerveja. O "Piolho" tem uma História e muitas estórias para contar, tem uma tradição, tem vida. A vida passa-se no "Piolho". Da bandeja dos empregados ao decote das gajas. No "Piolho" bebe-se e apanham-se bebedeiras. Vive-se e escreve-se sobre a vida.

Não se vai ao café. Vai-se ao "Piolho". Neste momento estou à mesa do "Piolho" e bebo um fino. As gajas do lado conversam. Sou um poeta de café. Aqui sinto-me em casa.



António Pedro Ribeiro, "Piolho", 18.6.2009

A LOIRA


Já sou conhecido por estas bandas. Já sabem que por aqui eu tomo sempre café. Mas o que eu realmente queria era escrever poesia automática à boa maneira de Breton. O que eu queria realmente era engatar a loira que tenho à minha frente.
Prometi a mim próprio que ia escrever todos os dias. Prometi a mim próprio que iria escrever divinamente, que iria aparecer nos jornais e na televisão. Mas o que eu queria realmente era engatar a loira que tenho à minha frente.
No entanto, sei que a minha poesia não dá para ganhar prémios e dificilmente aparecerá na televisão. Estou condenado a ser o poeta maldito que, de vez em quando, escreve bem. Estou condenado ao "underground". Mas o que eu queria realmente era engatar a loira que tenho à minha frente.
As amigas falam comigo, dão-me conselhos, gostam de mim. As amigas preocupam-se comigo. As amigas não querem que eu acabe a mendigar. Mas o que eu queria realmente era engatar a loira que tenho à minha frente.
Já li muitos livros. Já conheci muita gente. Já tive visões. Já vi o céu e o inferno. Mas o que eu queria realmente era engatar a loira que tenho à minha frente.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

POESIA DE CHOQUE


Hoje, dia 18, às 21,30 h há POESIA DE CHOQUE no Clube Literário do Porto com António Pedro Ribeiro e Luís Carvalho. Os convidados musicais são Sara e Blandino. Vai ser a abrir!

COMEÇO A VER A LUZ


Sim, eu começo a ver a luz
mesmo que a sociedade seja o que é
mesmo que a humanidade
caminhe para o fracasso
eu começo a ver a luz
a regressar à infância
sou como as crianças
que brincam livres no parque
isto é uma espécie
de segundo nascimento
tudo volta a ser gratuito
sim, começo a ver a luz
até amo as gajas
que comem batatas à minha frente
e o gajo simpático
que me cobra o café e a cerveja
bem, quase tudo volta a ser gratuito
como no princípio
vou voltar a casa
abraçar a minha mãe
isto é mesmo uma espécie
de iluminação
já vi os infernos todos
agora estou a regressar
não me vou pôr a gritar
que vi Deus ou Jesus
mas começo a ver a luz
como o Lou Reed
e hoje limitei-me
a ir cortar as barbas
e a ir até ao café
já diziam de Rimbaud ou de Baudelaire
que iam do céu ao inferno
numa só tarde
é evidente que a simpatia
do barbeiro e do tasqueiro
também contribui
mas não explica tudo
saio daqui mais senhor
mesmo já sem barbas
já passou a raiva
do poema anterior
mesmo que este seja o café da burguesia
eu começo a ver a luz...

Telha, 17.6.2008

ESCRAVOS

Escravos uns dos outros
eis no que nos tornámos
aceitamos chefes, hierarquias
ditadores, tiranos
à custa do poder e do dinheiro
do capitalismo das bolsas
e dos mercados~
o nosso deus vomita
cotações e percentagens
e nós obedecemos
damos cabo da vida
destruimos tudo quanto é
puro e sagrado
o que somos quando nascemos
destruimos os bebés e as crianças
com a treta da competição e da obrigação
enfiamos-lhes o capitalismo
pela guela abaixo
na escola e na família
e depois na merda do trabalho
escravos uns dos outros
triste condição!
Trocamos a vida pelo dinheiro
pomos à venda a nossa inteligência
o nosso sangue, a nossa liberdade
que puta de sociedade criámos!

O HOMEM LIVRE


Fui ao barbeiro
cortei as barbas
mudei de cara
mas continuo
o mesmo gajo
escrevo, leio
e bebo copos
eis a minha vida~

Os outros têm
filhos, trabalho, dinheiro
uma vida estável
eu só tenho a minha raiva
e a minha loucura
não os invejo
não sou menos do que eles
apenas diferente
aliás, vejo-os embarcados numa viagem
que nada me diz
numa viagem que só conduz
ao tédio, à obediência, à obrigação
não foi essa a via que segui
é certo que gostava de ter
mais uns trocos no bolso
para beber mais uns copos
para comprar mais uns livros
apenas isso
não estou mal assim
há dias em que até tenho visões
em que toco os deuses
sem sair das redondezas de casa
e isso faz-me sentir bem
e isso faz-me sentir em cima
e isso ninguém me tira!
Não troco isso pela vossa vida
não troco isso pela vossa "felicidade"
sou um homem livre.

PREGAÇÃO


Vou na estrada e tenho visões
não saio de Vilar do Pinheiro
e tenho visões
até tive de comprar um caderno à pressa
porque este está a acabar
faço feliz o homem da papelaria
os meus melhores poemas
não são aqueles que recebem mais palmas
os meus melhores poemas
não são aqueles que falam de sexo e mamas e gajas
se bem que alguns possam referir-se a isso
os meus melhores poemas
são aqueles que tocam a coisa
que chegam a Deus
seja lá o que isso for
às vezes, como há bocado,
vou na rua e vem-me uma ideia
não me vou pôr no meio da rua a escrever
e daí até nem sei
o que eu sei é que para chegar ao céu
é preciso passar pelo inferno
os gatinhos mamam e isso é o céu deles
e, ás vezes, em poucos minutos
vivem-se milénios
para chegar ao céu
não preciso de sair de Vilar do Pinheiro
nem sequer do meu jardim
e é isto que te queria dizer
e é isto que importa dizer
e é isto a vida
nada mais
foi para isto que viemos ao mundo
quando nascemos
também viemos de graça
não temos de pagar a ponta de um corno
pela vida
e é isto que os gajos não querem
que se diga
e é isto que importa dizer agora
e nada mais tenho a dizer
acabou o discurso
acabou a pregação
mas o caderno ainda não.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O POETA


Não paro de escrever
é impressionante
parece uma droga ou uma doença
ou então é a luta contra o tédio
contra a própria morte
nem sei se isto são poemas
ou reflexões filosóficas
dou-lhe a forma de poemas
mas poderiam vir em prosa
já não estou com a raiva
de há bocado
já estou mais sereno
e entra o gajo que era tolo
e que se tornou muito atinado
também eu pareço atinado
ah, se elas soubessem!
Basta olhar para os títulos dos livros
estou a ler "Junky" de William Burroughs
estou a ler sobre o consumo de heroína
também tomo os meus medicamentos
as minhas drogas
e misturo isso com cerveja
depois o efeito são estas variações
ou passo o dia a dormir
ou ando todo speedado
não paro de escrever
às vezes os meus escritos
parecem-me brilhantes
outras nem por isso
são cinco da tarde
passam as notícias
o caderno está a chegar ao fim
espero que aguente até ao fim do dia
a monotonia dos discursos do Cavaco irrita-me
agora outros começam a dizer os meus textos
passam no Breyner, 85
cofio as barbas
alguns destes textos perdem-se
ficam fora dos livros
mas também é verdade que me repito
é inevitável com tanta produção
mas há realmente textos que não resultam
muito ditos em público
mais um dia- diz o gerente
e eu a começá-lo- eh!eh!
logo vou a Famalicão vomitar esta merda
os sítios onde me dou melhor
são o Pinguim e o Clube Literário
em Famalicão da última vez
não fui brilhante
e a droga prossegue
e eu deixo andar
nem preciso de cerveja
é uma coisa física
o cérebro solta-se
nunca fui um atleta
excepto talvez a dançar o rock
mas a agilidade do meu cérebro impressiona-me
escrevo ao ritmo do pensamento
é quase automático
se bem que seja racional
não saio da mesa
e a coisa flui
não sei como é que isto não é valorizado
isto também é trabalho
estou a desgastar-me
mas, ao mesmo tempo, a coisa puxa por mim
até me julgo genial
írmão dos deuses
mas não devo ser tão vaidoso
- diz a voz da ponderação
é o maquinismo da percepção a funcionar
até me sinto uma máquina
uma máquina, imagina tu, uma máquina
eu, uma máquina?
TEm piada
tanto falo do espírito
e agora julgo-me uma máquina
e prossigo o diálogo comigo mesmo
as outras pessoas existem
andam por aí
mas o que importa é o dialógo comigo mesmo
não é bem a coisa de ontem-
a divindade, o sublime
é algo de mais dinâmico, de mais assustador até
o génio poético
será isto o génio poético, caro Blake?
Mas não escrevo aqueles versos sublimes
só me sai esta prosa
ao sabor do pensamento
nunca mais sai
não me larga
até estou com medo
será a loucura?
Mas não dizes que amas a loucura?
É a loucura que nos faz divinos
loucos divinos
como Blake, como Morrison, como Curtis
passo as noites a ouvir Joy Division
estou-me a passar
mas é uma coisa interior
as palavras correm velozes
o ritmo agora é muito mais rápido
automático mesmo, sinto-o
e sem beber nada
nem uma gota de álcool
é impressionante
como no "Ébrio 29"
20 anos depois
o caderno a chegar ao fim
e eu a lutar com o poema
às vezes venço mas ele leva-me
estou na estrada da loucura
não tenho limites
estou na estrada da loucura
é impressionante
- tive de descer ao inferno
para chegar até aqui
estive no inferno
e agora estou aqui
Miller e Artaud têm razão
é impressionante
e um gajo preocupado com as eleições
e com o Sócrates e com o Bloco de Esquerda
que coisas pequenas, tão pequenas comparadas com isto
porra, tão pequena é a vossa vidinha
as vossas preocupaçõeszinhas
as vossas economias, as vossas missinhas
comparadas com isto
que estou a viver neste momento
que estou mesmo a viver
isto não são jogos de palavras
isto não é colocar a palavrinha no sítio certo
isto não é retórica
isto é a vida
a vida autêntica, plena
o cântico do poeta
calai-vos, ó imitadores!
Podeis meter os vossos versinhos
pelo cu acima!
Isto é o verbo, isto é o verso
estou a senti-lo
Porra, estou a senti-lo!
Ontem vi Deus mas hoje sou o Poeta!
Não tenho de estar com falsas modéstias
as horas serenas acabaram
Altura!
Os bardos e as bacantes dançam comigo
na confeitaria
os druidas regressam
depois partem
volto a ser o homem só que escreve
estive lá, estive lá!
Tenho a certeza
e Nietzsche e Morrison e Miller e Curtis e Rimbaud
todos eles acenam lá de cima.


Vilar do Pinheiro, 16.5.2009

DO AMOR


Contrariamente a ontem
hoje estou cheio de raiva
apetece-me cuspir poemas
provocar os direitinhos
insultá-los até
não me venham contar estórias
do amor ao próximo
e do menino Jesus
esta sociedade não presta
mesmo que me dês beijos
mesmo que receba aplausos
mesmo que saia em glória
estive muito tempo calado
é a minha vez de falar
há gente que não me interessa
homens pequenos, mulheres pequenas
esta sociedade não presta
criemos outra
comecemos tudo do zero
da Idade da Pedra
estou farto de ver quadrados,
banqueiros e chupistas
estou farto de ser governado
pelos mesmos imbecis
sempre a apelar ao voto
e a idolatrar o povo
na altura das eleições
estou farto dos imbecis
que votam nesses imbecis
eduquemos as crianças para a anarquia!
Mostremos-lhes as flores
demos-lhes a liberdade absoluta
falemos-lhes do amor
mas do amor puro
não desse "amor" que nos vendem
nos centros comerciais
não desse "amor" de compra e venda
em que para tudo
tens de sacar da nota
falemos-lhes antes do amor puro
que está nas florestas
do amor selvagem
sem controleiros e sem polícias
do amor autêntico
do amor que é a essência.

FRATERNIDADE


Mais um dia
mais um café
escrever é o meu ofício
e escrevo com o meu próprio sangue
acredito nas minhas palavras
acredito nas minhas palavras, ouviste?
Tenho convicções
não abdico delas
já tive as minhas desilusões políticas
já não tenho aquelas certezas
mas continuo a ter convicções
acredito no homem
acredito no homem enquanto criador
apesar de tudo
apesar da rapina e da competição
acredito também no amor
no amor que une a mãe à criança
no amor que não se paga
no amor livre e gratuito
no amor infinito
no amor
sim, no amor
apesar de estar com a raiva toda
falo do amor
o amor é uma espécie de divindade
o amor é um gajo esfarrapado,
como dizia Sócrates,
um gajo teso que caminha pela cidade
sem ter onde dormir
um gajo sábio sem eira nem beira
como o Jaime e como o Alba
o gajo que te dirige a palavra
e te quer
que apanha bebedeiras
e cospe poemas
como o Joaquim
que é terno sem deixar de ser narciso
que tira o som ao primeiro-ministro
que pergunta pela tua loucura
que te saúda na rua
que diz que a tua performance foi brilhante
é isso o amor
a fraternidade
o encontro dos criadores
e fica para sempre.

COM OS AGREDECIMENTOS AO RICARDO CONTRA

Ao Poeta das Gajas

Ao António Pedro Ribeiro!!!

A.P.Ribeiro,
moi o cérebro ao pessoal...
Milho na mó do moleiro...
Dá na cabeça,
ao artista,
ao banqueiro...

Caga no dinheiro,
queremos é gajas,
diz o poeta...

Engano...
As gajas é que sabem o que querem...
Querem o beijo do poeta e a carteira do banqueiro...
Ao contrário não é de certeza.

Bota e vira,
venha mais uma de cerveja!!!
E estás a financiar a revolução!!!

A.P.Ribeiro,
Estamos fodidos...
Não é com a força da caneta,
que mudamos o mundo inteiro...

O poeta é crente,
dá cabo da figadeira,
e fica todo comido da mente....

NIETZSCHE


Quanto mais nos elevamos, menores parecemos aos olhos daqueles que não sabem voar.

NIETZSCHE

Contra as Leis

A partir de hoje penduro ao pescoço
Com uma corda de crina o relógio que marca as horas;
A partir de hoje cessam o curso das estrelas
E do sol, e o canto do galo e a sombra;
E tudo aquilo que a hora nunca anunciou
Está agora mudo, surdo e cego:
Toda a natureza se cala para mim
Diante do tiquetaque da lei e da hora.

Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"

NIETZSCHE


Ó Minha Felicidade

Revejo os pombos de São Marcos:
A praça está silenciosa; ali se repousa a manhã.
Indolentemente envio os meus cantos para o seio da suave
frescura,
Como enxames de pombos para o azul
Depois torno a chamá-los
Para prender mais uma rima às suas penas.
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Calmo céu, céu azul-claro, céu de seda,
Planas, protector, sobre o edifício multicor
De que gosto, que digo eu?... Que receio, que invejo...
Como seria feliz bebendo-lhe a alma!
Alguma vez lha devolveria?
Não, não falemos disso, ó maravilha dos olhos!
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Severa torre, que impulso leonino
Te levantou ali, triunfante e sem custo!
Dominas a praça com o som profundo dos teus sinos...
Serias, em francês, o seu «accent aigu»!
Se, como tu, eu ficasse aqui,
Saberia a seda que me prende...
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Afasta-te, música. Deixa primeiro as sombras engrossar
E crescer até à noite escura e tépida.
É ainda muito cedo para ti, os teus arabescos de ouro
Ainda não cintilam no seu esplendor de rosa;
Resta ainda muito dia,
Muito dia para os poetas, fantasmas e solitários.
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Friedrich Nietzsche, in "A Gaia Ciência"

terça-feira, 16 de junho de 2009

O SUBLIME-2


Alguns interrogar-se-ão porque é que
os meus últimos escritos
nada tem a ver com raiva ou sexo
a verdade é que nos últimos tempos
encontrei um fio condutor
uma maneira prosaica de escrever
poeticamente

não há dúvida que hoje foi um dia
daqueles de mão cheia
e limitei-me a ir a dois cafés
e a gastar 1,15 euros
de resto, só falei com a minha mãe
encontrei a paz e a serenidade
da criança sábia
ultrapassei a fase do leão
daí a ausência da raiva
daí a ausência do sexo
bem sei que este estado não é eterno
a noite cai
a luz começa a faltar
e eu sentado no banco da mesa do jardim
este foi o dia em que toquei o sublime.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

MISSÃO


Ás vezes esqueço-me que tenho jardim e quintal
e árvores e frutos e flores e gatos e cão e pássaros
não dou importância à riqueza que tenho
depois de ter lido quase Nietzsche todo
dedico-me agora a Henry Miller
não há dúvida que são dois autores
que nos aproximam do sublime
ao mesmo tempo que nos alertam
para o mundo cão dos burgueses
e até dos proletários
Nietzsche fala na morte de Deus
no super-homem
Miller fala do deus em nós
e assim me sinto pleno e culto
à menina que vai anoitecendo
e os sinos batem lá longe na igreja

não há dúvida que hoje não preciso
de fazer mais nada
já cumpri a minha tarefa
a tarefa do poeta é escrever e observar o mundo
os pássaros cantam
e até os gritos das vizinhas deixam de me incomodar
foi esta a vida que escolhi
não tenho de voltar ao jornal e ao trabalho
é esta a minha missão.

SÍNTESE


Não me digas que esta tarde vai ser daquelas
em que produzo poema atrás de poema
os meus livros na Feira do Livro-
quase ninguém os compra
mas eu continuo a escrever
sei que vou ter leitores
sou uma espécie de fábrica da poesia
produzo poemas em doses industriais
isto sem cair na poesia "fast-food"
deveria ganhar a vida com isto
mas o que é isso, ganhar a vida?
A vida está ganha
hoje estou a ganhar a vida
a vida vem ter comigo
a vida vem no poema
hoje todos os mestres estão em mim
todos os livros que li,
todas as experiências por que passei
estão em mim
hoje faço a síntese
volto a fazer a síntese
sou um poeta
é isso que sou
profissão: poeta
não tenho de ter problemas em dizê-lo
nasci para isto
vivo como poeta
amo como poeta
bebo como poeta
não tenho que ser funcionário ou empregado
de coisa nenhuma
esta é a minha vida
e hoje está a ser um dia triunfal
escrevo em triunfo
amo o papel e a caneta
depois passo para o blogue
mas quase sempre há o papel e a caneta
há esta relação mágica
é isto a criação:
a mão, o papel e a caneta
e isto ninguém me tira
e a rádio até passa os Clash
"Police on my Back"
nem de propósito
a liberdade contra os polícias
o grito da liberdade
a liberdade da criação.

Vilar do Pinheiro, "Motina", 15.6.2009

EM PAZ


Parece que a pastilha fez efeito
hoje sinto-me um homem novo
acredito no divino que está no homem
não em todos os homens, claro
há homens pequenos, já dizia Nietzsche
a pastilha acordou o divino
já vejo o mundo com outros olhos
bem sei que ele está cheio de rapina e sofrimento
mas não deixo de sentir a ternura
aquela ternura que sinto por ti
aquela ternura do tamanho do mundo
aquela ternura que vence o tédio
há pessoas que levam uma vida absolutamente previsível
não é o meu caso
tenho dias de tédio, claro,
mas também tenho tardes em que a divindade
se senta comigo na confeitaria
e para tal só preciso de papel, caneta
e 55 cêntimos para o café
mais nada, absolutamente mais nada
estou em paz
a música bate suave
e até me apetece beijar a empregada
há instantes como este
instantes eternos
em que vivemos 1000 anos em poucos segundos
em que agradecemos aos livros e aos poetas
e a algumas pessoas
não somos mais do que os outros
somos apenas diferentes
pertencemos a outra tribo
até parece que o cérebro trabalha mais depressa

amamos a loucura
não temos de andar sempre a exteriorizá-la
mas podemos agarrá-la
é isso que nos distingue
não temos medo dela
mas agora estou em paz
não preciso de subir ao palco
observo o espectáculo do mundo
os carros passam cheios de pressa
e eu aqui na minha
não tenho pressa nenhuma
não tenho de cumprir horários
nem tarefas
limito-me a estar aqui
a escrever, a observar, a ouvir a música
sinto-me uma espécie de rei
reino sobre estas terras
nem preciso de dar ordens
nem de impôr coisa nenhuma
basto-me a mim próprio
cheguei onde quero chegar
já ao acordar senti alguma coisa diferente
de madrugada fui ao computador
clamar por uma pastilha que me curasse
e cá estou, de novo, em cima
de novo em paz
o divino está no homem
só pode estar no homem.


Vilar do Pinheiro, "Motina", 15.6.2009

A DIVINDADE


A genialidade de Henry Miller
a procura da divindade no homem
eis a busca autêntica do Graal
não me venham falar do trabalho
nem da vidinha do tédio
para isso também eu vim ao mundo,
caro Henry Miller,
a busca da divindade
daquilo que é verdadeiramente humano
a dádiva, a partilha
Quixote Zaratustra
o céu na Terra
a nossos pés
sem controleiros
nem polícias
"a liberdade cor de homem"
nunca mais a derrota
nunca mais a depressão
só o sublime
só o divino
aquilo em que acredito
aquilo que me faz caminhar
aquilo que verdadeiramente sou.

A DEPRESSÃO


E ela vem
volta sempre
a depressão
ainda há dias
estava próximo
da euforia
e ela vem
volta sempre
a depressão
é difícil
o contacto
com as pessoas
valham-me os livros
o namoro
sou eu que estou certo
não é o mundo
mas ela vem
volta sempre
a depressão
mesmo que me excites
que te sentes no meu colo
que me beijes loucamente
ela vem
volta sempre
a depressão.


Porto, 14.6.2009

A PASTILHA


Quero uma pastilha que me ponha bom
que dê a volta à depressão
que me faça pular e dançar
e me faça voltar à rebelião

quero uma pastilha que me ponha bom
que dê a volta à depressão
o mundo lá fora enche-me de tédio
parece não ter remédio
mas eu não tenho de carregar essa cruz

quero uma pastilha que me ponha bom
que me traga, de novo, a luz
que me faça erguer a taça
não tenho de cair em desgraça
não tenho de carregar a cruz

sexta-feira, 12 de junho de 2009

VERDADEIRAMENTE PURO


Há livros, escritores, poetas que nos dão a volta à cabeça,
que nos abrem a cabeça
Henry Miller é um deles
as suas reflexões acerca da Humanidade, da civilização
engrandecem-me, fazem-me crescer
existe algo de puro, de divino no Homem
que a civilização tem tentado destruir,
que quase destruiu
mas que permanece vivo em alguns homens,
em alguns poetas
eu sinto-o: é o Uno Primordial
está vivo em mim
para lá de toda a mesquinhice, de toda a cretinice,
de toda a canalhice,
de toda a usura, de toda a competição
existe algo de puro,
a descoberta de nós mesmos
o experimento permanente
algo que nos eleva até aos céus
que faz de nós "caminheiros dos céus"
algo que o teu dinheiro
que todo o dinheiro do mundo
não compra
sabe, D. Rosa,
eu não acredito em comunhões nem em missas
mas acho, tenho a certeza
que o homem foi talhado para algo de superior
que esta merda não pode ser só comer e beber
nem andar atrás do trabalho e do dinheiro
sabe, D. Rosa,
eu acredito na criação
e só de dizê-lo, e só de escrevê-lo
me sinto em paz comigo próprio
me sinto alguém melhor
verdadeiramente capaz de passar a mensagem
alguém verdadeiramente puro
verdadeiramente sem limites.

Vilar do pinheiro, "Motina", 11.6.2009
Vêm mulheres
mas não vêm para mim.

PIOLHO


Tenho de escrever no "Piolho"
porque me prometeram publicar
um livro de poemas sobre o "Piolho"
venho cá há mais de 20 anos
já passei muita coisa aqui no "Piolho"
conversas, tertúlias, namoros
dias solitários
frente à folha de papel
ou a ler
no fundo, o que eu queria
era que certas meninas
viessem falar comigo:
"Gosto do que tu escreves..."
e etc e tal
é aquilo que eu escrevo
e não o que digo ou insinuo
que pode ficar para a História
o "Piolho" não é um café qualquer
aqui há vida, aqui há História
aqui as pessoas não vêm tratar
da vidinha
nem da vida do vizinho
nem do Rendimento Mínimo
aqui há uma certa elevação
aqui há liberdade
aqui pode-se falar de tudo
desde as coxas da gaja do lado
até à revolução mundial
aqui pode-se falar de Henry Miller,
Nietzsche ou Breton
sem que nos olhem de soslaio
aqui um gajo pode ser ele próprio
e pode ler e escrever
sem ser considerado um OVNI
aqui respira-se a cidade
aqui um gajo sente-se
cidadão do mundo
mesmo que esteja só
não se sente só
vai pedindo mais cerveja
enquanto houver cerveja
há humanidade
enquanto houver cerveja
os deuses estão do meu lado
enquanto houver cerveja
continuarei a escrever
e viva o "Piolho"!


Piolho, 10.6.2009

CEUTA

Regresso ao "Ceuta". Este café é fadado para o poeta solitário. Uns velhotes a ler o jornal, uns jovens agarrados ao computador. Enfim. Um paraíso! Daqui a bocado vou ver o Amaral e o Costa à Feira do Livro. Já lá passei mas não tenho dinheiro para comprar mais livros. Este é um belo café para ler e escrever e estar sozinho.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

HENRY MILLER

Se pudéssemos fazer todos greve e, sinceramente, negar todo e qualquer interesse naquilo que o nosso vizinho está a fazer, poderíamos conseguir novas esperanças. Poderíamos aprender a passar sem telefones, rádios e jornais, sem máquinas de qualquer espécie, sem fábricas, sem minas, sem explosivos, sem navios de guerra, sem políticos, sem davogados, sem produtos enlatados nem engenhocas, até mesmo sem lâminas de barbear, ou celofane, ou cigarros, ou dinheiro.

(Henry Miller, "O Colosso de Maroussi")

MEU BOM HENRY MILLER


Miller, meu bom Henry Miller,
estava eu quase na merda
e trouxeste-me o sublime
as tuas palavras são o desprendimento
o céu na Terra
a que temos direito
qualquer coisa de mágico
que me faz acreditar no Homem
o homem sem obrigações nem rotinas
o homem livre
em paz consigo mesmo

Miller, meu bom Henry Miller,
a tua leitura cura-me
cada página tua é uma bênção
que me põe em cima
e me faz acreditar

Miller, meu bom Henry Miller,
um mundo sem televisões nem jornais
um mundo sem dinheiro e sem políticos
um mundo sem mercado e sem multinacionais
o mundo em que acredito
em que me fazes acreditar
não é uma fantasia
está aqui à minha frente
e eu acredito
acredito em ti, meu bom Henry Miller,
os teus livros fazem-me crescer
e enfrentar a vidinha
que me querem vender
os teus livros fazem de mim
um homem melhor
um homem mais puro
um homem que acredita nele próprio
e na transformação do mundo.
o homem que se dá com toda a gente
permanece lá dentro
não gosto dessa gente
que está de bem com Deus e com o Diabo
que tem sempre a piada a propósito
e que inventa teorias
não gosto dessa gente
mesmo que esteja em estado de euforia
mesmo que esteja próximo da glória e do sublime
nada tenho a ver com essa gente.

sábado, 6 de junho de 2009

PARTILHA


De há uns tempos para cá
há uns gajos que vêm ter comigo
que me elogiam
que me oferecem coisas
às vezes um gajo sente-se tão só
tão encerrado nas suas ideias
tão absorto na sua criação
que não se apercebe que vai
espalhando obra pelos tascos
que os seus escritos e ditos
vão deixando rasto
vão percorrendo o seu caminho
rumo à posteridade
e há aqueles gestos límpidos
fraternos integrais
essa partilha sincera
que está muito para lá
da compra e venda.
Estou no bar, bebo e escrevo. Há anos que a situação se repete. Mas não tenho escrito nos bares. As gajas da mesa da frente falam. O bar começa a noite. Pelo menos aqui não tenho de aturar os chatos do costume. Escrevo. Ponto final. EScrevo sem objectivos. Sem pensar em livros nem em noites no Púcaros. Escrevo. A caneta vai avançando. Há malta que entra. As gajas da frente saem. Deixam as chávenas vazias. Sou o gajo só que escreve. A diferença é que já deixei obra. Apetece-me uma gaja. Uma gaja que venha sem eu a conhecer de lado nenhum. Uma gaja doida, passada que venha beber uns copos comigo. Que se esteja a cagar para o facto de eu não ter dinheiro nem trabalho. Que me venha amar ao inferno. QUe venha entre copos e noitadas. Que venha venha ao sabor da música. Que venha dentro da cerveja. Que venha até ao fim. Que venha absolutamente divina. Que venha na passerelle. Que venha no "Deslize". Que venha a deslizar. Que venha para ficar. Sou o poeta que escreve e tem horas para o metro. Sou o poeta que escreve e que tem dúvidas se vai ficar. Sou o poeta que se mete na retrete. Sou o poeta que saúda o Jesualdo. Sou o poeta à frente do cassetete. Sou o poeta Tebaldo. A minha escrita está doente. A minha escrita monta o cavalo e a Maria. A minha escrita vem-se na sacristia. Sou o bêbado que berra e canta na rua. Sou o ser que incomoda o vizinho. Sou o gajo que sobe ao palco e diz blasfémias. Sou o gajo que come a Ifigénia. Sou o mestre que queres conhecer. SOu o gajo que vai desaparecer. Sou a rebeldia que se mistura com os jovens. Sou o vampiro que te chupa o sangue. Sou o gajo que transforma a rotina num acontecimento. Sou o animal que destrói o teu casamento. Sou o monstro que vagueia pela cidade. Sou a tua identidade. Sou o gajo que está ao balcão. Sou o teu irmão. Sou o gajo que olha para as gajas. Sou o gajo que saca a canção.

Posted by apedroribeiro at 2:04 PM 1 comments

Sunday, December 21, 2008

Teoricamente 5000 pessoas podem ler os meus escritos. A revista "Um Café" publicou o meu texto "Poetas de Café" e traz uma prosa com referências ao meu livro "Saloon" e às minhas idas ao "Púcaros". Já era suficiente para me sentir nas nuvens. Só que as gajas não aparecem. As gajas não aparecem e eu estou só no "Piolho" a escrever numa sexta á noite. O argumento para o hipotético filme rola. A cerveja também.

CRIAÇÃO E CASTRAÇÃO


CRIAÇÃO E CASTRAÇÃO

“Por poetas entendo aqui todos os que habitam nas regiões do espírito e da imaginação. É sua missão seduzir-nos, tornar intolerável este limitado mundo que nos aprisiona”, escreveu Henry Miller em “O Tempo dos Assassinos”. Os poetas, os grandes poetas são magos, emissários de um outro mundo, são “caminheiros do céu” que nos falam de coisas que hão-de vir e de coisas há muito passadas.

“O que pertence ao domínio do espírito, do eterno, escapa a toda e qualquer explicação. A linguagem do poeta corre paralelamente à voz interior quando esta se aproxima da infinitude do espírito”, prossegue Miller. Os poetas vêm do Uno Primordial de Nietzsche e de Dionisos, daquela idade áurea perdida em que a vida era, nas palavras de Arthur Rimbaud, “um banquete em que todos os corações se abriam e em que todos os vinhos corriam”. E continua o poeta das “Iluminações”: “Vamos fazer o Natal sobre a Terra…agora, já, estão-me a ouvir? Não queremos esperar por caramelos no céu!”, o que remete para o grito de Jim Morrison : “We Want The World And We WAnt it…Now!” (“When The Music’s Over”).

Criar é uma festa mas pressupõe a descida aos infernos. “Aprendi a minha profissão no inferno”, confessou Léo Ferré. “A estrada que conduz ao Céu passa pelo Inferno”, acrescenta Henry Miller. Mas não há alegria comparável à do criador, do poeta, porque a criação não tem outra finalidade para lá de si própria. E esse poeta é um criador, um xamã, um feiticeiro ébrio que canta, dança e ri, que faz da arte uma festa e que torna absurda a sociedade capitalista e castradora.

Posted by apedroribeiro at 12:57 PM 0 comments

Tuesday, December 9, 2008

ENGRAVATADOS

Três engravatados arrastam três gajas bonitas para o café. Estou a ver que é preciso andar engravatado para arrastar gajas bonitas. Nada me move contra os engravatados. Não se deve avaliar as pessoas pela gravata. Simplesmente, não gosto que me imponham regras de conduta.