quarta-feira, 17 de junho de 2009

O POETA


Não paro de escrever
é impressionante
parece uma droga ou uma doença
ou então é a luta contra o tédio
contra a própria morte
nem sei se isto são poemas
ou reflexões filosóficas
dou-lhe a forma de poemas
mas poderiam vir em prosa
já não estou com a raiva
de há bocado
já estou mais sereno
e entra o gajo que era tolo
e que se tornou muito atinado
também eu pareço atinado
ah, se elas soubessem!
Basta olhar para os títulos dos livros
estou a ler "Junky" de William Burroughs
estou a ler sobre o consumo de heroína
também tomo os meus medicamentos
as minhas drogas
e misturo isso com cerveja
depois o efeito são estas variações
ou passo o dia a dormir
ou ando todo speedado
não paro de escrever
às vezes os meus escritos
parecem-me brilhantes
outras nem por isso
são cinco da tarde
passam as notícias
o caderno está a chegar ao fim
espero que aguente até ao fim do dia
a monotonia dos discursos do Cavaco irrita-me
agora outros começam a dizer os meus textos
passam no Breyner, 85
cofio as barbas
alguns destes textos perdem-se
ficam fora dos livros
mas também é verdade que me repito
é inevitável com tanta produção
mas há realmente textos que não resultam
muito ditos em público
mais um dia- diz o gerente
e eu a começá-lo- eh!eh!
logo vou a Famalicão vomitar esta merda
os sítios onde me dou melhor
são o Pinguim e o Clube Literário
em Famalicão da última vez
não fui brilhante
e a droga prossegue
e eu deixo andar
nem preciso de cerveja
é uma coisa física
o cérebro solta-se
nunca fui um atleta
excepto talvez a dançar o rock
mas a agilidade do meu cérebro impressiona-me
escrevo ao ritmo do pensamento
é quase automático
se bem que seja racional
não saio da mesa
e a coisa flui
não sei como é que isto não é valorizado
isto também é trabalho
estou a desgastar-me
mas, ao mesmo tempo, a coisa puxa por mim
até me julgo genial
írmão dos deuses
mas não devo ser tão vaidoso
- diz a voz da ponderação
é o maquinismo da percepção a funcionar
até me sinto uma máquina
uma máquina, imagina tu, uma máquina
eu, uma máquina?
TEm piada
tanto falo do espírito
e agora julgo-me uma máquina
e prossigo o diálogo comigo mesmo
as outras pessoas existem
andam por aí
mas o que importa é o dialógo comigo mesmo
não é bem a coisa de ontem-
a divindade, o sublime
é algo de mais dinâmico, de mais assustador até
o génio poético
será isto o génio poético, caro Blake?
Mas não escrevo aqueles versos sublimes
só me sai esta prosa
ao sabor do pensamento
nunca mais sai
não me larga
até estou com medo
será a loucura?
Mas não dizes que amas a loucura?
É a loucura que nos faz divinos
loucos divinos
como Blake, como Morrison, como Curtis
passo as noites a ouvir Joy Division
estou-me a passar
mas é uma coisa interior
as palavras correm velozes
o ritmo agora é muito mais rápido
automático mesmo, sinto-o
e sem beber nada
nem uma gota de álcool
é impressionante
como no "Ébrio 29"
20 anos depois
o caderno a chegar ao fim
e eu a lutar com o poema
às vezes venço mas ele leva-me
estou na estrada da loucura
não tenho limites
estou na estrada da loucura
é impressionante
- tive de descer ao inferno
para chegar até aqui
estive no inferno
e agora estou aqui
Miller e Artaud têm razão
é impressionante
e um gajo preocupado com as eleições
e com o Sócrates e com o Bloco de Esquerda
que coisas pequenas, tão pequenas comparadas com isto
porra, tão pequena é a vossa vidinha
as vossas preocupaçõeszinhas
as vossas economias, as vossas missinhas
comparadas com isto
que estou a viver neste momento
que estou mesmo a viver
isto não são jogos de palavras
isto não é colocar a palavrinha no sítio certo
isto não é retórica
isto é a vida
a vida autêntica, plena
o cântico do poeta
calai-vos, ó imitadores!
Podeis meter os vossos versinhos
pelo cu acima!
Isto é o verbo, isto é o verso
estou a senti-lo
Porra, estou a senti-lo!
Ontem vi Deus mas hoje sou o Poeta!
Não tenho de estar com falsas modéstias
as horas serenas acabaram
Altura!
Os bardos e as bacantes dançam comigo
na confeitaria
os druidas regressam
depois partem
volto a ser o homem só que escreve
estive lá, estive lá!
Tenho a certeza
e Nietzsche e Morrison e Miller e Curtis e Rimbaud
todos eles acenam lá de cima.


Vilar do Pinheiro, 16.5.2009

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