domingo, 28 de junho de 2009

HENRI MICHAUX

«Desde o início deste Congresso numerosas recomendações foram dirigidas ao escritor: debruçar-se sobre os problemas sociais, meditar nas repercussões da sua palavra, pesar as suas responsabilidades, sem falar de outras exortações que as mais das vezes podemos encontrar nos sermões.
Esta forma de conceber o homem e o artista dentro do homem como perfeitamente conscientes um do outro e associados, ou o segundo comandado pelo primeiro, se é muito natural tratando-se de jornalistas ou ensaístas, já o é menos tratando-se de criadores e só com muita dificuldade é aplicável aos poetas.
O poeta não é uma excelente pessoa que prepara a seu grado cozinhados perfeitos para o género humano.
O poeta não é uma pessoa que medita nessa preparação, que a segue com atenção e rigor para em seguida entregar ao consumo o produto acabado, com vista ao maior bem-estar de todos.
O poeta não se entrega a essa operação e, mesmo que o quisesse, seriam magros os resultados. A boa poesia é rara em regime de patronato, tal como nas salas de reuniões políticas.
(…)
Mas um poeta (nasceu hoje um, talvez) subverterá sem dúvida esta nova poesia. Tanto melhor.
Porque a verdadeira Poesia faz-se contra a Poesia da época precedente, não certamente por ódio, embora por vezes ingenuamente dê essa aparência, mas por que é chamada a mostrar a sua dupla tendência, que é em primeiro lugar trazer o fogo, o impulso novo, a nova tomada da consciência da época, e em segundo lugar libertar o homem de uma atmosfera envelhecida, gasta, viciada.
O papel do poeta consiste em ser o primeiro a senti-la, a descobrir uma janela para abrir ou, mais exactamente, em abrir um abcesso do subconsciente.
Foi talvez nesse sentido que se disse: “O poeta é um grande médico”, como aliás o cómico. Assim ele manifesta a sua segunda tendência, que chamei exorcizante. Faz desaparecer a sedução da época precedente, da sua literatura e, em parte, também da época presente. Essas duas tendências conjugam-se, de resto, numa só força em direcção ao futuro.
Vemos que no início o poeta está sozinho, parte sozinho à descoberta. A sua verdadeira acção social vem mais tarde, quando a humanidade quase sem ele querer o incorpora.
Esta incorporação faz-se de forma tão natural que muitas vezes imaginamos retrospectivamente, com algum simplismo, que o poeta deu o tom à época precedente.
Assim se torna eternamente actual o poeta que teve a coragem de não o ser demasiado cedo.»

[Henri Michaux, Nós Dois Ainda; tradução e apresentação de Rui Caeiro, Bonecos Rebeldes, Lisboa, 2009 (2.ª edição);
a 1.ª edição é da & etc, 1988]

Selecção de Jorge Fallorca, algures

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