sábado, 24 de setembro de 2011

O MANIFESTO, OS UTÓPICOS E OS VERDADEIROS


O MANIFESTO, OS UTÓPICOS E OS VERDADEIROS

A função do dinheiro é a alienação da essência humana, diziam os socialistas alemães do séc. XVIII. Os mesmos afirmavam que, em vez de defendermos os interesses do proletariado, deveríamos defender os interesses da essência humana, do homem que não pertence a nenhuma classe. Já os socialistas utópicos (Saint-Simon, Fourier, Owen) defendem o fim do lucro e do trabalho assalariado. É aí que me situo depois de reler o “Manifesto do Partido Comunista”. Tenho reservas em relação a Marx e a Engels, se bem que estes afirmem que “a burguesia afogou o sagrado êxtase do fervor religioso, o entusiasmo cavalheiresco e o sentimento pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta”, que “rasgou (…) as relações familiares e reduziu-as a simples relações de dinheiro” e que “converteu o médico, o jurista, o padre, o poeta, o sábio em assalariados ao seu serviço”. Dizem ainda que “estes operários (agora muito mais escravos), obrigados a vender-se dia-a-dia, são uma mercadoria, um artigo de comércio como qualquer outro, sujeito a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as flutuações do mercado”. Já então como agora. Os autores do “Manifesto” acrescentam também que “a burguesia já não é capaz de reinar porque não pode assegurar ao escravo a existência”. Para os nossos senhores, acrescentamos nós, e para os escribas ao seu serviço, a liberdade resume-se à liberdade de compra e venda. O que vai de encontro à nossa “tese” do homem assassinado.

A NOVA ESPÉCIE


Austeridade. Sacrifícios. Eis o que esses pregadores da morte domésticos, europeus e mundiais exigem. Não têm o mínimo de elevação esses macacos, esses paus-mandados da grande finança e do mercado. Mas a culpa também é daqueles que votam neles e que os deixam chegar onde eles chegaram. A culpa é do homem que se deixa embrutecer a troco de umas migalhas. A culpa é daqueles que se deixam permanecer na caverna e que não procuram ou que deixaram de procurar a luz por desânimo ou desalento. A culpa é daqueles que perderam a curiosidade e deixaram de buscar o conhecimento. Porque só o conhecimento de si mesmo e do mundo permitirá ao homem desafiar as máquinas de propaganda do capitalismo dos mercados. O mesmo homem, que tal como Prometeu roubou o fogo aos deuses, esse homem é capaz de se rir na cara dos macacos dos mercados. Porque esse homem é vontade, reage aos mecanismos da castração do desejo, é, ele mesmo, o criador, o artista. Não pode mais ficar exposto às drogas impostas. Vive na e pela liberdade. Será capaz de derrubar o capitalismo dos mercados e a verborreia dos negócios. Será capaz de erguer um novo homem sobre a terra. Porque é ele o homem do início, do amor, da descoberta. E não pode mais suportar a escravatura. Falha, é deastrado em algumas tarefas, mas não aceita ser mais silenciado pelos imbecis do lucro e da finança, mas não aceita mais o mundo reduzido à economia, mas não aceita mais o absurdo de uma existência sem sentido. Companheiros, companheiras, a revolução estã nas vossas cabeças. Matai o que eles vos impingem todos os dias. Respondei à morte com a alegria. Celebrai. Gozai na cara desses macacos, brincai como as crianças, como loucos, cantai, exuberantes, o novo dia. Não sois mais deles. Não jogais mais o jogo deles. Sois a nova espécie. Sois o novo dia.

A ARTE DE VIVER


A arte de viver, eis o essencial. Neste momento, não posso viver plenamente porque o olho esquerdo está vermelho e não o posso forçar. De qualquer modo, ainda posso expressar as minhas ideias e trocar impressões com os empregados do "Guarda-Sol". Expressar ideias, cultivar-se e trocar opiniões, eis três aspectos fundamentais da arte de viver. Não é apenas o activismo, é o facto de estar à mesa, beber um copo e trocar impressões. Ouvir os outros que mostram preocupação pela evolução catastrófica da sociedade, eis outro aspecto a ter em conta. Mas estaria sem dúvida melhor se pudesse ler à vontade a "Carta a Louis Pauwels sobre as Pessoas Inquietas..." de Paul Sérant. Porque também estou inquieto. Porque sou um homem que se preocupa com a sua felicidade e com a dos outros. Mas o mundo de hoje afasta a felicidade dos homens, da esmagadora maioria dos homens. Uns porque, como diz Nietzsche, apenas se dedicam à sobrevivência e ao sustento, outros porque são exigentes mas todos os dias são atacados pela máquina de propaganda capitalista. É difícil assim conduzir a arte de viver, a menos que nos tornemos loucos. Recomendo ainda assim o máximo de folia com amigos e amigas, o filosofar espontâneo, a convivência com os mestres e com aqueles que nos ensinam alguma coisa. Se o conseguirmos, já estaremos a desafiar a máquina de propaganda e a ditadura dos mercados e da linguagem da economia.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O INÍCIO DO MUNDO


O INÍCIO DO MUNDO


Pensar todo o pensável. Exercitar o pensamento. Poderia passar a vida a pensar. Mas depois há o amor, a liberdade. Acabo por não me fechar totalmente no meu pensamento. Lanço pontes para o mundo. Tenho necessidade de comunicar. Poderia passar os dias aqui em Braga com a Gotucha e dedicar-me ao livro. Ao livro que já está, em parte, em “Nietzsche, Jim Morrison, Henry... Miller…” mas que importa continuar a construir. Ao livro que pretende construir o homem. O homem que, apesar das suas fragilidades, se eleva e se enobrece no café. O homem que aspira a ser santo. Que vê o mundo com novos olhos. Cujo pensamento se liberta. Que ainda é o poeta beat mas que dele se afasta. Sou feliz aqui em Braga. Posso dizê-lo. Não sinto isto em mais nenhum lugar. Espero a Gotucha. Ela dá-me o amor. Já não estou deprimido. Estou curado, ouço a voz do meu pai. Não te inquietes mais com o que tens de comer ou de beber. Segue a via. Continua na via que tens seguido e vai-te aperfeiçoando. Lê os mestres. Segue a via que conduz a si mesmo. Áquele que eras quando nasceste. Afasta-te da publicidade e da propaganda. Sê puro cada dia. Não ouças a voz da populaça. Bem sabemos que ainda ligas às glórias do mundo. Bem sabemos que amas o aplauso. Todavia, há em ti a sede de infinito. Há em ti o desejo de ser único. O desejo de beber o cálice sagrado, de o partilhares com as eleitas. Há em ti a vida abundante, a vida pela vida, fora do mercado, mesmo que aparentemente sejas apenas o homem à mesa. Vibras, explodes no acto da criação. Há espíritos que dançam em ti, ó poeta. Não, no fundo, nunca te deixaste enganar pelo ecrã. Não precisas de mediadores, tens-te a ti e à Gotucha. Tens um mundo dentro de ti. Estás inundado de vida plena. Hoje, 10 de Setembro, às 4:20 da tarde, no “Doce Convívio”. Compreendes a linguagem das crianças. Falas a linguagem do início do mundo. Tantas vezes não a conseguiste expressar, tantas vezes tropeçaste nas palavras e agora estás aqui com o olhar inaugural. Cedeste por vezes mas não caíste. Chegaste aqui. Estás no Uno. És único. Agarras a liberdade absoluta. Nada tens a ver, de facto, com os poetas menores. Conheceste-os, ouviste-os, mas não és deles. Nunca deste grande importância às flores mas agora começas a ama-las. És, de facto, o poeta. Aquele que vive a obra. Que não passa a vida a pensar na próxima refeição. Aquele que esquece as horas e está com a que esquece as horas. Aquele que toma café despreocupadamente porque está no início do mundo. Aquele que já não tem constrangimentos. Que pode ser aquele que realmente é, sem máscaras. Que tem o universo à sua mesa.

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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O POETA E AS AMIGAS


O poeta arde
mas as amigas não vêm
arde dentro de si mesmo
alimenta-se
dos seus abismos
nasce de novo
mas as amigas não vêm
está triste
queria brincar com elas
dizer-lhes
o que lhe tendo vindo
à mente
nos últimos dias
em que lhe apetece
gritar na rua
soltar gargalhadas sarcásticas
insultar o homem comum
mas as amigas não vêm
por isso o poeta está ferido
a raiva cresce
olha o mundo com desprezo
com o grande desprezo
com o pior dos desprezos
não suporta a televisão
escreve
como quem espeta facas
olha o relógio
as amigas não vêm
o poeta arde
pede mais cerveja
se tivesse dinheiro
beberia até cair
até rebentar com o mundo
revolucionário alucinado
parte montras
incendeia bancos
agora resta-lhe o Do Vale
e a cerveja
ouve falar russo
se estivesse em baixo
não aguentaria
assim arde
ouve o Do Vale
está quase a rebentar
as amigas não vêm
põe-no doido
fora de si
o poeta arde
está farto do tédio
da monotonia
as horas passam
antes estar aqui
do que na aldeia
o poeta arde
abandona a razão
segue a estrada da luz
está farto
não pode mais
as amigas não vêm
não suporta mais
a imbecilidade
"mostra-me o extermínio
dos relógios e dos televisores"
escreveu
quando ainda
era um rapaz inocente
agora escreve
para suportar
a falta das amigas
deixou de ter horários
brinda ao caos
a época é-lhe propícia-
dizem no facebook
é uma espécie de profeta
vai voltar a cantar
escreve ao ritmo da vida
da verdadeira vida
é essa que quer apanhar
mas faltam-lhe as amigas
aparecem outras
não é capaz de falar-lhes
só no Pinguim
e nos outros palcos
é louco
cada vez mais louco
as palavras saem
das tripas
nunca mais será
um poeta menor.


Piolho, 22.9.2011

PUTA DO ROCK N' ROLL


Ficai aí no vosso sosseguinho
nos vossos pãezinhos
enquanto eles vos chulam
vos sacam o corpo
e a mente
dia a dia
dizes Avé Maria
ao patrão
ainda sois simpáticos
enquanto o caos
se abate sobre vós
vindes ouvir-me?
Vindes assistir
ao espectáculo?
Os vermes crescem
estão aí à porta
São os Mão Morta
estiveste em Paris?
Pediste esmola?
Sai desse mundinho
que te vendem
és louca?
Consegues ir atrás da loucura?
Estás com medo?
Vá lá, prima-dona
entreteste os gajos hoje?
Eles babaram-se à tua frente?
Correm atrás de ti?
Vens fazer o teu numerozinho,
não é?
Adaptaste-te?
Entras nas conversas?
Dizes umas merdinhas
para os outros gajos rirem?
Ou para que as gajas
te dêem atenção?
Bebes uns copos hoje
por isso pensas que és livre,
não é?
Mas depois voltas ao empreguinho
ao fado,
não é?
E os futeboleiros?
E a nação?
Ide todos para o caralho!
É muito fácil
falar dos políticos
é muito fácil
falar dos outros
desses atrasados mentais
que se safam
é muito fácil
gozar os outros,
não é?
Olha para ti
quem és tu?
Que fizeste na vida?
Alguma vez realmente
te passaste para o outro lado?
Alguma vez pegaste fogo?
Ou é só o Mourinho e o Ronaldo?
Palhaços, atrasados mentais
dói, não dói?
Queima?
É pior do que ir ao psiquiatra?
Continuas com joguinhos, não é?
Continuas com as palavras mansas
Olha, prefiro as putas
já andei com elas
olha que a grande barbárie
está à porta
olha que o teu dinheiro
está a perder valor
olha que o teu dinheirinho
não te vai servir de nada
olha que isto começa a cair
talvez se vieres
aprendas alguma coisa de novo
não que eu seja melhor
do que os outros
apenas diferente
nada tenho a perder
só isso
não falo de futebóis
não acabo
aos 90 minutos
não quero saber do Leça
nem do Leixões
sou livre
sou completamente livre
havia as miúdas da ilha
elas cantavam e dançavam
para mim
ainda vivem às vezes
nas minhas amigas
nas minhas companheiras
não morreram
não estão no estádio de Aveiro
eh, pá, estes gajos do futebol
dão-me mesmo cabo do poema
só falam dos estádios vazios
e de merda
começo mesmo a perder a paciência,
sabes?
Deviam explodir
para aí umas bombas
a ver se isto anima
não, talvez não
talvez venhas para mim
esta noite
talvez me digas
o que eu nunca ouvi
ai, Jim
se pudesse ressuscitar-te
tira-me destas conversas imbecis
sim, dizer algo de novo
dizer o que nunca foi dito
ser o santo
de Agostinho
gozar comigo próprio
nesta aldeia global
ir ao infinito
e cagar para a economia
vem,
vês como danço
como sou tão louco
é sempre mais fácil
que sejam os outros
a dizer as nossas coisas
assim estás exposto

no palco
o palco incendeia-te
há gajas que fogem
tens a escola
sabes
recomeças sempre
vais partir de novo
os vidros
ah!ah!ah!ah!ah!ah!ah!
És satanista
crês na tua loucura
o álcool faz-te escrever
justiça
agora pedem justiça
mago
vieste
achas piada
como é que há dias
em que não és
capaz de falar?
Em que suportas os outros
a imbecilidade
de alguns outros
agora navegas
fazes-te aos mares
sem saber onde os mares
acabam
como os navegadores
ainda és dessa pátria
ela ainda mexe contigo
não és só
a puta do rock n' roll.


V.N. tELHA, 21.9.2011

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

PEDRA


José Régio?
António Gedeão?
Neste momento
penso que escrevo
melhor do que eles
sinceramente
já desci aos infernos
do rock n' roll
ao Apocalipse Now
vi o Joaquim
no Pinguim
a dizer para as miúdas
tiraram os poemas
das cuecas
e dos soutiens
sou dele
sou dessa loucura
que acende as noites
sou o performer
que baila
e incendeia
que incomoda
as miúdas mansas
e os intelectuais rígidos
bebo dos mestres
dos grandes
daqueles que viram a vida
dos pássaros
dos homens e das mulheres
livres
crio
sou capaz de criar
não reproduzo
mas ainda tenho
o balançar das ancas
o visceral
não sou de Deus
não sou dos vossos amos
dou espectáculo
canto o caos
a barbárie que aí vem
saco de vós
o que tenho a sacar
ouço os senhores
a cascar no Passos
e na América
sou um poeta beat
como dizem
vejo Deus
na empregada do café
perguntou-me se eu
era professor
vêem-me com os papéis
a rabiscar versos
olha, antes isso
do que pensarem
que sou um parasita
um desempregado
ouve, estás a falar
com quem já viu
o paraíso
não sou o Lobo Antunes
estão farto dos Lobos Antunes
falam-me de Nietzsche
de Holderlin
de Rimbaud
estou farto de gajos menores
que escrevem umas coisinhas
para entreter
eu parto vidros
eu percorro
quilómetros de cérebro
numa noite
numa madrugada
eu sei dançar
eu sou do Lou Reed
Take a walk on the wild side
entra na minha barca, princesa,
segue-me
vais onde nunca estiveste
it's gonna be a long trip, baby
vais levar com o inferno nos cornos
mas depois
depois encontrarás a luz
a santidade
a luz que não está
nos macacos que conheces
vem
atravessa os mares
há uma vida
que está aqui
que está no homem livre
não tenhas medo
vem
há um caminho
uma era nova
sai da caverna
de Platão
Platão,
quem são estes
à beira de Platão?
Quem são estes
à beira de Nietzsche?
"Quem chamou estes mortos
para dançar?"
Estais mortos
viveis mortos
comunicais mortos
obedeceis mortos
assim permancereis por mil anos
até ao romper do feitiço

agora estou aqui
a mente abre-se
o sangue corre
o homem dança
fui e regresso
assim permaneço.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A LINGUAGEM DO INÍCIO DO MUNDO


A LINGUAGEM DO INÍCIO DO MUNDO

Pensar todo o pensável. Exercitar o pensamento. Poderia passar a vida a pensar. Mas depois há o amor, a liberdade. Acabo por não me fechar totalmente no meu pensamento. Lanço pontes para o mundo. Tenho necessidade de comunicar. Poderia passar os dias aqui em Braga com a Gotucha e dedicar-me ao livro. Ao livro que já está, em parte, em “Nietzsche, Jim Morrison, Henry Miller…” mas que importa continuar a construir. Ao livro que pretende construir o homem. O homem que, apesar das suas fragilidades, se eleva e se enobrece no café. O homem que aspira a ser santo. Que vê o mundo com novos olhos. Cujo pensamento se liberta. Que ainda é o poeta beat mas que dele se afasta. Sou feliz aqui em Braga. Posso dizê-lo. Não sinto isto em mais nenhum lugar. Espero a Gotucha. Ela dá-me o amor. Já não estou deprimido. Estou curado, ouço a voz do meu pai. Não te inquietes mais com o que tens de comer ou de beber. Segue a via. Continua na via que tens seguido e vai-te aperfeiçoando. Lê os mestres. Segue a via que conduz a si mesmo. Áquele que eras quando nasceste. Afasta-te da publicidade e da propaganda. Sê puro cada dia. Não ouças a voz da populaça. Bem sabemos que ainda ligas às glórias do mundo. Bem sabemos que amas o aplauso. Todavia, há em ti a sede de infinito. Há em ti o desejo de ser único. O desejo de beber o cálice sagrado, de o partilhares com as eleitas. Há em ti a vida abundante, a vida pela vida, fora do mercado, mesmo que aparentemente sejas apenas o homem à mesa. Vibras, explodes no acto da criação. Há espíritos que dançam em ti, ó poeta. Não, no fundo, nunca te deixaste enganar pelo ecrã. Não precisas de mediadores, tens-te a ti e à Gotucha. Tens um mundo dentro de ti. Estás inundado de vida plena. Hoje, 10 de Setembro, às 4:20 da tarde, no “Doce Convívio”. Compreendes a linguagem das crianças. Falas a linguagem do início do mundo. Tantas vezes não a conseguiste expressar, tantas vezes tropeçaste nas palavras e agora estás aqui com o olhar inaugural. Cedeste por vezes mas não caíste. Chegaste aqui. Estás no Uno. És único. Agarras a liberdade absoluta. Nada tens a ver, de facto, com os poetas menores. Conhecês-te-os, ouviste-os, mas não és deles. Nunca deste grande importância às flores mas agora começas a ama-las. És, de facto, o poeta. Aquele que vive a obra. Que não passa a vida a pensar na próxima refeição. Aquele que esquece as horas e está com a que esquece as horas. Aquele que toma café despreocupadamente porque está no início do mundo. Aquele que já não tem constrangimentos. Que pode ser aquele que realmente é, sem máscaras. Que tem o universo à sua mesa.

domingo, 18 de setembro de 2011

DA CRIAÇÃO


DA CRIAÇÃO



“O fenómeno da criação (…) é poético (…) no sentido em que se faz alguma coisa que nunca existiu até aí, nunca existira (…) revelando-se como primeiro exemplar ou exemplar único”, escreveu Agostinho da Silva. “Só atingimos a perfeição quando somos seres livres, pessoas que bebem no fundo de si mesmas, que se criam a si mesmas”, acrescenta Max Stirner.

A criação. O criar-se a si mesmo. Aprender a morar em si mesmo, como diz Stirner. Eis o que o artista faz. Vai buscar energias ao mundo mas se quer a santidade, se quer a perfeição, vai beber às profundezas de si mesmo, aos espíritos que vivem em si, aos desertos e abismos interiores.

Daí que o pensamento do criador não seja idêntico ao do comum dos homens. Ele é capaz de criar. Às vezes limita-se a descrever o que o rodeia. No entanto, noutras ocasiões acrescenta algo de novo, faz o exemplar único, aumenta a vida, como preconiza Henry Miller. No caso da literatura, ele inventa novas combinações de palavras. Cria o homem ideal, o homem espiritual. Então afasta-se do pensamento dito prático, da conversa do sustento e da conta, do raciocínio primário. A arte cria o ideal e “acha-se no princípio”, outra vez Stirner. A vida interior não tem que ser racional. Ela expande-se, explode, produz iluminações, quadros, imagens. Sai mesmo fora do mundo. Torna-se automática. A mão, a caneta, segue-a. É assim a criação, a aventura do eu, o reino de aquém e de além, o princípio.

sábado, 17 de setembro de 2011


eles tentam de novo
tentam e tentam
dia após dia
atiram-me as imagens
à cara
tentam converter-me
entorpecer-me aos poucos
fazer-me aceitar
mas eu sou do ouro
nasci noutro país
vivo
não me condenam ao tédio
mesmo que voe
nasci agarrado à terra
não sou igual a eles
hoje quero
sou a vontade
hoje não me levam
para a morte
sou soberano
não caio
a vida é minha
amo-a
danço com ela
a mente fervilha
a ideia brilha
não me conquistais
não entrais em mim
já tenho os meus fantasmas
os meus infernos
não preciso de vós
sou do ouro
da tribo antiga
do sagrado primordial
da mulher inaugural
vivo com ela
permaneço com ela
escuto os seus medos
e as suas manias
assim me construo
assim me elevo
acima de vós.

Em todos os lugares
assassinas Deus
mestre da vontade
e da anarquia.

REI

De onde vens, rei?
Quem te pôs na terra?
Entre a depressão e a mania
quem louvam teus cães?

Compreendes agora Agostinho
caminhas
cambaleias
travas batalhas
és ainda o menino

Vozes que te perseguem
vozes que te protegem
compreendes agora quem és?

As iluminações não foram em vão
afasta-te dos poetas menores
rei dos melancólicos

Pescador dos perdidos
eis como te chamam

Não, não és daqui
do sustento
da moeda
voas mais alto
acompanhas os maiores
a tua sabedoria é louca
dança
a terra é tua.

À BEIRA DO CAOS


À BEIRA DO CAOS

António Pedro Ribeiro

Os jovens ainda vêm ao "Pátio" aparentemente tranquilos mas estamos à beira do caos. A União Europeia desfaz-se, mais de um terço dos europeus sofre de doenças mentais. O dinheiro e o poder estão nas mãos de erspeculadores, de corruptos, de políticos sem estatura. Quando nada há a perder, quando tudo perde o valor, quando a vida humana se reduz ao tédio e à sobrevivência, acontecem motins como os recentes de Inglaterra. Pilhagens, desordem, a revolta dos sem futuro.
Com governos sem sensibilidade social que cortam em tudo, que estigmatizam os pobres com umas migalhinhas, com os mercados a engolirem tudo, os laços sociais vão-se tornando mais ténues, os homens e as mulheres são a gentalha de Nietzsche: mesquinhos, interesseiros, meros gritadores de golos, ao serviço da felicidade de plástico dos centros comerciais e dos hipermercados. Estamos mesmo à beira do caos enquanto nos espetam os telejornais nos cornos. Pode ser que do caos venha a revolução.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

DO VOSSO SOSSEGO


Crianças. Bebés. A pacatez familiar. Dentro em breve ireis para casa jantar em frente ao Telejornal. Eis a vida de tédio que levais. Não saís desse rame-rame. Posso ter as minhas fraquezas, os meus telhados de vidro, mas não sou como vós. Nasceis, ides à escola, trabalhais, casais, tendes filhos, envelheceis. É isto que vindes fazer ao mundo. Nada mais. Não criais, nada trazeis de novo. Limitai-vos a reproduzir a fórmula. Dia após dia. Não sou vosso. Não venho imitar-vos. Passo-me. Desato aos berros. Insulto a audiência. Não me deis a mão. Afastai de mim as vossas crianças. Não tenho de ser amável convosco. Não tenho que falar a vossa linguagem. Não sou como vós. Sou o solitário de Zaratustra. Não tenho de converter-me aos vossos valores. Deixai-me. Prefiro passar os dias a ler e a escrever. Estou mesmo farto do vosso sossego, da vossa tranquilidade, do Deus em que acreditais e que vos protege. Sou dos outros. Sou dos malditos, daqueles que vieram ter comigo falar-me da verdadeira vida. A vida que é aqui e não é aqui. Por isso, por vezes, sou insolente como Diógenes.

domingo, 4 de setembro de 2011

O NOVO HOMEM

Esta tarde na confeitaria, em Pedras Rubras, descobri o homem. O macaco de Deus veio ter comigo. Gritava:- Homens. Deixai de procriar. Sois uma espécie falhada!" Eu via os homens e as mulheres tristes, em fila, a comprar pão. O macaco de Deus apelava ao suicídio colectivo. Então, o novo homem sentou-se à minha mesa. Era livre, magnífico, desprendido. Disse: "- Macaco de Deus, não grites mais. O homem já não precisa de ti, nem de Deus. O homem encontrou-se. Não precisa mais de ídolos, nem de ninguém que lhe indique o caminho. Não precisa mais de ninguém que lhe molde a mente. O homem é ele próprio Deus e o além-Deus. Nunca mais ninguém lhe imporá nada. O homem é o criador e a própria Criação".

AQUELE QUE DÁ


É madrugada. Acordo na casa da Rua Nova de Santa Cruz, em Braga. A Vita olha para mim e pede-me pão. O Joaquim Castro Caldas partiu há três anos. A "Portuguesia" leva-me longe. Tenho sido mais reconhecido como diseur do que como poeta. Mas, apesar de tudo, o "Poeta a Mijar" continua em alta. Tudo seria diferente se hoje percorresse as ruas de Braga em triunfo. Estou aqui para algo de maior, não somente para me afirmar enquanto artista. Estou a travar batalhas épicas contra mim próprio. Algo ou alguém me transmite o que escrevo. Procuro o cálice. Venho de reinos desconhecidos. Armavam-me cavaleiro. Eu era o preferido da rainha. Lancelote, o cavaleiro branco. Na Rua Nova de Santa Cruz. A mente abre-se. Quero explosões, flores. Desço às minhas profundezas. Canto. O meu canto chega aos anjos. Sou aquele que dá.

DO HOMEM


O homem nasce livre, da dádiva. Não nasce para comerciar, para usar a moeda. O homem nasce também para se construir, para procurar o conhecimento. Nasce também para pensar, para se questionar a si próprio, não para ser envenenado pelos media. O homem nasce para ir às profundezas de si mesmo, para criar, para ir de encontro à beleza. O homem é também o poeta, aquele que foi abençoado pelos deuses, entre os animais. O homem tem em si o céu e as estrelas. É capaz, ele próprio, de fazer nascer estrelas. Não pode reduzir-se ao macaco mercantil. O homem é divino. Capaz de obras magníficas. Não se pode reduzir ao cálculo, ao contar dos trocos. O homem nasce livre, não tem limites, atira-se de cabeça. O homem é o super-homem. Dança sobre o abismo. Rompe fronteiras. Descobre-se a si próprio. Ama. Gera.

UM POETA A MIJAR

Extravagante obra de recorte abjeccionista, este Um Poeta a Mijar recolhe poemas do camarada e amigo A. Pedro Ribeiro vertidos em Dezembro de 2007 pela Corpos Editora. A. Pedro Ribeiro, nunca é demais dizê-lo, leva a poesia ao limite do poético. Não satisfeito, transcende o próprio limite. O resultado é visceral. Desengane-se, pois, o leitor desatento. Estes poemas não são confeccionados na bexiga, nascem nas vísceras e sobem à garganta como um vómito inadiável. Têm a força do necessário. E como já apregoava Epicuro, tudo o que é necessário é bom. Eis o poema que emprestou título ao livro:

UM POETA A MIJAR

O poeta dirige-se à casa de banho e mija
Sim, porque os poetas também mijam e cagam
Não passam a vida a escrever versos e a apurá-los
Não passam a vida a fazer horas
E a aturar chatos no café
Não andam sempre a micar as meninas
Para lhes oferecer poemas
Com fins libidinosos.

O poeta dirige-se à casa de banho e mija.

HENRIQUE MANUEL BENTO FIALHO

quinta-feira, 1 de setembro de 2011


A minha vida é assim. Durante dias e dias nada de relevante se passa. Até que vem o dia, a noite em que vivo 1000 anos, quer graças à criação, quer graças à aventura, aos filmes, como eu lhes costumo chamar. Assim tem sido, de facto, a minha vida. Nada a fazer. Sou assim. Há bocado até me sentia entediado. Mas dei um belo passeio até ao "Pinha Doce" e agora sinto-me bem. O "Pinha Doce" é o velho café junto à estação, antes do comboio, agora do metro. Para variar, pedi um carioca. O puto mafioso também está aqui. É Setembro. Foi-se Agosto, o mês onde nada se passa, excepto a Gotucha. No sábado vou a Famalicão dizer poesia e participar na "Portuguesia". No "Café Paraíso" há poemas que não me convencem totalmente. Mas, enfim, há que situá-los. Há sempre o factor futebol que entra. É questão de fazer uns cortes. Não tenho que renegar a fase das mamas e das gajas boas. Apenas estou noutra fase. De certa forma, a regressar às origens. Ao estilo Mário de Sá-Carneiro/ Fernando Pessoa. E depois a escrita é diferente consoante se bebe ou não àlcool. Voltarei a estar mais exposto. Enfim, o que importa é que me voltei a sentir solto. O pensamento vagueia. O velho relógio na parede. A verdade é que me estava a sentir entediado. Agora prossigo o diário. Nada de relevante se passa aqui no "Pinha Doce". Senão o homem a escrever á mesa. Não escrevo romances nem conto estórias. Tenho esta ocupação, como diz o dr. Jorge Marques. Olho o camião a passar na rua. A bola, inevitavelmente, passa na TV sem ninguém a olhar para ela. Poderia até abandonar o café sem pagar mas seria ridículo. Seria óptimo se algo de brilhante me viesse à cabeça. Sou apenas o homem que escreve. Tem havido textos meus a receber muitos elogios. Estou no bom caminho.

O MENINO


Poderia passar o dia a escrever. Pareço estar com pedal para isso. As notícias do país enfadam-me, tal como os futebóis. De qualquer forma, sinto falta da Gotucha. Vou fazendo a minha literatura. De vez em quando, há uns rasgos de génio. Não há que ter problemas em assumi-lo. Alimento-me dos génios. Gosto dos livros que explicam a vida. E, de facto, o que é a vida? A sucessão dos instantes, das noites, dos dias. Mas também o saber agarrar o instante, nem que seja a espetar palavras no papel e a olhar a vida dos outros, mesmo sendo esta previsível e monótona. Somos, de facto, captadores de instantes. Hoje não esperamos nada nem ninguém. Não temos horários a cumprir. Nem nos julgamos inferiores aos outros escritores. Lidamos com o tédio. Falamos com as amigas no Facebook, não nos vai aparecer agora nenhuma: "Olá, Pedro. Como vais? Etc." Bastava-nos isso. Conversar com as amigas. Já quase não pensamos em sexo. À falta das amigas ou de alguém que converse acerca do mundo, escrevo. Antes escrever do que deixar-me levar pelo paleio imbecil da máquina. Antes escrever do que engolir notícias. Antes escrever do que deixar-me moldar. Antes escrever. E assim vivo. O casal do café discute. Mas escrever, para mim, em certos dias é suficiente. É a própria vida. Não, não vou ceder. Acabo por regressar àquele que sou. Àquele que, já na infância, punha tudo em causa mentalmente. Continuo a ser o menino, como dizia a Paula, como diz a Alexandra.