O Joaquim morreu hoje.
POMPEI
o verão este ano vem por dentro
precoce alto ágil visionário
as flores e os insectos ao anoitecer
vão largar as lapelas e as colecções
inflamando o faro à vida interior
alterando o ritmo aos fins de sonho
de madrugada os poetas explodem
que se deitem tarde ou não se deitem
crianças aparecem com bagas no estômago
delirantes de febre sem estar doentes
é escusado pegar fogo às árvores
porque só olhar para lá arde
os pintores fornecem o que se queimar
e os antropólogos a luminosidade
os velhos morrem com alpercatas de pau santo
e os pássaros vão ficar com voz de mulher
os ciúmes vêem-se de fora com o sol
e os beijos ficam agarrados à pele.
Joaquim Castro Caldas, "Impressões Digitais dos Deuses", silêncio da Gaveta.
domingo, 31 de agosto de 2008
JOAQUIM CASTRO CALDAS
JOAQUIM CASTRO CALDAS
António Pedro Ribeiro
Foi o Joaquim Castro Caldas que me ensinou a dizer poesia. Foi o Joaquim Castro Caldas que me mostrou aquele jeito rebelde e sarcástico de lidar com as palavras. O Joaquim foi o mentor das noites de poesia no Pinguim quando uma multidão acorria àquele bar no Porto para ,simplesmente, ouvir e dizer poesia. O Joaquim foi um dos maiores divulgadores da poesia neste país. E era, também, um excelente poeta. Quando escrevo estas linhas o Joaquim se não está morto deverá estar às portas da morte. Agora é fácil culpar o álcool, as úlceras, a vida que o Joaquim levava. Agora toda a gente vai procurar os escritos que o Joaquim deixou por aí espalhados.
O Joaquim Castro Caldas tinha um feitio difícil. Por vezes, parecia arrogante. Mas por detrás dessa aparente arrogância havia uma grande generosidade. A generosidade de quem viu o inferno mas também o céu.
A obra do Joaquim não teve o reconhecimento que merecia. Porque o Joaquim era um verdadeiro poeta. Levou uma vida de poeta. Andou pelos bares, procurou a loucura. Não foi um desses versejadores da corte, bem comportadinhos, sempre à cata do prémio. Olha, Joaquim, espero que te safes desta. Senão vai para o céu. Vai para o céu, porque o mereces.
SOBREVIVÊNCIA
Os meus amigos
os gajos que eu admiro
tombam assassinados pelo álcool
e pela sobrevivência
a verdade é que sem álcool
a vida é uma merda
a verdade é que a vida direitinha
da pequena burguesia
da classe média
as conversas que ouço no café
o trabalhinho de segunda-feira
cada vez me metem mais nojo
e como riem os pequeno-burgueses
e os proletários
como se riem as criancinhas
antes de se converterem aos horários
e à maquina capitalista
antes de ficarem completamente
estragadas
e os meus amigos
a tombar assassinados
pela sobrevivência.
Vilar do Pinheiro, Motina, 31.8.2008
JOAQUIM CASTRO CALDAS
Foi o Joaquim Castro Caldas que me ensinou a dizer poesia. O Joaquim foi o impulsionador das noites de poesia do Pinguim e um dos grandes divulgadores da poesia no nosso país. Está agora em coma. Provavelmente não se safa desta.
DO ARTUR QUEIROZ
Luanda, em silêncio ante a madrugada. Agosto de 2008.
Confissões do Trovador que Comia Versos
Eu subi a montanha até ao último degrau do cansaço
Naveguei por mares encapelados até à náusea do naufrágio
Amei mulheres de cetim e veludo nos bordéis da Ilha dos Kamundongos
Voei rente à massambala nas imensas chanas alagadas das terras do fim do mundo
Escrevi poemas nocturnos e trovas dolorosas aos amantes segregados
Fui escorraçado e apedrejado pelas trupes de mendigos
Que se acotovelavam às portas do palácio para bendizerem o seu pedaço de fome.
Fui agredido e espezinhado pelos soldados armados de tratados de paz
E cheguei a casa de mãos vazias e olhos macerados.
Eu amei sem saber porque amava e enforquei os mitos sem saber que me libertava.
Fui saltimbanco no teatro dos bonifrates e artista de variedades nos salões reais.
Perdi o rumo no Morro das Pedras e naufraguei nas águas barrentas do Dande
Que escondiam jacarés e a nossa infinita mágoa dos mortos do Bindo.
Beijei a mão de princesas e os pés de amantes em brasa
Acariciei corpos em flor corpos sem dor esvaídos em prazer
Beijei o sal que a maresia libertou comi a terra que o meu pai conquistou
Esbanjei heranças e alegrias mesmo sabendo que perderia na roleta do dia
Vi a morte como quem escapa com sorte vi a tristeza no voo solitário da águia.
Fui a Creta saber de ti e apenas encontrei algas e rochedos saudosos de Ulisses
Andei no deserto à procura de um cemitério onde enterrar os meus mortos
Nem cemitério nem deserto nem os despojos humanos que suplicam pela morte
Apenas o gado sequioso e a poeira que esconde o horizonte
E de repente as montanhas que se fenderam às portas da Baía da Lucira.
Pensas que o último degrau da montanha é o ninho da solidão?
Ainda não viste os destroços de sonâmbulos que atravessam a noite dos kazumbis.
Verás mais tarde como morrem as noites e que punhais temos cravados no peito
Mesmo quando sangram pétalas de amor dos corações de papel.
Meu amor como me tarda a última jornada e como é breve o leito dos amantes!
Artur Queiroz
Confissões do Trovador que Comia Versos
Eu subi a montanha até ao último degrau do cansaço
Naveguei por mares encapelados até à náusea do naufrágio
Amei mulheres de cetim e veludo nos bordéis da Ilha dos Kamundongos
Voei rente à massambala nas imensas chanas alagadas das terras do fim do mundo
Escrevi poemas nocturnos e trovas dolorosas aos amantes segregados
Fui escorraçado e apedrejado pelas trupes de mendigos
Que se acotovelavam às portas do palácio para bendizerem o seu pedaço de fome.
Fui agredido e espezinhado pelos soldados armados de tratados de paz
E cheguei a casa de mãos vazias e olhos macerados.
Eu amei sem saber porque amava e enforquei os mitos sem saber que me libertava.
Fui saltimbanco no teatro dos bonifrates e artista de variedades nos salões reais.
Perdi o rumo no Morro das Pedras e naufraguei nas águas barrentas do Dande
Que escondiam jacarés e a nossa infinita mágoa dos mortos do Bindo.
Beijei a mão de princesas e os pés de amantes em brasa
Acariciei corpos em flor corpos sem dor esvaídos em prazer
Beijei o sal que a maresia libertou comi a terra que o meu pai conquistou
Esbanjei heranças e alegrias mesmo sabendo que perderia na roleta do dia
Vi a morte como quem escapa com sorte vi a tristeza no voo solitário da águia.
Fui a Creta saber de ti e apenas encontrei algas e rochedos saudosos de Ulisses
Andei no deserto à procura de um cemitério onde enterrar os meus mortos
Nem cemitério nem deserto nem os despojos humanos que suplicam pela morte
Apenas o gado sequioso e a poeira que esconde o horizonte
E de repente as montanhas que se fenderam às portas da Baía da Lucira.
Pensas que o último degrau da montanha é o ninho da solidão?
Ainda não viste os destroços de sonâmbulos que atravessam a noite dos kazumbis.
Verás mais tarde como morrem as noites e que punhais temos cravados no peito
Mesmo quando sangram pétalas de amor dos corações de papel.
Meu amor como me tarda a última jornada e como é breve o leito dos amantes!
Artur Queiroz
sábado, 30 de agosto de 2008
PUTAS
Há putas para todos os formatos,
Há uma puta para cada serventia,
Há putas caras, putas sem sapatos
E eu, que sou a puta da poesia.
Faço comércio de emoções baratas
Em versos bem rimados e escondidos,
Abro meu sexo em rimas não cognatas,
Quadris por decassílabos movidos,
Ponho por preço aprovação abstracta,
Aplaudam!, mesmo quando imerecido.
Há putas prenhas, putas menstruadas,
Putas casadas fazem sexo com o marido,
Algumas castas, outras afectadas:
Eu sou a puta do meu coração ferido.
Patrícia Clemente - Há putas para todos os formatos
Fonte: http://malandros-ousados.blogspot.com/2008/08/pois.html
NUNO JÚDICE
Viagem (Nuno Júdice)
Podia dizer que foi nesta tarde, nesta cidade, ou
noutro lugar qualquer, que imaginei a solução:
mudar de tarde e de cidade, e encontrar a razão
para estar noutro qualquer lugar onde não tinha
de estar. Podia ser uma noite, num corredor,
entre uma porta e outra porta, onde sabia o que
iria encontrar; e com a noite a acabar, a porta
a fechar, e o corredor sem saber onde iria
dar, talvez tivesse de ficar. E era à voz que eu
ouvia, à voz que me dizia o que eu lhe queria
dizer, à voz que me guiava entre uma porta e
outra porta, como se não houvesse corredor, era
a essa voz que eu respondia: «Vem comigo,
por entre portas e corredores, tardes e noites,
um lugar e qualquer lugar, e não me deixes aqui,
sem solução, nem o calor da tua mão.» E podia
dizer que tudo ficou igual, se não tivesses
atravessado o corredor, entre uma porta e outra
porta, trazendo contigo o que eu queria encontrar.
in http://agostinhodasilva.blogtok.com
ENTRE O VIVO E O MORTO
Saiu o primeiro número da revista "Entre o Vivo e o Morto- o Não Vivo". Com direcção de Paulo Serra, a publicação inclui textos de Pedro Ferreira, Jaime Carvalho, Lilia Parreira, António Carvalho, Rui Alberto, Pedro Oliveira, Cèlia Rocha, A. Pedro Ribeiro, Nuno Ramalho e Alexandre Nunes de Oliveira. A ler. Para mais informações contactar pjfserra@gmail.com.
DIÁRIO
É quase madrugada. Não consigo dormir. O whisky queima e dá-me alma. Um poeta underground que se preze tem de escrever a estas horas. E não há melhor companheiro do que o whisky. A proximidade com a natureza também ajuda. O xamã desperta. O whisky é muito mais poderoso do que a cerveja. ESta garrafa no meio do monte foi um achado. Já sei que a Gotucha vai embirrar comigo, mas paciência. Enfim, preocupa-se comigo, com a minha saúde, com a minha sanidade mental. Parece uma esposa. Simultaneamente, a timidez e a depressão desaparecem. Magnífico! Mágico! Divino! Espero, desta vez, permanecer em cima por uns meses. Por uns séculos. Ah! Ah! O Estado deveria fornecer-me garrafas de whisky gratuitamente. Fazem mais efeito do que os medicamentos.
Quero escrever um poema que não seja banal. Um poema bacanal, que espete a faca no Cabral, que rebente com o comité central, que vá ao cu ao intelectual, que acabe com o cagaçal, que se masturbe à porta do Tribunal.
Aplausos. Mais uma arena conquistada. Não, não esperem de mim sobriedade nen fraque, não procurem em mim o discurso da razão. Há muito que deixei essa estrada. Sirvo o whisky, sigo o whisky. Esta viagem não tem regresso. Argentina Chile Peru. Estou nos Andes estou às portas da percepção. O gajo que bebia cervejas está muito longe. Sou um monge. Olha! Sou um monge no Tibete encontrei a Rosete na retrete a mascar chiclete Raspoutine em Pequim Merlin em Berlim
Breton e Artaud devem andar satisfeitos comigo. Essa merda de dizer que o àlcool e as drogas não têm influência na criação é uma grande treta. Bebo e ardo. Escrevo e ardo. Sou o bardo.
Chelo, Cabril, Gerês, 23/24.8.2008
CANÇÃO
Uma canção pela manhã
uma canção feita de pássaros, insectos e um cão
o cão partiu e voltou
abocanha uma pinha
os sinos batem lá em baixo no rio
ressaca
sem pregar olho
venho pregar aos animais
talvez me ouçam mais do que os homens
no alto da montanha
com o "Retrato de Dorian Gray"
precisavas disto, xamã
na cidade acusam-te de só falares de ti mesmo
de te masturbares com as palavras
este é o teu caminho
o caminho que começaste a trilhar há 20 anos
quando escreveste:
na ressaca das noites ébrias
crio cenários
liberto pássaros
absorvo conversas
tudo parece absurdo convencional
diante do meu fogo
diante da embriaguez permanente.
É sinuoso o caminho até ao cume
aqui tudo é rocha
tudo é eterno
xamã, tens de vestir a pele
ouvem-se já as vozes dos aldeões.
Chelo, Gerês, Agosto de 2008.
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
VIP
A velha ganhou um carro no "Preço Certo"
agora todos dançam e cantam como numa romaria
o gordo, como habitualmente, arrota disparates
e o velho Reinaldo saca as gajas todas
Aqui no "Vip" fala-se de tudo
das armas aos assaltos, dos putos aos cowboys,
do John Wayne ao Frank Sinatra, do Clint Eastwood ao Almeida Rodrigues,
do Chuck Norris ao Ronaldo, das pulseiras electrónicas à Pamela Anderson,
ao menos aqui um gajo diverte-se
não se fala só de futebol
nem estão todos mortos.
Vilar do Pinheiro, VIP, 29.8.2008
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
PÚCAROS
Esta noite às 00,00 horas António Pedro Ribeiro regressa ao "Púcaros" depois de uma tournée por Braga e pelo Gerês. Bombas e manifestos à disposição das meninas e dos meninos.
O AMOR E O DINHEIRO
Olhai o que faço do vosso deus
brinco com ele
gozo com ele
faço-o saltar
faço-o dançar
faço-o aos pedacinhos
desfaço-lhe os templos
e os altares
expulso os seus vendilhões
empalo os seus reis
E, no entanto,
estou a falar do amor
do amor, do amor, do amor,
do amor, do amor, do amor,
do amor, do amor, do amor,
do amor, do amor, do amor...
Braga, 26.8.2oo8
brinco com ele
gozo com ele
faço-o saltar
faço-o dançar
faço-o aos pedacinhos
desfaço-lhe os templos
e os altares
expulso os seus vendilhões
empalo os seus reis
E, no entanto,
estou a falar do amor
do amor, do amor, do amor,
do amor, do amor, do amor,
do amor, do amor, do amor,
do amor, do amor, do amor...
Braga, 26.8.2oo8
OS MEUS AMIGOS
Os meus amigos dizem que eu estou
contra tudo e contra todos
que estou a ficar como Diógenes
que insulto toda a gente
que vomito e mijo na rua
que sou uma espécie de bobo da corte
que faço os outros rir
os que acham graça
os outros ficam fodidos
e não batem palmas
nem punhetas
os meus amigos dizem
que eu me exponho demasiado
que coloco mulheres boas no blog
que lanço bombas
os meus amigos dizem que eu preciso
de ver campos, flores e vacas
e eu fui aos campos, às flores e às vacas
mas continuo a escrever a mesma merda.
Braga, "A Brasileira", 25.8.2oo8
contra tudo e contra todos
que estou a ficar como Diógenes
que insulto toda a gente
que vomito e mijo na rua
que sou uma espécie de bobo da corte
que faço os outros rir
os que acham graça
os outros ficam fodidos
e não batem palmas
nem punhetas
os meus amigos dizem
que eu me exponho demasiado
que coloco mulheres boas no blog
que lanço bombas
os meus amigos dizem que eu preciso
de ver campos, flores e vacas
e eu fui aos campos, às flores e às vacas
mas continuo a escrever a mesma merda.
Braga, "A Brasileira", 25.8.2oo8
terça-feira, 26 de agosto de 2008
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
DIÁRIO
Estou em Braga e estou bem. Não preciso sair daqui. Estou em casa. Apesar da ausência de gajas boas neste café. Masturbações- diz a Gotucha. Talvez sejam masturbações. O que é certo é que hoje me sinto melhor do que ontem. Graças ao espírito da Gotucha .
sábado, 16 de agosto de 2008
DIÁRIO
Continuo em Braga e estou noutro café. A Gotucha nunca mais chega do encontro com o pretendente. E eu vou coleccionando cervejas. A música bate como o amor. As gajas da telenovelas falam sem som. Não sinto qualquer crise criativa. As gajas da novela abraçam-se. É o amor. O amor eleva-nos, põe-nos em cima, mesmo quando me xingas. Sou absolutamente doido. Fora do contexto social. E orgulho-me disso. Eu nada peço e a loucura vem ter comigo. Amo-a. Fornico-a. Estou bem aqui em Braga. Não me venham falar de Paços de Ferreira nem de Lousada. Ouviram? Estou bem aqui. Aqui despontei para a vida. E vejo os meus antigos colegas, todos bem instalados na vida, altos empregos e eu aqui assim, eu que sinceramente não era menos inteligente, antes pelo contrário. Todos eles vencidos e eu aqui à solta como há 20 anos mas mais sábio, mais senhor. A falar do alto da burra. Do alto da burra, como dizia o meu pai. Volto sempre ao meu pai. Eu admirava o meu pai. Era um senhor. Nunca andou atrás das riquezas. Corações ao alto, como ele dizia. Bebo umas cervejas mas ele também bebia. Bebemos para suportar esta merda. E venha mais uma. E a gerente fica toda contente. As mamas abanam. É boa rapariga. Devem ser poucos os gajos que vêm escrever para o café. Quase nenhuns. Pelo menos, assumo que escrevo. Não tenho vergonha do meu ofício não lucrativo. Que tragédia seria se perdesse a mão. Morreria imediatamente. De vez em quando aparecem umas coisas sobre nós nos jornais e há gerentes e empregados de cafés que comentam a nossa escrita. Estou satisfeito comigo próprio. Hoje escrevi como o caralho e o dia ainda não acabou. A música que recorda-me a adolescência quando passava as tardes preso ao gira-discos a ouvir Pink Floyd, Supertramp, Dire Straits. Aqui em Braga na casa da Rua Nova de Santa Cruz. A única casa que eu realmente tive. Lá estás tu com o sentimento de posse- diria o Oliveira E há gajas bonitas na televisão. Sinto-me absolutamente divino. E também aqui o café se esvazia. Ainda me falta meia cerveja. E a Lídia Franco do "Tal Canal". Envelheceu. Não leio jornais. Não sinto a falta deles. E o gajo bebe suminho. Bebe suminho que te faz bem, queridinho. Olha que eu estou em forma. Podeis tremer, marionetas do sistema, que eu estou em forma. A caneta desliza e o "Deslize" fechou. Hoje vai haver festa, Gotucha. Afastai de mim os relógios e os televisores! Mamas atrás de mamas. Só se vêem mamas. E eu sou escritor. É a minha profissão. Se tive sucesso com a "Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro" também posso ter com outras merdas. Os outros que me sustentem. Ah! Ah! Os outros que me sustentem, minha rica. Escrevi como um cão. Sabes que os cães quando escrevem são fodidos. Até à última gota. Sabes, gaja, as gajas até gostam de mim mas têm medo. A maior parte dos gajos fazem-nas bocejar. É claro que quando estou deprimido é mais complicado. Mas quando estou em forma elas querem-me, elas querem a minha loucura, porque ela está na sua natureza de mulheres, de bacantes mas, por outro lado, elas fogem porque precisam de uma certa segurança. Lembras-te de como elas ouviam o Jaime? Os outros gajos dizem sempre o mesmo. Eu, tal como ele, sou filho de Dyonisos.
quarta-feira, 13 de agosto de 2008
BRASILEIRA
Regresso à "Brasileira". A Gotucha está de mau feitio e foi ter com outro pretendente. Os senhores discutem a república. O Marques grita pelo cimbalino. Não estou em cima. Não estou em triunfo. A menina bonita abre a porta e sorri. A cidade rola mas eu não. O Marques diz que se vai embora. Uma menina substitui-o e conta as notas. Peço uma "Carlsberg". Talvez me levante, talvez me dê forças. Sou mesmo toxicodependente. A Gotucha tem razão. A menina traz a "Carlsberg" e sorri. Nem tudo é mau neste mundo. Bebo e as larvas circulam no cérebro. Lembras-te da Paulinha? Estás sempre a lembrar-te das coxas, da minissaia e ela nunca aparece. Apareceu há anos num restaurante. Disse-te que tinha prazer em ver-te. Prazer em ver-te mesmo depois daquela cena em que te expulsou do "Astória". Estavas com alucinações. Chove lá fora. Cá dentro a luz falha constantemente. A miúda bonita está sempre a entrar e a sair. A cerveja vai-se bebendo. Aproxima-se a hora do jantar mas tu já jantaste. Continuas a escrever sobre ti próprio. Não consegues parar. Esta quarta não vais ao "Púcaros" vomitar. Um mamas passam à tua frente. Que se foda! Estou com o ritmo. A escrita flui. Um grupo de ingleses invade a "Brasileira". O Cândido chega. Os ingleses saem. São quase 8. A Gotucha deve andar entretida. Os chuis passam ao largo. Peço outra cerveja. Escrevo ao ritmo da cerveja. A cidade está cheia de estrangeiros. Eu, cá por mim, só faço pequenas viagens. Venho até Braga e isso basta-me. Não preciso de ir a Barcelona ou a Paris ou ao Chile. De resto, faço viagens mentais, como Pessoa. E já fui bem longe. Tão longe. Se a Gotucha não estivesse de mau feitio cobria-a de beijos. Sou maluco por aquela miúda. O Cândido queixa-se que a colega não o cumprimenta quando está acompanhada do namorado. Chovem notas de cem- diz o Cândido. Há personagens que permanecem e que me saúdam sempre. O silêncio reina. A "Brasileira" está quase deserta. E a luz volta a falhar. Rolam caixas de cerveja. Aqui em Braga há sempre algum dinheiro, para variar. A menina sai sem cerveja. Hora da rendição. Trabalho-emprego-dinheiro ao fim do mês. Já não sei o que é essa merda. E esta merda que escrevo não vai servir para nada. Mais um exercício literário. Mais um desperdício de munições. Mais do Pedro e o Pedro e o Pedro. Podia meter conversa com o Cândido. Falar de futebol. Mas ainda não é meia-noite. Ainda não é hora do bar. Mantenho a pose do escritor responsável e respeitável. A gastar o ouro num texto de merda. Respeitável? Ah! Ah! Se eles soubessem. Era uma óptima maneira de terminar. Mas ainda não vai. Vai mais uma cerveja.
O Cândido olha pela janela e traz-me a terceira "Carlsberg". Uma gaja entra e senta-se ao pé da janela. Pede um café. São 8:25 h. O gerente pergunta pela bandeira nacional. A pátria acima de tudo! A Gotucha pediu-me para beber muito. E eu vou cumprir. O cliente que entrou pergunta pelo "Correio do Minho". O Cândido perfila-se para a bandeira. O cliente dialoga com o Cândido e simpatiza comigo.
Chegou a Sandra. Fala da vida e pergunta pela minha vida. Não estou deprimido. Merda! Não estou deprimido. São quase 9. Gosto desta cidade e de estar na "Brasileira".
Braga, 11 de Agosto de 2008.
O Cândido olha pela janela e traz-me a terceira "Carlsberg". Uma gaja entra e senta-se ao pé da janela. Pede um café. São 8:25 h. O gerente pergunta pela bandeira nacional. A pátria acima de tudo! A Gotucha pediu-me para beber muito. E eu vou cumprir. O cliente que entrou pergunta pelo "Correio do Minho". O Cândido perfila-se para a bandeira. O cliente dialoga com o Cândido e simpatiza comigo.
Chegou a Sandra. Fala da vida e pergunta pela minha vida. Não estou deprimido. Merda! Não estou deprimido. São quase 9. Gosto desta cidade e de estar na "Brasileira".
Braga, 11 de Agosto de 2008.
sábado, 9 de agosto de 2008
PLATÃO
Tudo aquilo a que se dá o nome de bens perverte a alma e afasta-a da filosofia.
(Platão, "A República)
(Platão, "A República)
LUIZ PACHECO
"Evocar Luiz Pacheco é dizer não à vidinha deprimente de todos os dias que faz vencidos, vendidos e convertidos ao império do tédio, do dinheiro, do consumo e do mercado. Evocar Luiz Pacheco é denunciar as capelinhas e as honrarias literárias. É celebrar a liberdade, o espírito livre, que se coloca à margem, que caga nos políticos postiços, nos moralistas de esquerda e de direita. É dizer que é possível dizer não à norma e às convenções, à merda instituída através da via libertina e libertária de Sade ou de Henry Miller. É acreditar que a provocação e a subverção constantes revelam o homem autêntico, generoso, puro. É celebrar o grande escritor, a literatura que se confunde com a vida. É dizer que a vida não é a vidinha, que há espaço dentro do homem onde a liberdade é livre."
A. Pedro Ribeiro.
sexta-feira, 8 de agosto de 2008
JACK LONDON
Os devotos de John Barleycorn são assim. Quando lhes bate à porta a boa sorte, bebem. Quando não têm sorte, bebem na esperança da boa sorte. Se a sorte é madastra, bebem para esquecer. Se encontram um amigo, bebem. Se os seus assuntos amorosos são coroados de sucesso, ficam tão felizes que é obrigatório beberem. Se forem abandonados, bebem pela razão contrária. E se não têm nada para fazer, pois bem, tomam uma bebida, seguros de que, quando tiverem tomado um número suficiente de bebidas, as larvas começarão a rastejar nos seus cérebros e não terão mãos a medir com coisas para fazer. Quando estão sóbrios, querem beber; e, quando bebem, querem beber mais.
(Jack London, "Memórias de um Alcoólico")
REFÉNS EM LISBOA
EM DIRECTO PARA A TELEVISÃO
Ao Adolfo Luxúria Canibal
Assalto a banco em Lisboa com reféns
armas apontadas à cabeça
e as cãmaras apontadas da televisão
jornalistas patéticos
um dos sequestradores morto
a polícia é uma delícia
é a sociedade-espectáculo
aqui a tens
nua e crua
tiros e sangue
gritos
o far west
em directo para a televisão
e tu assistes
vibras
bates palmas
em directo para a televisão
quinta-feira, 7 de agosto de 2008
MACEDO E LEGIONELAS
CANDIDATURA DO PARTIDO SURREALISTA SITUACIONISTA LIBERTÁRIO À CÂMARA DA PÓVOA
O Partido Surrealista Situacionista Libertário e a Frente Guevarista Libertária decidiram apoiar a candidatura do camarada António Pedro Ribeiro à Câmara da Póvoa de Varzim em solidariedade com os blogues povoaonline e povoaoffline, por considerar que Macedo Vieira e a sua equipa querem instaurar um regime semi-fascista na Póvoa com estátuas de majores fascistas (Major Mota) e com o silenciamento de toda a crítica, além de gestão duvidosa. Por considerar ainda que os partidos institucionais da esquerda à direita fazem o jogo do capitalismo, uns mais, outros menos, o PSSL/FGL apresenta-se em lista própria, anarquista, sem chefes nem controleiros. Porque queremos um mundo sem dinheiro e o céu na terra, agora!
Póvoa de Varzim, 7 de Agosto de 2008,
Com os melhores cumprimentos,
Pelo PSSL/FGL
António Pedro Ribeiro
César Taíbo
Joana Dias
tel. 965045714
http://tripnaarcada.blogspot.com
http://xamachama.blogspot.com
http://partido-surrealista.blogspot.com
www.myspace.com/manacalorica
ANARQUISTA
O CÉU NA TERRA
UM POETA A MIJAR
UM POETA A MIJAR
O título da mais recente colectânea de A. Pedro Ribeiro enviou-me para uma tal de «poesia diurética», expressão usada por Luís Adriano Carlos na introdução a Alegria do Mal, reunião da obra poética de José Emílio-Nelson. Todavia, a poesia de A. Pedro Ribeiro, ainda que declaradamente abjeccionista, nada tem de diurético, procurando antes os caminhos do manifesto, de uma notória obstinação e de uma disfarçada abnegação. Um Poeta a Mijar, editado pela Corpos, surge depois de Saloon, um volume saído nas já clássicas Edições Mortas. Muita matéria os liga, até porque a forma descarnada como A. Pedro Ribeiro se expressa não dá lugar a grandes desvios, inflexões temáticas ou inovações de conjunto. O que é curioso notar é que estes poemas-manifesto, nessa sua forma descarnada, apresentam-se-nos também como um disfarce, o disfarce do poeta maldito autoproclamado, aquele que rejeita as cátedras não porque nada tenha que ver com elas mas porque nada quer ter que ver com as mesmas, o anónimo que opta por trabalhar apenas dois dias por semana para poder passar o resto do tempo a «pensar, criar, partir a loiça» e «observar discretamente / o balançar de ancas da vizinha». O tom não é tanto de galhofa como parece ser de insurreição, é um tom que se manifesta cruamente na consequência de retratos sociais e ilações morais fundamentadas na experiência dos dias, na vagabundagem intelectual, no estilo pouco fundamentado da gente mais comum: «a vida é uma merda». Entram o futebol, a televisão, o euromilhões, os casos políticos, a Internet, os telemóveis, a polícia, como marcos de uma vertigem social e de uma alienação colectiva que o poeta traz para a sua poesia num sentido meramente crítico e purgativo. A par destas expurgações, o sexo, o álcool, a música, aparecem enquanto metáforas vivas e vividas de uma vontade de escapar ao que se julga ser o fado alienante da maioria dos portugueses. A existir uma poesia pop, esta é uma poesia punk. E, tal como no género que os The Sex Pistols imortalizaram, a música é a da celebração da guerrilha, da vontade, do motim, do desvio enquanto caminho possível, enquanto fuga possível, enquanto atalho para uma vida menos morta ou, se quiserem, para uma morte mais vivida. Um poema mais longo, A Ilíada de Velvet, assim como os exercícios em prosa automática intitulados Borboletas, Ode a Jim Morrison, Satã Comeu a Cortesã e O Meu Reino Não É, ou mesmo os dois apontamentos micronarrativos Rock N’ Roll e A Valsa da Elsa, são textos paradigmáticos dessa postura que uns considerarão antipoética, outros julgarão gratuita, alguns tenderão a classificar de panfletária. Quanto a mim, prefiro ver nestes cantos um grito espontâneo, um ruído que nos aproxima daquela loucura que nos salva da normalidade, a atrofiante normalidade dos dias. Prefiro ver nestes cantos, e na voz escalavrada do poeta, um alívio instintivo. Este é, sem dúvida, o livro de um poeta a mijar, de um poeta a aliviar-se dos detritos agressivos que o enchem, incham, infectam no decorrer dos dias. Não é um livro simples como possa parecer. Nenhum livro é simples como parece. É um livro informal, onde a experiência aparece incorporada numa mescla de denúncia, teatro grotesco e eucaristia festivaleira. Não é mais um livro com um programa satírico, de escárnio e mal dizer, não é irónico nem deixa de o ser, não é diurético e, mesmo que possa relevar inclinação abjeccionista, não é de carimbar com ismos e de colocar nas prateleiras ao lado das centenas de livros classificados e classificáveis que diariamente chegam às livrarias. Porque este é, sem dúvida, o livro de Um Poeta a Mijar: «O poeta dirige-se à casa de banho e mija / Sim, porque os poetas também mijam e cagam / Não passam a vida a escrever versos e a apurá-los / Não passam a vida a fazer horas / E a aturar chatos no café / Não andam sempre a micar as meninas / para lhes oferecer poemas / Com fins libidinosos. // O poeta dirige-se à casa de banho e mija» (p. 36).
há três dias que não durmo
a depressão parece ter passado finalmente
e lá continuo eu a falar de mim
lá continuo eu na onda auto-destrutiva
lá continuo eu atrás da loucura
fez-me bem ter estado em Braga com a Goreti
aquela miúda consegue curar-me
há poemas que não devem ser ditos em voz alta
se não parece que estamos no psiquiatra
O AMOR
os amigos dizem que eu só escrevo sobre mim
que eu só vomito poemas sobre mim
que ando com o ego inflamado
os amigos existem
tal como os bêbados e as flores
tal como os fofoqueiros pagos da tarde
tal como o Cristo e o amor
sim, o amor
que eu sinto por ti
o amor que eleva
o amor para lá dos políticos
o amor para lá dos partidos
sim, o amor
essa coisa
que me tira da merda
essa coisa
que queima como o whisky
essa coisa
que desarma
e me despe de vaidades
que vem ter comigo quando choras
que vem ter comigo quando ris
e me dizes para parar de beber
o amor
o amor
essa coisa
essa coisa
essa coisa...
quarta-feira, 6 de agosto de 2008
DO ESPÍRITO LIVRE
Há editores que rejeitam os meus escritos
e tu vens-me falar da vida prática
da inadaptação ao mundo do trabalho
do suor no rosto
há pessoas amáveis nesta terra
pessoas que nos respeitam
mesmo desconhecendo a nossa pretensa ocupação
há um lado do ser humano, de alguns seres humanos,
que me agrada
o espírito
o espírito livre
mas depois vêm sempre o dinheirinho e a sobrevivência
a mesquinhez do espectáculo e da mercadoria
e está tudo fodido
está tudo fodido, minha rica
vou dedicar-me à minha arte
mesmo que os editores me rejeitem
vou até às profundezas de mim mesmo
ao âmago
ao lago
à origem
vou arrancar de mim a coisa
não sei quantos anos viverei mais
mas quero a vida autêntica
não esta merda
não esta merda que nos vendem
esta merda que nos entra pelos cornos acima
não estou armado em messias
não estou armado em profeta
apenas digo:
há outra via,
a via do espírito livre, criador
que está dentro de nós
esta é a minha filosofia.
Braga, 4.8.2008
e tu vens-me falar da vida prática
da inadaptação ao mundo do trabalho
do suor no rosto
há pessoas amáveis nesta terra
pessoas que nos respeitam
mesmo desconhecendo a nossa pretensa ocupação
há um lado do ser humano, de alguns seres humanos,
que me agrada
o espírito
o espírito livre
mas depois vêm sempre o dinheirinho e a sobrevivência
a mesquinhez do espectáculo e da mercadoria
e está tudo fodido
está tudo fodido, minha rica
vou dedicar-me à minha arte
mesmo que os editores me rejeitem
vou até às profundezas de mim mesmo
ao âmago
ao lago
à origem
vou arrancar de mim a coisa
não sei quantos anos viverei mais
mas quero a vida autêntica
não esta merda
não esta merda que nos vendem
esta merda que nos entra pelos cornos acima
não estou armado em messias
não estou armado em profeta
apenas digo:
há outra via,
a via do espírito livre, criador
que está dentro de nós
esta é a minha filosofia.
Braga, 4.8.2008
ESPÍRITO
O espírito. É verdadeiramente isso que importa. Não as condições materiais, não o trabalho, mas o que está no fundo de nós, o que faz de nós homens.
LIVROS
Há livros que nos elevam, que nos dão a volta à cabeça. "Memórias de um Alcoólico" de Jack London é um deles. Estou a relê-lo.
sábado, 2 de agosto de 2008
DECLARAÇÃO DE AMOR AO PRIMEIRO-MINISTRO
Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro, A. Pedro Ribeiro
2 comentário(s) por Claudia Sousa Dias a 1.8.08
Tendo nascido no Porto, em 1968, A. Pedro Ribeiro vive actualmente em Vila do Conde.
Num acto de protesto contra os valores preconizados pela sociedade de consumo, marcada pelo materialismo e pela superficialidade, o autor decide anunciar a sua candidatura à Presidência da república, em 2005, «para abanar consciências e reclamar lugar para a liberdade mais absoluta» (sic).
Antes da publicação da obra supracitada, em Julho de 2005, A. Pedro Ribeiro tinha também publicado o Manifesto dos 37 o qual se torna emblemático por definir os objectivos e o padrão de escrita de A. Pedro Ribeiro.
«Aos 37 anos José Mário Branco escreveu o FMI. Aos 37 anos apetece-me dizer com os situacionistas que nada queremos de um mundo no qual a garantia de não morrer de fome, se troca pelo risco de morrer de tédio (citando Raoul Vaneigem in A Arte de Viver para a Geração Nova).
«Apetece-me dizer com André Breton que a ideia da Revolução é a melhor e a mais eficaz na salvaguarda do indivíduo (in La Révolution Surrealiste nº 4). Apetece-me estar com a subversão. Com a crítica radical à ditadura do consumível, da mercadoria, do quantitativo, do défice. Apetece-me estar do lado da liberdade, da liberdade absoluta, contra a ilusão da liberdade de compra e venda, da sobrevivência, da “sobrevida” que substitui a vida, do quotidiano insuportável, do tédio.
«Apetece-me estar com os poetas malditos. Com Rimbaud, com Baudelaire, com Nietzsche, com Sade, com Lautréamont, a infernizar tudo quanto é direitinho, conforme as normas, castração.
«(…) Apetece-me dizer que acredito na poesia e no amor, como formas subversivas. Que acredito em actos provocatórios, em agitações espontâneas que ridicularizam o instituído, no terrorismo político. Que a criatividade é o último reduto da rebelião.»
As duas epígrafes, que servem de introdução ao livro, denunciam a orientação do conteúdo, onde é exposta a rapacidade de uma classe detentora do poder para a qual o homem figura apenas um agente de produção:
«Os valores do mercado, a rentabilidade, o lucro, a eficácia dominam por todo o lado e substituem tudo o resto. Orientam as decisões dos governos, dirigem o funcionamento das famílias, impõem-se na escola, reinam nos media. Uma pessoa só será admitida para ocupar um lugar na sociedade se estiver apta a produzir e a comprar.»
Subcomandante Marcos EZLN
E também que:
«Estamos num tempo dos relojoeiros. O imperativo económico converte cada homem num cronómetro vivo, com o sinal distintivo no punho.»
Raoul Vaneigem in A Arte de Viver para a Geração Nova
A provocação inteligente e calculada de A. Pedro Ribeiro que, amiúde, o aproxima da ousadia vulcânica de Mário Cesariny ou da deliciosa e oportuna inconveniência de Luiz Pacheco, está presente em quase todos os poemas da obra, sendo estas características especialmente notórias na "Ode ao sacrifício ou Manifesto Autárquico para a Póvoa de Varzim", onde se destaca um impressionante jogo de ideias, implícitas e explícitas, criado pelo violento contraste entre o discurso judaico-cristão dos primeiros quatro versos a colidir com um discurso frontalmente boémio, nos versos seguintes. Um verdadeiro xadrez de palavras e ideias a formar um autêntico vórtice verbal, cujo ritmo binário acentua o sarcasmo, eternamente presente na voz do Poeta.
A alternância entre o racional e o emocional coloca em evidência a ira de quem enxerga nos detentores de poder o expoente máximo da hipocrisia, de quem pretende fazer passar a mensagem de que se preocupa com as classes mais desfavorecidas, no sentido de conseguir o voto, e cujo verdadeiro rosto se manifesta no cinismo vampírico de quem suga o sangue dos mesmos eleitores – os quais como que formam uma casta à parte – até ficarem exangues, com cintos tão apertados (até ao último furo ou já com furos extras) como os espartilhos usados pelas mulheres até à primeiras décadas do século XX.
Senão vejamos:
O Presidente da República ama-nos
O primeiro-ministro sacrifica-se por nós
Sacrificai-vos vós também
E será vosso o reino dos céus
E continua…
O poeta Ulisses recebe o rendimento mínimo
Paga-me copos
E já não vende poemas nos cafés
…com a voz que denuncia como se calam as vozes dos poetas, com a esmola que lhes sacia o estômago, enquanto que aqueles que não se calam têm de continuar a vender os poemas pelos cafés para não morrer de fome.
O autor prossegue com a voz de trombeta do juízo final ao perseguir o objectivo de derrubar muros e silêncios de conveniências, ao vomitar palavras incómodas e ao acreditar na revelação da contradições de uma sociedade economicista, na qual coexistem fenómenos como o decretar da caça à pornografia na Internet com os lucrativos anúncios de prostituição, consentidos e perfeitamente legalizados na imprensa e na televisão. Em suma, trata-se de colocar a nu a prostituição dos estados e dos media. No lugar da Utopia, onde descrença no futuro prossegue a par da crença na religião da liberdade do Amor e do Prazer.
Pedro Ribeiro, um poeta ainda na semi-obscuridade, mas que já se afigura como o Dionysos da geração dos novos poetas.
por Claudia Sousa Dias
Etiquetas A. Pedro Ribeiro, Crítica
2 comentário(s) por Claudia Sousa Dias a 1.8.08
Tendo nascido no Porto, em 1968, A. Pedro Ribeiro vive actualmente em Vila do Conde.
Num acto de protesto contra os valores preconizados pela sociedade de consumo, marcada pelo materialismo e pela superficialidade, o autor decide anunciar a sua candidatura à Presidência da república, em 2005, «para abanar consciências e reclamar lugar para a liberdade mais absoluta» (sic).
Antes da publicação da obra supracitada, em Julho de 2005, A. Pedro Ribeiro tinha também publicado o Manifesto dos 37 o qual se torna emblemático por definir os objectivos e o padrão de escrita de A. Pedro Ribeiro.
«Aos 37 anos José Mário Branco escreveu o FMI. Aos 37 anos apetece-me dizer com os situacionistas que nada queremos de um mundo no qual a garantia de não morrer de fome, se troca pelo risco de morrer de tédio (citando Raoul Vaneigem in A Arte de Viver para a Geração Nova).
«Apetece-me dizer com André Breton que a ideia da Revolução é a melhor e a mais eficaz na salvaguarda do indivíduo (in La Révolution Surrealiste nº 4). Apetece-me estar com a subversão. Com a crítica radical à ditadura do consumível, da mercadoria, do quantitativo, do défice. Apetece-me estar do lado da liberdade, da liberdade absoluta, contra a ilusão da liberdade de compra e venda, da sobrevivência, da “sobrevida” que substitui a vida, do quotidiano insuportável, do tédio.
«Apetece-me estar com os poetas malditos. Com Rimbaud, com Baudelaire, com Nietzsche, com Sade, com Lautréamont, a infernizar tudo quanto é direitinho, conforme as normas, castração.
«(…) Apetece-me dizer que acredito na poesia e no amor, como formas subversivas. Que acredito em actos provocatórios, em agitações espontâneas que ridicularizam o instituído, no terrorismo político. Que a criatividade é o último reduto da rebelião.»
As duas epígrafes, que servem de introdução ao livro, denunciam a orientação do conteúdo, onde é exposta a rapacidade de uma classe detentora do poder para a qual o homem figura apenas um agente de produção:
«Os valores do mercado, a rentabilidade, o lucro, a eficácia dominam por todo o lado e substituem tudo o resto. Orientam as decisões dos governos, dirigem o funcionamento das famílias, impõem-se na escola, reinam nos media. Uma pessoa só será admitida para ocupar um lugar na sociedade se estiver apta a produzir e a comprar.»
Subcomandante Marcos EZLN
E também que:
«Estamos num tempo dos relojoeiros. O imperativo económico converte cada homem num cronómetro vivo, com o sinal distintivo no punho.»
Raoul Vaneigem in A Arte de Viver para a Geração Nova
A provocação inteligente e calculada de A. Pedro Ribeiro que, amiúde, o aproxima da ousadia vulcânica de Mário Cesariny ou da deliciosa e oportuna inconveniência de Luiz Pacheco, está presente em quase todos os poemas da obra, sendo estas características especialmente notórias na "Ode ao sacrifício ou Manifesto Autárquico para a Póvoa de Varzim", onde se destaca um impressionante jogo de ideias, implícitas e explícitas, criado pelo violento contraste entre o discurso judaico-cristão dos primeiros quatro versos a colidir com um discurso frontalmente boémio, nos versos seguintes. Um verdadeiro xadrez de palavras e ideias a formar um autêntico vórtice verbal, cujo ritmo binário acentua o sarcasmo, eternamente presente na voz do Poeta.
A alternância entre o racional e o emocional coloca em evidência a ira de quem enxerga nos detentores de poder o expoente máximo da hipocrisia, de quem pretende fazer passar a mensagem de que se preocupa com as classes mais desfavorecidas, no sentido de conseguir o voto, e cujo verdadeiro rosto se manifesta no cinismo vampírico de quem suga o sangue dos mesmos eleitores – os quais como que formam uma casta à parte – até ficarem exangues, com cintos tão apertados (até ao último furo ou já com furos extras) como os espartilhos usados pelas mulheres até à primeiras décadas do século XX.
Senão vejamos:
O Presidente da República ama-nos
O primeiro-ministro sacrifica-se por nós
Sacrificai-vos vós também
E será vosso o reino dos céus
E continua…
O poeta Ulisses recebe o rendimento mínimo
Paga-me copos
E já não vende poemas nos cafés
…com a voz que denuncia como se calam as vozes dos poetas, com a esmola que lhes sacia o estômago, enquanto que aqueles que não se calam têm de continuar a vender os poemas pelos cafés para não morrer de fome.
O autor prossegue com a voz de trombeta do juízo final ao perseguir o objectivo de derrubar muros e silêncios de conveniências, ao vomitar palavras incómodas e ao acreditar na revelação da contradições de uma sociedade economicista, na qual coexistem fenómenos como o decretar da caça à pornografia na Internet com os lucrativos anúncios de prostituição, consentidos e perfeitamente legalizados na imprensa e na televisão. Em suma, trata-se de colocar a nu a prostituição dos estados e dos media. No lugar da Utopia, onde descrença no futuro prossegue a par da crença na religião da liberdade do Amor e do Prazer.
Pedro Ribeiro, um poeta ainda na semi-obscuridade, mas que já se afigura como o Dionysos da geração dos novos poetas.
por Claudia Sousa Dias
Etiquetas A. Pedro Ribeiro, Crítica
sexta-feira, 1 de agosto de 2008
ENCERRAMENTO DO "PRIMEIRO DE JANEIRO" É ILEGAL
Encerramento de “O Primeiro de Janeiro” é ilegal
O Sindicato dos Jornalistas (SJ) considera ilegal o encerramento de “O Primeiro de Janeiro” e vai solicitar a intervenção imediata da Inspecção do Trabalho.
Em comunicado divulgado hoje, 31 de Julho, logo após os trabalhadores terem sido informados do fecho do jornal, o SJ alerta os mais de 30 jornalistas e restantes trabalhadores afectados para o facto de que a administração do matutino portuense não pode “encerrar simplesmente as portas e mandar para casa os trabalhadores ao seu serviço, sem ter encetado um processo que respeite as normas legais e acautele os seus direitos e garantias”. O SJ, que vai pedir a intervenção imediata das autoridades competentes, apela aos jornalistas para que “não abandonem os seus postos de trabalho e para que continuem a comparecer na Redacção (sob pena de caírem na armadilha do despedimento por faltas injustificadas!), lutando pelos seus direitos e pela viabilização do jornal”.
É o seguinte o texto, na íntegra, do Comunicado do SJ:
SJ repudia encerramento ilegal de “O Primeiro de Janeiro”
1. A Direcção do Sindicato dos Jornalistas (SJ) repudia o encerramento ilegal de “O Primeiro de Janeiro” e o despedimento abusivo de mais de 30 jornalistas e outros quatro trabalhadores ao seu serviço, bem como um verdadeiro “lock-out” traduzido na mudança de fechaduras das instalações realizada pouco depois da comunicação do encerramento.
2. A comunicação foi feita hoje verbalmente pela directora do jornal, sem que a Administração tenha tido a coragem de comparecer perante os trabalhadores a dar-lhes quaisquer explicações e garantias formais acerca dos seus direitos.
3. A comunicação culmina um período dramático de várias semanas de expectativas quanto ao futuro do jornal e de longos meses de atraso no pagamento dos salários, sem que a Administração tenha dado uma palavra aos trabalhadores, colocando injustamente sobre os ombros da directora a incumbência de acalentar esperanças na continuidade do título.
4. Na comunicação feita esta tarde, a directora limitou-se a informar que o jornal encerra e que os trabalhadores vão todos embora, a fim de que, segundo justificou, seja accionado o fundo de garantia salarial. Mas a verdade é que este processo está longe de ser assim tão simples. Com efeito, tal fundo só pode ser accionado se a empresa for apresentada à insolvência ou tiver sido iniciado um procedimento de conciliação junto do IAPMEI.
5. A empresa não pode assim encerrar simplesmente as portas e mandar para casa os trabalhadores ao seu serviço, sem ter encetado um processo que respeite as normas legais e acautele os seus direitos e garantias, e sobretudo sem discutir com todos os dados as condições para viabilizar o título.
6. Nesta conformidade, o Sindicato apela aos jornalistas para que não abandonem os seus postos de trabalho e para que continuem a comparecer na Redacção (sob pena de caírem na armadilha do despedimento por faltas injustificadas!), lutando pelos seus direitos e pela viabilização do jornal.
7. O SJ vai solicitar a intervenção imediata da Inspecção do Trabalho, bem como uma reunião com a Administração com carácter de urgência.
Lisboa, 31 de Julho de 2008
A Direcção
O Sindicato dos Jornalistas (SJ) considera ilegal o encerramento de “O Primeiro de Janeiro” e vai solicitar a intervenção imediata da Inspecção do Trabalho.
Em comunicado divulgado hoje, 31 de Julho, logo após os trabalhadores terem sido informados do fecho do jornal, o SJ alerta os mais de 30 jornalistas e restantes trabalhadores afectados para o facto de que a administração do matutino portuense não pode “encerrar simplesmente as portas e mandar para casa os trabalhadores ao seu serviço, sem ter encetado um processo que respeite as normas legais e acautele os seus direitos e garantias”. O SJ, que vai pedir a intervenção imediata das autoridades competentes, apela aos jornalistas para que “não abandonem os seus postos de trabalho e para que continuem a comparecer na Redacção (sob pena de caírem na armadilha do despedimento por faltas injustificadas!), lutando pelos seus direitos e pela viabilização do jornal”.
É o seguinte o texto, na íntegra, do Comunicado do SJ:
SJ repudia encerramento ilegal de “O Primeiro de Janeiro”
1. A Direcção do Sindicato dos Jornalistas (SJ) repudia o encerramento ilegal de “O Primeiro de Janeiro” e o despedimento abusivo de mais de 30 jornalistas e outros quatro trabalhadores ao seu serviço, bem como um verdadeiro “lock-out” traduzido na mudança de fechaduras das instalações realizada pouco depois da comunicação do encerramento.
2. A comunicação foi feita hoje verbalmente pela directora do jornal, sem que a Administração tenha tido a coragem de comparecer perante os trabalhadores a dar-lhes quaisquer explicações e garantias formais acerca dos seus direitos.
3. A comunicação culmina um período dramático de várias semanas de expectativas quanto ao futuro do jornal e de longos meses de atraso no pagamento dos salários, sem que a Administração tenha dado uma palavra aos trabalhadores, colocando injustamente sobre os ombros da directora a incumbência de acalentar esperanças na continuidade do título.
4. Na comunicação feita esta tarde, a directora limitou-se a informar que o jornal encerra e que os trabalhadores vão todos embora, a fim de que, segundo justificou, seja accionado o fundo de garantia salarial. Mas a verdade é que este processo está longe de ser assim tão simples. Com efeito, tal fundo só pode ser accionado se a empresa for apresentada à insolvência ou tiver sido iniciado um procedimento de conciliação junto do IAPMEI.
5. A empresa não pode assim encerrar simplesmente as portas e mandar para casa os trabalhadores ao seu serviço, sem ter encetado um processo que respeite as normas legais e acautele os seus direitos e garantias, e sobretudo sem discutir com todos os dados as condições para viabilizar o título.
6. Nesta conformidade, o Sindicato apela aos jornalistas para que não abandonem os seus postos de trabalho e para que continuem a comparecer na Redacção (sob pena de caírem na armadilha do despedimento por faltas injustificadas!), lutando pelos seus direitos e pela viabilização do jornal.
7. O SJ vai solicitar a intervenção imediata da Inspecção do Trabalho, bem como uma reunião com a Administração com carácter de urgência.
Lisboa, 31 de Julho de 2008
A Direcção
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