sábado, 2 de agosto de 2008

DECLARAÇÃO DE AMOR AO PRIMEIRO-MINISTRO

Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro, A. Pedro Ribeiro
2 comentário(s) por Claudia Sousa Dias a 1.8.08
Tendo nascido no Porto, em 1968, A. Pedro Ribeiro vive actualmente em Vila do Conde.



Num acto de protesto contra os valores preconizados pela sociedade de consumo, marcada pelo materialismo e pela superficialidade, o autor decide anunciar a sua candidatura à Presidência da república, em 2005, «para abanar consciências e reclamar lugar para a liberdade mais absoluta» (sic).

Antes da publicação da obra supracitada, em Julho de 2005, A. Pedro Ribeiro tinha também publicado o Manifesto dos 37 o qual se torna emblemático por definir os objectivos e o padrão de escrita de A. Pedro Ribeiro.

«Aos 37 anos José Mário Branco escreveu o FMI. Aos 37 anos apetece-me dizer com os situacionistas que nada queremos de um mundo no qual a garantia de não morrer de fome, se troca pelo risco de morrer de tédio (citando Raoul Vaneigem in A Arte de Viver para a Geração Nova).

«Apetece-me dizer com André Breton que a ideia da Revolução é a melhor e a mais eficaz na salvaguarda do indivíduo (in La Révolution Surrealiste nº 4). Apetece-me estar com a subversão. Com a crítica radical à ditadura do consumível, da mercadoria, do quantitativo, do défice. Apetece-me estar do lado da liberdade, da liberdade absoluta, contra a ilusão da liberdade de compra e venda, da sobrevivência, da “sobrevida” que substitui a vida, do quotidiano insuportável, do tédio.

«Apetece-me estar com os poetas malditos. Com Rimbaud, com Baudelaire, com Nietzsche, com Sade, com Lautréamont, a infernizar tudo quanto é direitinho, conforme as normas, castração.

«(…) Apetece-me dizer que acredito na poesia e no amor, como formas subversivas. Que acredito em actos provocatórios, em agitações espontâneas que ridicularizam o instituído, no terrorismo político. Que a criatividade é o último reduto da rebelião.»

As duas epígrafes, que servem de introdução ao livro, denunciam a orientação do conteúdo, onde é exposta a rapacidade de uma classe detentora do poder para a qual o homem figura apenas um agente de produção:

«Os valores do mercado, a rentabilidade, o lucro, a eficácia dominam por todo o lado e substituem tudo o resto. Orientam as decisões dos governos, dirigem o funcionamento das famílias, impõem-se na escola, reinam nos media. Uma pessoa só será admitida para ocupar um lugar na sociedade se estiver apta a produzir e a comprar.»

Subcomandante Marcos EZLN

E também que:

«Estamos num tempo dos relojoeiros. O imperativo económico converte cada homem num cronómetro vivo, com o sinal distintivo no punho.»

Raoul Vaneigem in A Arte de Viver para a Geração Nova

A provocação inteligente e calculada de A. Pedro Ribeiro que, amiúde, o aproxima da ousadia vulcânica de Mário Cesariny ou da deliciosa e oportuna inconveniência de Luiz Pacheco, está presente em quase todos os poemas da obra, sendo estas características especialmente notórias na "Ode ao sacrifício ou Manifesto Autárquico para a Póvoa de Varzim", onde se destaca um impressionante jogo de ideias, implícitas e explícitas, criado pelo violento contraste entre o discurso judaico-cristão dos primeiros quatro versos a colidir com um discurso frontalmente boémio, nos versos seguintes. Um verdadeiro xadrez de palavras e ideias a formar um autêntico vórtice verbal, cujo ritmo binário acentua o sarcasmo, eternamente presente na voz do Poeta.

A alternância entre o racional e o emocional coloca em evidência a ira de quem enxerga nos detentores de poder o expoente máximo da hipocrisia, de quem pretende fazer passar a mensagem de que se preocupa com as classes mais desfavorecidas, no sentido de conseguir o voto, e cujo verdadeiro rosto se manifesta no cinismo vampírico de quem suga o sangue dos mesmos eleitores – os quais como que formam uma casta à parte – até ficarem exangues, com cintos tão apertados (até ao último furo ou já com furos extras) como os espartilhos usados pelas mulheres até à primeiras décadas do século XX.

Senão vejamos:

O Presidente da República ama-nos
O primeiro-ministro sacrifica-se por nós
Sacrificai-vos vós também
E será vosso o reino dos céus

E continua…

O poeta Ulisses recebe o rendimento mínimo
Paga-me copos
E já não vende poemas nos cafés

…com a voz que denuncia como se calam as vozes dos poetas, com a esmola que lhes sacia o estômago, enquanto que aqueles que não se calam têm de continuar a vender os poemas pelos cafés para não morrer de fome.

O autor prossegue com a voz de trombeta do juízo final ao perseguir o objectivo de derrubar muros e silêncios de conveniências, ao vomitar palavras incómodas e ao acreditar na revelação da contradições de uma sociedade economicista, na qual coexistem fenómenos como o decretar da caça à pornografia na Internet com os lucrativos anúncios de prostituição, consentidos e perfeitamente legalizados na imprensa e na televisão. Em suma, trata-se de colocar a nu a prostituição dos estados e dos media. No lugar da Utopia, onde descrença no futuro prossegue a par da crença na religião da liberdade do Amor e do Prazer.

Pedro Ribeiro, um poeta ainda na semi-obscuridade, mas que já se afigura como o Dionysos da geração dos novos poetas.


por Claudia Sousa Dias

Etiquetas A. Pedro Ribeiro, Crítica

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