domingo, 31 de agosto de 2008

DO ARTUR QUEIROZ

Luanda, em silêncio ante a madrugada. Agosto de 2008.


Confissões do Trovador que Comia Versos

Eu subi a montanha até ao último degrau do cansaço
Naveguei por mares encapelados até à náusea do naufrágio
Amei mulheres de cetim e veludo nos bordéis da Ilha dos Kamundongos
Voei rente à massambala nas imensas chanas alagadas das terras do fim do mundo
Escrevi poemas nocturnos e trovas dolorosas aos amantes segregados
Fui escorraçado e apedrejado pelas trupes de mendigos
Que se acotovelavam às portas do palácio para bendizerem o seu pedaço de fome.
Fui agredido e espezinhado pelos soldados armados de tratados de paz
E cheguei a casa de mãos vazias e olhos macerados.
Eu amei sem saber porque amava e enforquei os mitos sem saber que me libertava.
Fui saltimbanco no teatro dos bonifrates e artista de variedades nos salões reais.
Perdi o rumo no Morro das Pedras e naufraguei nas águas barrentas do Dande
Que escondiam jacarés e a nossa infinita mágoa dos mortos do Bindo.
Beijei a mão de princesas e os pés de amantes em brasa
Acariciei corpos em flor corpos sem dor esvaídos em prazer
Beijei o sal que a maresia libertou comi a terra que o meu pai conquistou
Esbanjei heranças e alegrias mesmo sabendo que perderia na roleta do dia
Vi a morte como quem escapa com sorte vi a tristeza no voo solitário da águia.
Fui a Creta saber de ti e apenas encontrei algas e rochedos saudosos de Ulisses
Andei no deserto à procura de um cemitério onde enterrar os meus mortos
Nem cemitério nem deserto nem os despojos humanos que suplicam pela morte
Apenas o gado sequioso e a poeira que esconde o horizonte
E de repente as montanhas que se fenderam às portas da Baía da Lucira.
Pensas que o último degrau da montanha é o ninho da solidão?
Ainda não viste os destroços de sonâmbulos que atravessam a noite dos kazumbis.
Verás mais tarde como morrem as noites e que punhais temos cravados no peito
Mesmo quando sangram pétalas de amor dos corações de papel.
Meu amor como me tarda a última jornada e como é breve o leito dos amantes!

Artur Queiroz

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