quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

NOTAS E MOEDAS

Apesar de tudo prefiro as moedas às notas. As moedas- posso tocá-las, apalpá-las, sentir-lhes o peso. As notas- são só pedaços de papel que se trocam com um número inscrito, são uma convenção. Não têm peso, não têm valor nenhum. É como se se trocassem folhas de papel higiénico. É a mesma coisa. É por isso que isso do dinheiro e da vida em função do dinheiro é completamente absurdo. Não faz sentido absolutamente nenhum.

domingo, 27 de janeiro de 2013

SOU QUEM SOU

Tenho um nome. É certo. Tenho um nome. Em certos meios não sou um desconhecido. Até me dá um certo prazer passar despercebido aqui na aldeia. Continuo a ser o estudioso que vem para o café ler e escrever. No fundo, o que me dá mais gozo é o acto de pensar. Não compreendo tudo. Há escritos que continuam a ser demasiado herméticos para mim. Contudo, gosto realmente de pensar, de interrogar o mundo. Sempre gostei de compreender as coisas, de descobrir o sentido da vida. Por isso estou aqui. Não por causa do dinheiro, não por causa do ganhar a vida. Estou cá também por causa do amor, por causa da liberdade. Não por causa de imbecis incapazes de uma ideia nova, de elevação, de luz. Antes só do que ter de ouvir certas coisas, antes só do que ter de aturar certas coisas. Antes só e construir o meu mundo. Sim, foi esta a via que realmente escolhi há 27 anos ou mais. Não sou do pimba. Não sou do menor. Não os suporto. Antes morrer, antes desaparecer, antes enlouquecer. É como certos (muitos) empregos. Aturar chefes, horários, intrigas, controleiros. Não, querida, não sou deles. Nunca fui. Não os suporto. Tenho o direito de ser quem sou. Sigo o meu caminho. Não tenho de me sacrificar por coisa nenhuma. Trabalho no que quero e quando quero. Sou quem sou. Tornei-me naquele sou, definitivamente. Não tenho obrigações. Não tenho que aturar imbecis. Nunca mais.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

PRIMA-DONA

Sou obrigado a acreditar na revolução. Há as questões pessoais, claro, mas em mim tudo está ligado à liberdade, à revolução, à emancipação. Tudo passa pela ultrapassagem de mim próprio. Pelo animal de palco que é rei, que é senhor, que vai até Deus e para lá de Deus. No fundo, sou a prima-dona. Sempre fui, desde a infância. Não vim ao mundo para trabalhar, para me sacrificar, para me mortificar. Ouço-te, Jim Morrison, no Ceuta. "Strange Days". Vem para mim, dama. Tenho de acreditar. Mas também se dissesse tudo hoje o mundo acabava hoje. O mundo não vai acabar hoje. O mundo não vai acabar esta noite, menino. Não tens nada a perder, menino. És louco. Consegues ser absolutamente louco e absolutamente lúcido. É nisso que és bom, é nisso que és diferente, menino. És do excesso. És de Blake e de Nietzsche. Porque te amo, ó eternidade.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

LIVRO DO MÊS DE JANEIRO

"Nietzsche, Jim Morrison, Henry Miller, os mercados e outras conversas" de A. Pedro Ribeiro



De uma das suas prateleiras, a Biblioteca da CasaViva destaca um livro mensal e, a propósito, pretende animar leituras colectivas, debates, conversas com autores.

Este mês o livro que saltou da prateleira é de um amigo da casa: A. Pedro. Ribeiro. Alinhou num serão de letra, dia 29 de Janeiro de 2013, às 21h30. Traz Nietzsche, Jim Morrison, Henry Miller. Falará de mercados, terá outras conversas.



A. P. Ribeiro é um poeta/escritor já bem conhecido da CasaViva. A cada verso seu que passa, o espírito crítico do ouvinte é aguçado e, de novo, surpreendido, revelando-se ora num sorriso mais tímido ora numa gargalhada "dionisíaca". Agora, em forma de "prosa num tom profético", como o próprio autor reclama, traz-nos "Nietzsche, Jim Morrison, Henry Miller, os mercados e outras conversas".

Recorrendo aqui e ali a citações destes e doutros autores, é com uma agradável sensação de ritmo e cadência, à semelhança de um poema, que percorremos as folhas e as letras deste livro. Temos total liberdade de o fazer a partir do meio, de trás para a frente, ou simplesmente porque hoje o livro se abriu nesta página. Os diferentes e inúmeros textos vivem bem sós, mas também se complementam.

Se em "os mercados" encontramos um forte espírito crítico à sociedade consumista e ao sistema capitalista em que o mundo está absorvido; uma reflexão contundente sobre a vida, a ideia de liberdade, de escravidão, de mercados e capitais opressores...; é em "e outras conversas" que percebemos melhor quem é A. P. Ribeiro e como lida com os aspectos presentes em "os mercados". Esta separação é feita mentalmente, dado que o livro não a apresenta fisicamente.

Uma compilação de escritos que saíram principalmente no "A Voz da Póvoa", uma mensagem que se pretende passar, em forma de missão, e que é perceptível logo que o começamos a folhear. Salta à vista esse tom profético e faz lembrar, em parte, o último livro do padre Mário de Oliveira, "O Livro dos SALMOS, Versão Terceiro Milénio, Também Para Ateus", que foi apresentado recentemente na casaviva.

Não se é, por isso, surpreendido quando, no meio de alguns textos, se encontra a referência ao Jesus do padre Mário ou a alguns dos seus livros ou principais aspectos.

Aconselha-se vivamente esta leitura, mais não seja para percebermos que não estamos sós e que há mais gente que quer uma revolução contra a religião do capitalismo e o seu respectivo Deus, o dinheiro.


segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

CONTRA A MÁQUINA

Há os que estão irremediavelmente perdidos para a vida. Eu questiono. Eu desmonto a máquina tanto quanto me é possível desmontá-la. Não percebo nada de mercados nem de finanças mas sei que esse é o mundo que nos sufoca, que reduz o homem ao gélido, ao entediante, ao mecânico. Sei que não nasci para isso. Vim para me realizar, para desenvolver as minhas potencialidades, para criar. Vim para pensar, para puxar pela cabeça mas também para intervir no mundo. Mas para pensar convenientemente tenho de ter a mente liberta de contaminações. Daí que tenha de me afastar da TV dominante, da máquina. Daí que vá de encontro ao amor e à poesia. Há muito que me deixei de americanices. Há muito que coloquei certos venenos de lado. Vejo nos meus semelhantes o desejo de ganhar. Eu não vim para ganhar nada. Não vim para competir nem para ganhar taças. Vim, como dizia Jim Morrison, para performear a minha arte e para completar ou perfectibilizar a minha vida. Vim enriquecer-me, vim aumentar a minha alma. Não penso só na próxima refeição, como muitos fazem. Por isso leio, estudo, escrevo, recito. Não faz sentido vir ao mundo para estar permanentemente preocupado com o dinheiro e com a próxima refeição. É preciso desfrutar, é preciso gozar, é preciso celebrar. Para tal não são necessárias grandes viagens. Às vezes bastam as viagens interiores. O diálogo que mantemos connosco próprios, como dizia Henry Miller.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A POESIA ANDA NO AR...





A. Pedro Ribeiro é o poeta convidado do evento "A poesia anda no ar..." que vai ter lugar no próximo sábado, 12 de Janeiro de 2013, pelas 16h, na Casa da Cultura de Paranhos, no Porto.
Eis o plano do evento:



Convidamos quem sabe dizer, ler ou interpretar a poesia que se escreve em língua portuguesa.

Organização conjunta: Eduardo Roseira, Lourdes dos Anjos, Casa da Cultura de Paranhos

12 JANEIRO 2013 – António Pedro Ribeiro
2 FEVEREIRO 2013 – Fernando Campos de Castro
2 MARÇO 2013 – Amílcar Mendes
6 ABRIL 2013 – Alzira Santos
4 MAIO 2013 – Lourdes dos Anjos
1 JUNHO 2013 – Ana Almeida Santos
6 JULHO 2013 – Conceição Bernardino e TODOS os convidados dos meses anteriores.

Estão todos convidados! Não se esqueçam de tomar nota na vossa Agenda Cultural


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

"FORA DA LEI" SEGUNDO ALEXANDRE TEIXEIRA MENDES



António Pedro Ribeiro: individualismo revolucionário, xamanismo e u-topia


De entre os últimos livros de António Pedro Ribeiro, merece ser especialmente citado “Fora da Lei” (e-ditora, Braga, Dezembro de 2012), um poemário miscelânea- iconoclasta que inclui um CD com gravações (recitações) do autor e diseur (ao longo do ano corrente). Todos estaremos de acordo em que estas páginas se inscrevem no quadro de uma escrita testemunho assente em esquemas e fórmulas composicionais pré-estabelecidas - jogos enunciativos - temáticas de teor auto-biográfico (no seu contexto preciso: o domínio dos “fantasmas” pessoais). “Combato os demónios/como Horderlin, Kleist, Nietzsche/vou até ao infinito” (p.30). Desta escrita, segundo o quadro poético-base dos fluxos mentais e da errância - habitual e constante - de ser e ser algo – singular e próprio - das combinações múltiplas – fica-nos a vizinhança imediata com o “caminho excêntrico” de que nos fala Hörderlin. Tem assim o condão de nos remeter à u-topia e ao niilismo (democrático).



hors la loi


Esta poética surge-nos, antes de mais nada, associada à recusa do poder e do controlo tecnopolita (para usar a expressão de Harvey Cox). Mostra-se-nos guiado pela crítica das estruturas centralizadas de dominação e, no entanto, do capitalismo manipulativo (onde será necessário acrescentar: a lógica do (ter sobre o ser) mercantil). Diremos que estes textos-poemas coincidem também com um tom semi-insurrecional - no re-assumir da praxis política - da dialéctica do fora-da-lei, hors la loi - do “discurso livre”. E em que se reclama o compromisso militante (minoritário) e o próprio ideário da liberdade: a "liberdade livre" de Rimbaud. A escrita de António Pedro Ribeiro - já o dissemos antes - sempre se mostrou possuída por uma paixão central da “urbs” - a prática viva e“mítica” da cidade-panorama - transumante ou metafórica - da “polis” - dos “voyeurs” ou caminhantes metropolitanos- “on the road” - bem à maneira da beat generation - do “dire-vrai” sobre eros - as questões atinentes a todo o poder-dominação que se volve demoníaco (a “Kultur” consumista ou o “American Way of Life”).



iluminações


Na acentuação crítica do mundo quotidiano (everyday-world) e do mundo da vida (life-word) - sob um fundo filosófico partilhado que nos remete à Internationale situationiste francesa e seus sonhos de revolução e libertação no domínio da vida quotidiana - as teses criticistas de Henri Lefebvre - esta poemática encerra em si, necessariamente, uma vocação dialógica e comunal. O point de départ da poesia de António Pedro Ribeiro é, em sentido rigoroso e original, a discussão sobre “representação” e “autoridade”: a sociedade do espectáculo. A originalidade desta escrita-vórtice está no contínuo movimento de imersão/ re-emersão da palavra - dando prevalência à vox (vocis) - às “iluminações”. Poderemos pôr em evidência um tipo de poesia engagé - pós-radical - de inscrição ideológica “para-marxista”. Na crítica dos módulos e fórmulas da sociedade de mercado e de dominação - num contexto de “acelerada” “liquefacção” das estruturas e instituições sociais em que hoje naufragamos- esta poética prima, antes de mais, pela singularidade e intransigência do seu radicalismo (a lição báquica): “mas há noites em que Dionísios/volta e aí dança, celebra e faz/tremer o instituído” (p.31)



niilismo


Os poemas de António Pedro Ribeiro exibem, em seu contexto de significação original, um questionar social e político: advogam um niilismo extremo, o l´enjeu do individualismo revolucionário (na acepção de Alain Joufroy). Sob a égide da crítica básica do sistema industrial-consumista - denunciam-se as patologias e as fraquezas da razão instrumental - os truques e mentiras (a linguagem corrente) dos contabilistas e dos economistas - do poder soberano e das suas instituições - a situação humana, the human predicament (na conceituação do teólogo Paul Tilitch). Mais ainda, os oligopólios - o mundo financeiro - o escravismo e a opressão mercantil - a estrutura e a lógica da “sociedade unidimensional” (v. Manifesto Antinormalidade, p. 26-27). Unindo-se ao niilismo de Max Stirner e Guy Debord - as razões de uma revolta anárquico-libertária - Rimbaud, Morrison, Ginsberg e Miller - o próprio riso de Zaratustra – a obra de António Pinto Ribeiro assenta, de per si, na assumpção cénica (assertiva) do desejo ( a "indizibilidade do único"). Não teremos dificuldade em entender, desde já, porque os gregos falavam de um logos spermatikos, a palavra geradora ou o pensamento seminal.



trans(e)versal


A poesia de António Pedro Ribeiro assenta, por conseguinte, - já o vimos precedentemente - na crítica da alienação (manipulação autoritária) e da dominação (instrumental, organizacional e psíquica) - cujo protótipo simbólico é o “Zé-Ninguém” de W.Reich. Referimo-nos a uma escrita que veicula latu sensu a insânia, o pathos da loucura e a ebriedade. Não se deve perder de vista a plenitude e a beatitude de uma poética sugerindo um caminho (de discernimento) alternativo (primordial e iluminativo): "asceta longe da tribo xamã encoberto" (p.21).Trata-se - à primeira vista - de uma escritura “engajada” - de apego ao trans(e)versal - que se opõe à visão normal - convencional. Poderíamos falar longamente sobre a conscienciosa rebelião desta poesia (porquanto uma escrita da contestação, do dissentimento ou da recusa). Temos assim uma poética mundivivencial da dicção coloquial quotidiana (para além da mera tradição lírica-discursiva).



activismo existencial


A poesia negativa e dialéctica-dialógica - catártica e des-construtora - assume a dissidência - o poder da contestação e do protesto que é essencial a todo o pensamento livre e criador. Esta escrita denunciadora do “vazio” do mundo - da ideologia e da linguagem tecnocrática do capitalismo planetário (que transforma a pessoa humana em um ser domesticado e unidimensional) esforça-se por ser - sob as estratificações das convenções fixas - uma poesia dos transes e transportes visionários. E é ainda bem preciso e essencial notar o seu pendor oracular e na coincidência com as correntes beat. Uma das dimensões destes textos é o forte pendor ideológico - enquanto propensão crítica do ethos do domínio capitalista e inclusive da res publica burguesa. Já que se admite que o poder político é basicamente sustentado pela coerção física, enquanto que o poder económico se sustenta através de recompensa e privação.



hybris


Trata-se de uma poesia da iconoclastia e da irreverência (composta de palavras-chave no sentido estrito) que enaltece, vimo-lo nos capítulos precedentes, a auto-reflexão. Em que há também um exercício crítico em torno da sociedade autoritária “unidimensional”. Por fim, o questionamento dum mundo dominado por critérios de eficiência e sucesso e, por conseguinte, assente na “auto-escravização”do humano. Verificar-se-á que esta poesia - com os seus laivos de narcisismo umbiguista - está necessariamente ligada ao activismo existencial-visionário: de negação do ethos e do pathos do autoritarismo. Noutras palavras: uma escrita que patenteia, desde as primeiras obras, uma opção ético-política libertária. Falámos dos insigths de uma poética que nos surge mobilizada pelo “sagrado selvagem - o amor ao prolixo- a pro-jecção da hybris. “sou o canto das aves/e das sereias/sou aquele que renasce/e aquele que bebeu o Graal/que esteve com Jesus,/Merlin e Zaratustra//sou o super-homem/o poeta que reinará/sobre a Terra/sou Quixote/a lutar contra os moinhos/sou Artur de Camelot/sou todos os vencidos/que hão-de vencer/sou a água dos rios/sou o poema que não acaba/a canção que não se cala/o ouro todo do mundo” (pp.18-19)



profecia


Parece pois que as diligências da escrita de António Pedro Ribeiro, do poeta como do “performer”, são comandadas, cada vez mais, pela “projecções” do inconsciente. Isto traz-nos à mente os mecanismos de dissociação efectiva da identidade. A sua forca de gravitação está na apologia do “espírito livre”: libertação e liberdade colectiva. Tendo em conta essa outra virtude que é a poesia manifesto. Mais: a causa em que parece enfileirar é a causa da velha e da nova esquerda em estilo profético: democracia, auto-governo, organizações de base. É aqui que se faz importante a verificação da missão da denúncia e da profecia (já o indicamos anteriormente). Mas onde se enfatiza a liberdade e a “auto-determinação”: a de que somos “fazedores de mundo” (assinale-se a obra "Ways of Worldmaking" (1978) de Nelson Goodman) e a de que - note-se - estamos constantemente a fazer “novos mundos a partir dos velhos”. Como no-lo diz: “Capaz de gerar estrelas crio mundos novos” (p.43). Mas, pela sua própria natureza, uma poesia de "demanda" que - no seu teor cívico-ético - planfletarismo - simboliza a insurreição, a revolta, enfim, a crítica ao fascismo (democrático) em acto - que Agamben-Foucault denominou "bio-poder" - , quando se associa a visão paradigmática política do Ocidente ao campo de concentração.



(contra)poder


A poética da qual falamos é o exercício de um "contra-poder" (num aferrar-se à ideologia libertária e democratista). “Os instrumentos pelos quais o poder é exercido e as fontes do Direito para esse exercício - escreve Kenneth Galbraith – estão interrelacionadas de maneira complexa. Alguns usos do poder dependem de estar oculto, de não ser evidente a submissão dos que a ele capitulam” (Anatomia do Poder, Difel, Lisboa, p. 19). Observar-se-á, portanto, que o poder (no estrito exercício e manutenção) nunca pode, afinal, dissociar-se do seu appparatus. O que não podemos esquecer é que a história é normalmente escrita em torno do exercício do poder. Assim sendo poderia igualmente ser escrita em torno das fontes do poder e dos instrumentos que o impõem (Ib. p.105). Haveria apenas de perguntar se, basicamente, a finalidade do poder é hoje o exercício do próprio poder? E se tem ainda sentido admitir-se a poesia - passivamente como activamente - num mundo assente nas relações de poder - enquanto dom, hospitalidade, transe, desmesura?



leviathan


Na presente obra submetem-se a um exame crítico as categorias jurídicas tradicionais: re-equacionam-se os fundamentos do poder político e do direito (o novo leviathan). Não se trata evidentemente de propor a abolição dos códigos e das regras mas de considerar que o direito não é redutível a: 1) uma série de ordens ou imperativos, 2) um mero sistema de normas, 3) regularidade dos comportamentos, 4) função de uma realidade de tipo objectivo-natural. O que queremos sustentar é que a lei - as normas jurídicas - são fenómenos impessoais. Mas o que aqui é relevante é o dogma do liberalismo e do neo-liberalismo jurídicos - tácitamente uma ordem jurídica fechada e completa (primum verum). Parte-se aqui confessadamente de um desmascaramento da ideologia da “ordem”(da “normalização”) na acentuação de um confronto assumido que incide sobre a doutrinação uniformizante e a política moderna (como uma forma específica e difusa da guerra) super-dirigida. É razoável supor que a liberdade de realização dos fins individuais está pré-determinada pela história e pela sociedade. Na expressão de António Pedro Ribeiro: “Os negócio dos homens nada nos dizem/ entre faunos e sátiros/ erigimos a nossa morada/o homem vulgar não nos atinge” (p. 62)



(in)submissão


Não é necessário dizer que a linguagem mordaz e a linguagem mágica permanecem. Vem depois a valorização da natureza-experiência primordial e, em particular, da infância (imóvel). Distingue-se pela concepção rousseana - franciscana-silvestre do homem - que se revela da mesma natureza das pedras, animais ou plantas. “Celebro o triunfo da Arte sobre a sobrevivência. Sou o homem que vem dos séculos, da floresta. Trago em mim o enigma da existência. Sou rei, mago, poeta. Sou delírio e loucura. Sou o primeiro homem. Não conheço limites, sigo a liberdade antiga” (p. 22). Digamos - para encerrar, e de passagem - que esta poesia configura, nas suas linhas gerais, o cosmopolitismo, num tempo de mundialização do urbano, - das cidades-mundo - em que de facto se adensa particularmente a aceleração da história e, por outro lado, a decadência da paisagem (a destruição da natureza). E que supõe também o emergir do monstruoso (criado pelo homem) e a crescente artificialidade em todas as dimensões essenciais da existência. As estruturas políticas (incluindo o Estado) não existem fora da totalidade social de que são um elemento integrante. Revertendo agora ao nosso ponto, temos que a escrita de António António Pedro Ribeiro é mais o ponto de vista afirmativo da mensagem libertária - uma poética que recupera o ideal - o arquétipo do poeta-xamã. Ora - e para falar a linguagem de Platão - a poesia supõe a inspiração, ou seja, uma possessão do poeta por uma força divina, seja qual for, Musa ou Apolo, ou um “fora de si”, mais ou menos definido. Mas onde o testemunho “numinoso” é ainda transe.



Café-Bar Olimpo
Porto, 21 de Dezembro de 2012
Alexandre Teixeira Mendes


segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O PENSADOR

"A ambição e a alegria sem limites de decifrar o mundo" constitui o sonho essencial do pensador, segundo Nietzsche. Ainda de acordo com o filósofo alemão, "Platão e Aristóteles puseram-se de acordo sobre o que constituia a felicidade suprema (...); eles encontraram-na no conhecimento, na actividade de um intelecto bem exercido que descobre e inventa". E, de facto, que fazemos aqui senão decifrar o mundo, procurar o sentido da vida, conhecer, ter curiosidade. O trabalho do pensador não é duro, pode ser exercido no café, estudando os livros, tomando notas. Ainda segundo Nietzsche, "os seus dias e as suas noites não são estragadas pelo remorso; ele move-se, come, bebe e dorme, observando um comedimento que honra o seu espírito sempre mais calmo, mais poderoso e mais lúcido; (...) não tem necessidade da sociedade senão de tempos a tempos, para em seguida abraçar ainda com mais ternura a solidão". No trabalho do pensador não há stress nem pressas. Não há chefes acima de si, o seu trabalho é livre. Ele exercita o intelecto, lê, pensa, observa. Talvez tenha o melhor modo de vida. Enquanto pensador não se envolve nos negócios dos homens. De resto, acha o comércio uma actividade menor. Descobre e inventa. Não permanece estático. Constrói filosofias. Não se incomoda com a passagem das horas.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

VIVER LIVREMENTE

Viver livremente, poeticamente, sem coacções nem castrações, sem ninguém a dizer-nos o que dizer ou o que fazer. A partir de certa altura, 17, 18, 19 anos, procurei desesperadamente a liberdade, procurei desesperadamente a vida. Já antes, aos 15, 16, escrevia as letras em inglês do Peter Owne para a banda The Vikings: “Sometimes I’m Me”, “Everybody Needs Love”, “War”. Uma escrita “hippie”, já crítica em relação à sociedade, com preocupações sociais.




Hoje estou aqui nesta aldeia suburbana onde falo com duas ou três pessoas, onde dou a impressão de ser um estudioso tímido. Observo as mulheres que vêm ao pão e marcam a passagem. Cofio as barbas. Penso que, apesar das minhas quedas, sou um homem livre. Não tenho chefes a mandar em mim, a televisão não me domina, ninguém me impõe gostos nem comportamentos, ninguém me faz a mente. Apesar de ter apenas uns trocos no bolso vou levando a minha avante, publicando livros, publicando textos, intervindo, recitando nos bares e noutros locais. Abracei realmente a causa da liberdade, da vida poética e tento transmiti-la aos outros, a alguns outros, pelo menos. É muito mais fácil para mim fazê-lo na cidade do que na aldeia. Aqui na aldeia as pessoas estão muito fechadas na religião, na tradição, na família. Na cidade sempre há mais gente disposta a ouvir-me ou a ler-me. Gente que se farta de um quotidiano previsível, entediante, insuportável. Gente que se farta de um trabalho absurdo, repetitivo, imposto. Gente que se farta de imposições, coacções, castrações. Gente que quer viver poeticamente a noite e o dia. Gente que se farta do Passos, da TV, da máquina, do controle. Assim acreditamos verdadeiramente que temos uma missão aqui na Terra, acreditamos que, não obstante os desvios, temos seguido a estrada certa. Não precisamos de cartilhas, direcções ou comités centrais.



O ÚNICO



Tenho lido Max Stirner e sinto-me um espírito livre. Nada se sobrepõe à minha vontade. Danço com os deuses. Cada vez odeio mais os bancos, os mercados e os seus seguidores. Não jogo na bolsa. Não tenho conta bancária. Não alinho nas patranhas dos telejornais e das multinacionais. Detesto o "Continente" e o "Pingo Doce". Sou único. Não esperes de mim amabilidade nem gratidão. Fica com com a "Casa dos Segredos". Sou único. Ninguém é igual a mim. Nem os meus mestres. Penso que a essência do homem está a ser assassinada pela finança. Não esperes de mim protestos só contra os cortes. Eu procuro a essência. Eu sou o homem que sonha, que imagina, que tem visões, que tem fantasmas. Não esperes de mim o cidadão comum. Estou farto do cidadão comum. Estou farto das preocupações do cidadão comum. Sou único, sou proprietário de mim e das minhas ideias. Não me tentes convencer. Tentas-me convencer todos os dias. Vens com essa treta todos os dias. Mas agora já não me levas. Sou único. Sou soberano de mim e dos meus reinos. Tenho ideias próprias. Não sou do povo. Tenho direito a ter ideias próprias, ouviste? Sigo o meu caminho. Sigo sozinho se tal for necessário. Não ando a mendigar amizades. Nunca gostei de grupos. Sou único. Rei do meu pensamento. Princípe das ideias. Larga-me. Estou farto de ti. Estás sempre a chamar-me. Estás sempre a prometer-me coisas. Nada tenho a ver com os governos da Europa e do país. Aliás, os governos da Europa e do país estão em cacos. De qualquer forma, nunca os apoiei, nunca votei neles. Deixa-me. Estou farto de falinhas mansas. Estou farto de propaganda. Sou de mim. Absolutamente de mim. Não me atires futebóis. Não me atires as gajas da TV. Sou um rochedo. Aqui, no Piolho, proclamo o meu reinado. Reinarei para lá da morte. Não sou dos eléctricos, nem dos metros, nem dos autocarros. Sou de mim. Nem sequer deveria pagar nada por coisa nenhuma. Os outros também não me pagam. Nem sequer sou português. Nasci aqui, nesta cidade, ponto final. Não sou de ninguém. Larga-me. Deixa-me pensar. Observo o que me rodeia mas estou a sós com os meus pensamentos. A caneta desliza no papel. Ontem o caderno ficou encharcado por causa da chuva torrencial. Poderia ter sido uma tragédia. Poder-se-iam ter perdido páginas imortais. Mas, enfim, sobrevivemos. Cavalgamos a folha de papel. Estamos aqui. Somos daqui. Não me venhas vender nada. Não me dês concursos, lotarias, euromilhões. Sou único. Não sou de ninguém. Não tenho de obedecer ao governo nem aos imbecis que votaram nele. Não elegi nenhum deputado. Até fui candidato mas não fui eleito. Nunca apoiei o Belmiro de Azevedo nem o Alexandre do "pingo Doce". Nunca apoiei os gajos dos milhares e dos milhões. Cometi erros mas ninguém me pode acusar de conivência com o capitalismo. Sempre que pude ergui a voz. SEmpre que pude atirei pedras. Estou com os indignados da América e do mundo inteiro. Quero dinamitar os bancos e a bolsa. Não, não me venhas com conversa. Estou farto de conversa. Hoje assumo-me plenamente eu. Sou Deus e mais do que Deus. Desejo as mulheres. Algumas mulheres. Sou o poeta incendiário. Não me atires moderação. Não sou o filósofo de Platão. Digo-te não! Não quero mais esta farsa. Aliás, hoje nem sequer preciso de cerveja. Sou o homem que nasce outra vez. Sou único, meu rei, meu Deus. Triunfo sobre ti e sobre o mundo. Já não me podeis ignorar, ó críticos. Vou tão longe que já não me apanhais. Nem tu, ó leitor. Merda para os macacos da "Casa dos Segredos". Merda para vós que vos refugiais em casa. Merda para tudo e para Deus. Permanecei na escravidão. Eu não vos sigo. Eu nunca vos seguirei. Estou farto. Eu sou. Eu penso.






quarta-feira, 26 de dezembro de 2012


O mercado global controla tudo. Está nos media, nos poderes, na família, na escola. Faz de nós mercadorias, seres acríticos, de pensamento uniforme. Não quer deixar espaço para a verdadeira vida, para a celebração, para a festa. Aliás, grande parte das festas que existem inserem-se na lógica do consumismo e da compra e venda. O mercado e os mercados não querem que nos expressemos livremente, que desenvolvamos as nossas potencialidades, que sejamos crianças, de novo crianças. Mantêm-nos agarrados às drogas da televisão, do trabalho, do tédio. O mercado não quer que amemos, que nos apaixonemos.
Urge que nos levantemos. Que neguemos o mercado e o dinheiro. Que berremos nas praças. Que nos revoltemos dentro de nós mesmos. Que concentremos as nossas energias no essencial: queremos o mundo. O mundo é nosso, não é do mercado e dos seus agentes. As praias, os bosques e as cidades são nossas. Nascemos livres. Somos do mundo e da vida. Eles não nos podem roubar mais, não nos podem matar à fome. Não nos podem castrar. Somos soberanos. Somos reis. Como disse Holderlin queremos habitar poeticamente a Terra.

domingo, 23 de dezembro de 2012

ESTRELA



SEGUE A TUA ESTRELA

Os debates dos políticos e dos economistas incomodam-me. Só se fala de economia, não se discute o homem integral. O homem que quer crescer, que quer o paraíso na terra. O mundo está cheio de castradores, de forças que querem destruir a nossa individualidade, a nossa alma. Governos, especuladores, máquinas de propaganda. Todos eles nos querem roubar o amor, todos eles nos querem separar, isolar, impedir que dêmos as mãos. Entram nas mentes, nos corações das pessoas, tornam-nas falsas, dissimuladas, frias. E depois elas tratam-nos mal, enganam-nos, querem mandar em nós. O capitalismo e a sua máquina destroem as pessoas, tornam-nas competitivas, negociantes, merceeiras, manipuladoras. Convencem-nos também de que não há alternativa possível, que até é possível ser feliz debaixo das suas condições. Mas nós queremos realmente crescer no amor, na liberdade, na poesia. Queremos voltar ao xamã, ao grande espírito. Sabemos que é uma luta constante. Eles vêem-nos sós, deprimidos, desanimados e tentam apoderar-se de nós, mandar em nós. De forma a que aceitemos ser governados, submetidos, manipulados. Mas depois há uma estrela em nós, dentro de nós, uma estrela que nos diz que nós não somos como eles, que nós não viemos para servir nem para andarmos cabisbaixos. Não temos de andar atrás da selecção nacional, não temos de andar atrás da publicidade, não temos de seguir governo nenhum, não temos de andar atrás do grupo, nem da massa, nem da maioria. Não temos de ser direitinhos, alinhadinhos. Somos pensamento, somos vida. No papel expressamos o que somos. Somos também a música que nos eleva. "The End" dos Doors ou "Love Will Tear Us Apart" dos Joy Division. Estamos aqui para nos questionarmos. Estamos aqui para dizer que não aceitamos a vossa "felicidade", essa que nos vendeis todos os dias, mesmo que venha acompanhada das imagens das mulheres mais belas, mesmo que, por vezes, quase nos deixemos levar por ela. Não, a felicidade não é isso. A felicidade é poder dialogar com Jesus, Sócrates e Nietzsche, a felicidade é conversar, discutir com os amigos e as amigas, a felicidade é celebrar a noite e o dia, subir ao palco, dizer a palavra, a felicidade é amar livremente, sem castrações nem máquinas de propaganda, a felicidade é aumentar a alma e a vida, é tomar parte do banquete permanente. Vivamos o banquete, derrubemos a máquina. Aí seremos plenos, criadores, super-homens. As nossas potencialidades serão infinitas. Vive o homem livre, o homem nobre, companheiro, companheira. Apaga a televisão. Não te deixes mais levar pela conversa. Não te deixes tornar naquele que eles querem que sejas. Torna-te naquele que és. Naquele que se descobre, naquele que se encontra. Sê verdadeiramente revolucionário. Segue a tua estrela.


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PRISÃO


Que faço aqui?

Porque tenho de usar dinheiro?

Porque tenho de ter um trabalho?

Quem me meteu essas coisas na cabeça?

Que existe na cabeça senão o que penso?

Porque é que as pessoas são tão mesquinhas?

Porque não hei-de inventar ideias novas,

porque não hei-de atingir a Ideia de Platão?

Porque não hei-de ser sábio?

Porque há-de existir um governo?

Porque há-de existir Deus?

Porque há-de alguém mandar em mim?

Porque passei a questionar tudo isto?

Porque passo tanto tempo só?

Porque não me limito a agarrar os segundos?

Porque ainda acredito no amor e na liberdade?

Porque não sou apenas mais um?

O que é que me empurra?

O que é que me faz subir?

Porque me tornei diferente?

O que me afasta da vidinha?

Porque penso tanto?

Porque é o que os meus pais me puseram aqui?

Porque me fascinam tanto a loucura e a embriaguez?

Que tenho a ver com Dionisos e os xamãs?

Quem me ama?

Quem me dá a mão?

Porque fazem disto uma prisão?



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Edição 83, 14 Dezembro 2012

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

FORA DA LEI





"Fora da Lei" é o décimo primeiro livro de A. Pedro Ribeiro. Poemas como "Bem-Vindo à Máquina", "Liberdade", "Homem Livre" ou "O Poema" celebram a liberdade que poderia ser ao mesmo tempo que denunciam um mundo onde o homem é violentado na sua essência, onde é privado da juventude e da infância para se colocar ao serviço de uma máquina que o obriga a trabalhar, a ir atrás do dinheiro, a procriar, a "subir na vida". Mas "Fora da Lei" é também o poeta maldito que vai às noites e aos bares, que tem iluminações, que segue a estrada do excesso, da hybris, da desmesura. É o poeta que sobe ao palco de "Paredes de Coura" ou de "Anjo em Chamas", que prova a glória, o fracasso e a ressaca, que desafia e provoca, que recusa a vida normal das pessoas normais e apela à revolução e à revolta. "Fora da Lei" é a rejeição de todos os governos, de todos os patrões, de todos os medos, de todas as castrações. É Dionisos, o xamã e a loucura mas também a procura do sonho, do imaginário, da magia, das estrelas, do amor, da alma. "Fora da Lei" é a história do poeta.