PSP detém dez activistas da Greenpeace em protesto à porta da Jerónimo Martins
02.07.2009
Helena Geraldes
Dez dos activistas da organização Greenpeace que estavam desde manhã em protesto à porta da sede do grupo Jerónimo Martins, no Campo Grande, em Lisboa, acabaram por ser detidos esta tarde. Os activistas reclamavam contra a falta de sensibilidade do grupo do Pingo Doce e Feira Nova, na comercialização de peixe, não evitando vender espécies ameaçadas.
Pouco depois das 14h00, a Greenpeace foi informada pela polícia de que os activistas iriam ser detidos, depois de já terem sido identificados de manhã. Seis acorrentaram-se aos portões do edifício e, meia hora depois, foram retirados, algemados e detidos. A activista que se encontrava no cimo de um tripé de metal também acabou detida.
Mais tarde, os dois activistas espanhóis - um homem e uma mulher - que estavam desde manhã pendurados do edifício, junto ao banner de 15 metros de altura, foram "intimados" pela polícia a recolher o banner e a descer. O homem foi detido às 17h00 e a mulher, trazendo o banner pendurado da cintura, foi colocada dentro das carrinhas da polícia cerca de 20 minutos depois. A operação de descida foi acompanhada por vários funcionários do edifício, que espreitavam das janelas, e por dezenas de transeuntes que paravam e tiravam fotografias com os telemóveis.
Dez minutos depois, saíram do edifício os últimos dois activistas que tinham subido ao topo do prédio para ajudar à descida dos dois alpinistas. Também estes foram levados pela PSP.
A polícia apreendeu os tripés, as faixas, mochilas, cordas e todo o material da acção de protesto.
As forças de segurança terão sido chamadas pelo próprio grupo Jerónimo Martins para repôr a ordem no exterior do edifício onde a Greenpeace se encontrava desde manhã para pedir uma reunião com responsáveis do grupo.
Lara Teunissen, porta-voz da Greenpeace Portugal disse que o grupo lamenta que a acção tenha terminado desta maneira: "O final ideal seria o grupo ter acordado reunir connosco para rever as suas políticas de comercialização. Mas vamos continuar a insistir".
www.publico.clix.pt
sexta-feira, 3 de julho de 2009
terça-feira, 30 de junho de 2009
THE REVOLUTION WILL NOT BE TELEVISED
The Revolution Will Not Be Televised
Ao longo da história sonegada do século transacto, o grande desejo das sucessivas administrações dos EUA, como império moderno, é o de dominar todo o continente latino-americano, não se contentando apenas em considerá-lo o “quintal da sua casa”.
O império é conquista e ataque, controlo e segredo.
Desde 1946, os Estados Unidos tentaram derrubar mais de 50 governos, muitos deles eleitos democraticamente.
Nessa guerra obscura, 40 países foram atacados e bombardeados, e no poder foram colocados ditadores ou líderes pró-americanos ao serviço dos EUA e das suas multinacionais, deixando um rasto de inúmeras vidas que se perderam iniquamente.
Dentro do seu domicílio, a justificação para a “guerra suja” era arrebatada com a psicologia das multidões: uma campanha para criar a sensação de terror, de ameaça constante, uma paranóia que se transformou numa super-cultura chamada “Anti-comunismo”.
No final dos anos 80, a política de Washington mudou. Ditadores como Pinochet passaram a ser vistos como uma vergonha desnecessária. Foi, então, lançada uma forma inovadora de controlar as nações da sua horta. Um programa com visão e propósitos nobres, o Programa Nacional para a promoção da democracia.
O estabelecimento deste programa é o principal objectivo dos ideais americanos e das suas instituições, uma ilusão de marketing. Esta flamejante “democracia” pressupõe que, seja quem for em quem se vote ou ganhe as eleições, as políticas vão ser as mesmas, e a economia do país vai ser moldada pela dos Estados Unidos. Washington vai ser um amigo íntimo, uma iminência menos parda, mais sofisticada e cínica, brandindo toda a arte de branding americana para vender a sua asquerosa e sanguinária marca: “democracy”. Franchising da política, carimbado pelo dólar, e com os logótipos das suas grandes corporações.
Nos anos 90, estas democracias substituíram as ditaduras na América Latina.
Retirado de uma música/poema de Gil Scott-Heron, The Revolution Will Not Be Televised é uma visão, com acesso ilimitado, ao golpe de estado ao governo de Chavez em Abril de 2002.
Os realizadores irlandeses Kim Bartley e Donnacha O'Brian viajaram para a Venezuela para filmar um documentário sobre o carismático e polémico presidente Hugo Chavez nos seus primeiros anos de presidência da 4ª nação exportadora mundial de petróleo e de importância vital no fornecimento a baixo custo aos EUA.
Retratam Hugo Chavez – por vezes, com um favorecimento notório – como um colorido herói popular, amado e idolatrado pela classe trabalhadora, pobre e miserável, e odiado por uma estrutura de poder de magnatas petroleiros e a alta classe que o adorariam ver deposto.
Na base desta dicotomia estão os seus planos sociais: educação e saúde sem custos, distribuição dos proventos do petróleo, e criação de um espectáculo da democracia popular, com a rábula televisiva semanal onde Chavez vende a sua imagem de patrono do povo.
Em Janeiro de 2002, Chavez lançou um novo plano de reestruturação da empresa estatal de petróleo, e a crise instalou-se. Volvidos três meses, estes realizadores acabaram por testemunhar o enredo maquinado, culminado num golpe de estado falhado, promovido pelos media privados, orquestrado pela classe do petróleo e com financiamento dos EUA.
Este documentário resultou numa brilhante peça de jornalismo, mas também num espantoso retrato do conflito de forças na Venezuela. De um lado, as classes que vestem Versace, desde há décadas inchadas de lucro petrolífero, do outro, os pobres e miseráveis sem outro horizonte que as suas favelas.
O documentário recebeu 12 prémios e 4 nomeações.
The Revolution Will Not Be Televised
Kim Bartley, Donnacha O'Brian (Venezuela)
2002
tempo: 74 min
Ao longo da história sonegada do século transacto, o grande desejo das sucessivas administrações dos EUA, como império moderno, é o de dominar todo o continente latino-americano, não se contentando apenas em considerá-lo o “quintal da sua casa”.
O império é conquista e ataque, controlo e segredo.
Desde 1946, os Estados Unidos tentaram derrubar mais de 50 governos, muitos deles eleitos democraticamente.
Nessa guerra obscura, 40 países foram atacados e bombardeados, e no poder foram colocados ditadores ou líderes pró-americanos ao serviço dos EUA e das suas multinacionais, deixando um rasto de inúmeras vidas que se perderam iniquamente.
Dentro do seu domicílio, a justificação para a “guerra suja” era arrebatada com a psicologia das multidões: uma campanha para criar a sensação de terror, de ameaça constante, uma paranóia que se transformou numa super-cultura chamada “Anti-comunismo”.
No final dos anos 80, a política de Washington mudou. Ditadores como Pinochet passaram a ser vistos como uma vergonha desnecessária. Foi, então, lançada uma forma inovadora de controlar as nações da sua horta. Um programa com visão e propósitos nobres, o Programa Nacional para a promoção da democracia.
O estabelecimento deste programa é o principal objectivo dos ideais americanos e das suas instituições, uma ilusão de marketing. Esta flamejante “democracia” pressupõe que, seja quem for em quem se vote ou ganhe as eleições, as políticas vão ser as mesmas, e a economia do país vai ser moldada pela dos Estados Unidos. Washington vai ser um amigo íntimo, uma iminência menos parda, mais sofisticada e cínica, brandindo toda a arte de branding americana para vender a sua asquerosa e sanguinária marca: “democracy”. Franchising da política, carimbado pelo dólar, e com os logótipos das suas grandes corporações.
Nos anos 90, estas democracias substituíram as ditaduras na América Latina.
Retirado de uma música/poema de Gil Scott-Heron, The Revolution Will Not Be Televised é uma visão, com acesso ilimitado, ao golpe de estado ao governo de Chavez em Abril de 2002.
Os realizadores irlandeses Kim Bartley e Donnacha O'Brian viajaram para a Venezuela para filmar um documentário sobre o carismático e polémico presidente Hugo Chavez nos seus primeiros anos de presidência da 4ª nação exportadora mundial de petróleo e de importância vital no fornecimento a baixo custo aos EUA.
Retratam Hugo Chavez – por vezes, com um favorecimento notório – como um colorido herói popular, amado e idolatrado pela classe trabalhadora, pobre e miserável, e odiado por uma estrutura de poder de magnatas petroleiros e a alta classe que o adorariam ver deposto.
Na base desta dicotomia estão os seus planos sociais: educação e saúde sem custos, distribuição dos proventos do petróleo, e criação de um espectáculo da democracia popular, com a rábula televisiva semanal onde Chavez vende a sua imagem de patrono do povo.
Em Janeiro de 2002, Chavez lançou um novo plano de reestruturação da empresa estatal de petróleo, e a crise instalou-se. Volvidos três meses, estes realizadores acabaram por testemunhar o enredo maquinado, culminado num golpe de estado falhado, promovido pelos media privados, orquestrado pela classe do petróleo e com financiamento dos EUA.
Este documentário resultou numa brilhante peça de jornalismo, mas também num espantoso retrato do conflito de forças na Venezuela. De um lado, as classes que vestem Versace, desde há décadas inchadas de lucro petrolífero, do outro, os pobres e miseráveis sem outro horizonte que as suas favelas.
O documentário recebeu 12 prémios e 4 nomeações.
The Revolution Will Not Be Televised
Kim Bartley, Donnacha O'Brian (Venezuela)
2002
tempo: 74 min
segunda-feira, 29 de junho de 2009
PROCURA OS TEUS COMPANHEIROS, Ó POETA!

Esta gente vive da intriga e da inveja
com esta gente pequena
é impossível construir algo de novo
procura os teus companheiros, ó poeta!
Esta gente fala, fala
e não diz nada
sempre as mesmas conversas
esta gente não questiona
esta gente não tem alma
só pensa no dinheirinho ao fim do mês
na casinha e na família
procura os teus companheiros, ó poeta!
A culpa é do capitalismo
mas esta gente também tem culpa
só sabe criticar por criticar
está presa á vidinha
não sai da vidinha
limita-se a querer a sua paz e o seu sossego
a ter preocupações menores
a dizer mal do vizinho do lado
Nietzsche tem razão
não passam de merceeiros
de gentalha
nenhum pensamento profundo
nenhuma ideia
só o empreguinho
e o trabalhinho
procura os teus companheiros, ó poeta!
ASSIM A VIDA NÃO É VIDA

Os partidos, mesmo os de esquerda, têm uma linguagem quase exclusivamente económica. Não são capazes (ou não estão interessados) em aprofundar o que se passa realmente na sociedade. Falam do desemprego e da precariedade mas não são capazes de dizer que a crise foi provocada pelas baixas das cotações da Bolsa. Ao que isto chegou. A nossa vida nas mãos das brincadeiras, dos joguinhos das multinacionais, dos bancos e dos especuladores bolsistas. Nunca o ridículo foi tão longe. A vida nas mãos dos especuladores bolsistas. E os políticos são cúmplices. Não, assim a vida não vale a pena. Assim a vida não é vida. Isto está a bater no fundo. E ainda falam de democracia. Que democracia é esta quando tudo está nas mãos dos jogos dos especuladores bolsistas? De que vale o voto? Até onde desceu a humanidade?
É preciso começar tudo de novo. É preciso voltar ao espírito. É preciso voltar ao tempo em que os homens e os deuses conviviam em pé de igualdade. É necessário voltar à antiga liberdade. Já nada há a perder. Não estou a falar do dinheiro, não estou a falar do trabalho. Estou a falar do amor, do espírito livre, do homem livre. É uma questão de crença, de atitude. O mundo do capital e do mercado já deu o que tinha a dar. O homem não veio ao mundo para sobreviver mas para viver.
RIMBAUD

Agora corrompo-me o mais possível. Porquê? Quero ser poeta, e trabalho para me fazer vidente: você não está a perceber nada e eu também não lhe sei explicar. Trata-se de chegar ao desconhecido pela desordem de todos os sentidos. Os sofrimentos são enormes, mas é preciso ser-se forte, ter nascido poeta, e eu reconheci-me poeta. A culpa não é minha, de maneira nenhuma.
(Arthur Rimbaud, "Correspondance a Georges Izambend", Maio de 1871)
O HOMEM DA SOLIDÃO
Não tenho com quem falar e escrevo
é certo que também procuro a solidão
exilo-me aqui na zona
não vou à cidade
o homem das doenças
fala com outro homem
não se dirige a mim
como ontem
o homem com o dom da palavra
não apareceu
como já disse noutro texto
cultivo uma certa distância
não me dou facilmente a conhecer
encontrei esta caneta na estrada
está meia partida
mas ainda escreve
até parece que caiu do céu
estes cafés quase sem clientes
e sem televisão ligada
fazem-nos escrever
e, porra, não me canso de dizê-lo:
nunca escrevi tanto como agora
todo o pensamento
se passa para a folha
até o sol ajuda
é impressionante
prossigo o diálogo comigo próprio
não tenho com quem falar
e escrevo
não sou daqueles que mete conversa
facilmente
corro riscos de enlouquecer
bem o sei
mas há que prosseguir viagem
o homem das doenças bebe cerveja
a gerência janta
as minhas amigas
às vezes vão ter comigo
as minhas amigas
às vezes emprestam-me dinheiro
sou o homem da solidão
sou o homem que escreve
e que anda de tasco em tasco.
é certo que também procuro a solidão
exilo-me aqui na zona
não vou à cidade
o homem das doenças
fala com outro homem
não se dirige a mim
como ontem
o homem com o dom da palavra
não apareceu
como já disse noutro texto
cultivo uma certa distância
não me dou facilmente a conhecer
encontrei esta caneta na estrada
está meia partida
mas ainda escreve
até parece que caiu do céu
estes cafés quase sem clientes
e sem televisão ligada
fazem-nos escrever
e, porra, não me canso de dizê-lo:
nunca escrevi tanto como agora
todo o pensamento
se passa para a folha
até o sol ajuda
é impressionante
prossigo o diálogo comigo próprio
não tenho com quem falar
e escrevo
não sou daqueles que mete conversa
facilmente
corro riscos de enlouquecer
bem o sei
mas há que prosseguir viagem
o homem das doenças bebe cerveja
a gerência janta
as minhas amigas
às vezes vão ter comigo
as minhas amigas
às vezes emprestam-me dinheiro
sou o homem da solidão
sou o homem que escreve
e que anda de tasco em tasco.
DO HOMEM DAS DOENÇAS

Volto ao café
do homem das doenças
agora critica as missas
e os que mandam nas missas
é um homem crítico
um conversador nato
que defende a juventude
viva a juventude!
Cada um tem a sua religião
a religião não se discute
discute-se, sim!
Tudo se discute
aqui no café
é a maiêutica
e a dialéctica
em acção
só falta que volte Sócrates
e pronto!
Lá voltam as doenças
e os hospitais
e os Leões
e a Reitoria
e o "Piolho"
que amanhã faz anos
lá estarei
amanhã vou mesmo
apanhar uma bebedeira.
domingo, 28 de junho de 2009
HENRI MICHAUX
«Desde o início deste Congresso numerosas recomendações foram dirigidas ao escritor: debruçar-se sobre os problemas sociais, meditar nas repercussões da sua palavra, pesar as suas responsabilidades, sem falar de outras exortações que as mais das vezes podemos encontrar nos sermões.
Esta forma de conceber o homem e o artista dentro do homem como perfeitamente conscientes um do outro e associados, ou o segundo comandado pelo primeiro, se é muito natural tratando-se de jornalistas ou ensaístas, já o é menos tratando-se de criadores e só com muita dificuldade é aplicável aos poetas.
O poeta não é uma excelente pessoa que prepara a seu grado cozinhados perfeitos para o género humano.
O poeta não é uma pessoa que medita nessa preparação, que a segue com atenção e rigor para em seguida entregar ao consumo o produto acabado, com vista ao maior bem-estar de todos.
O poeta não se entrega a essa operação e, mesmo que o quisesse, seriam magros os resultados. A boa poesia é rara em regime de patronato, tal como nas salas de reuniões políticas.
(…)
Mas um poeta (nasceu hoje um, talvez) subverterá sem dúvida esta nova poesia. Tanto melhor.
Porque a verdadeira Poesia faz-se contra a Poesia da época precedente, não certamente por ódio, embora por vezes ingenuamente dê essa aparência, mas por que é chamada a mostrar a sua dupla tendência, que é em primeiro lugar trazer o fogo, o impulso novo, a nova tomada da consciência da época, e em segundo lugar libertar o homem de uma atmosfera envelhecida, gasta, viciada.
O papel do poeta consiste em ser o primeiro a senti-la, a descobrir uma janela para abrir ou, mais exactamente, em abrir um abcesso do subconsciente.
Foi talvez nesse sentido que se disse: “O poeta é um grande médico”, como aliás o cómico. Assim ele manifesta a sua segunda tendência, que chamei exorcizante. Faz desaparecer a sedução da época precedente, da sua literatura e, em parte, também da época presente. Essas duas tendências conjugam-se, de resto, numa só força em direcção ao futuro.
Vemos que no início o poeta está sozinho, parte sozinho à descoberta. A sua verdadeira acção social vem mais tarde, quando a humanidade quase sem ele querer o incorpora.
Esta incorporação faz-se de forma tão natural que muitas vezes imaginamos retrospectivamente, com algum simplismo, que o poeta deu o tom à época precedente.
Assim se torna eternamente actual o poeta que teve a coragem de não o ser demasiado cedo.»
[Henri Michaux, Nós Dois Ainda; tradução e apresentação de Rui Caeiro, Bonecos Rebeldes, Lisboa, 2009 (2.ª edição);
a 1.ª edição é da & etc, 1988]
Selecção de Jorge Fallorca, algures
Esta forma de conceber o homem e o artista dentro do homem como perfeitamente conscientes um do outro e associados, ou o segundo comandado pelo primeiro, se é muito natural tratando-se de jornalistas ou ensaístas, já o é menos tratando-se de criadores e só com muita dificuldade é aplicável aos poetas.
O poeta não é uma excelente pessoa que prepara a seu grado cozinhados perfeitos para o género humano.
O poeta não é uma pessoa que medita nessa preparação, que a segue com atenção e rigor para em seguida entregar ao consumo o produto acabado, com vista ao maior bem-estar de todos.
O poeta não se entrega a essa operação e, mesmo que o quisesse, seriam magros os resultados. A boa poesia é rara em regime de patronato, tal como nas salas de reuniões políticas.
(…)
Mas um poeta (nasceu hoje um, talvez) subverterá sem dúvida esta nova poesia. Tanto melhor.
Porque a verdadeira Poesia faz-se contra a Poesia da época precedente, não certamente por ódio, embora por vezes ingenuamente dê essa aparência, mas por que é chamada a mostrar a sua dupla tendência, que é em primeiro lugar trazer o fogo, o impulso novo, a nova tomada da consciência da época, e em segundo lugar libertar o homem de uma atmosfera envelhecida, gasta, viciada.
O papel do poeta consiste em ser o primeiro a senti-la, a descobrir uma janela para abrir ou, mais exactamente, em abrir um abcesso do subconsciente.
Foi talvez nesse sentido que se disse: “O poeta é um grande médico”, como aliás o cómico. Assim ele manifesta a sua segunda tendência, que chamei exorcizante. Faz desaparecer a sedução da época precedente, da sua literatura e, em parte, também da época presente. Essas duas tendências conjugam-se, de resto, numa só força em direcção ao futuro.
Vemos que no início o poeta está sozinho, parte sozinho à descoberta. A sua verdadeira acção social vem mais tarde, quando a humanidade quase sem ele querer o incorpora.
Esta incorporação faz-se de forma tão natural que muitas vezes imaginamos retrospectivamente, com algum simplismo, que o poeta deu o tom à época precedente.
Assim se torna eternamente actual o poeta que teve a coragem de não o ser demasiado cedo.»
[Henri Michaux, Nós Dois Ainda; tradução e apresentação de Rui Caeiro, Bonecos Rebeldes, Lisboa, 2009 (2.ª edição);
a 1.ª edição é da & etc, 1988]
Selecção de Jorge Fallorca, algures
quinta-feira, 25 de junho de 2009
O NOVO LIVRO

Hoje começo um novo livro. Há já algum tempo que os poemas vêm como que em capítulos. Hoje escrevo claramente em prosa. E a Tatiana lava a máquina de cortar fiambre. Há simpatia mas não consigo manter um diálogo com esta gente. A culpa é minha. Sou tímido e cultivo uma certa distância. O que também tem as suas vantagens. De vez em quando, como ontem, aparece um gajo a meter conversa. Este dizia disparates mas também disse algumas verdades. Até achei piada ao homem. Acho que vou voltar lá ao café por causa disso. A Gotucha está aflita com o relatório. E eu voltar a Paredes de Coura com a Mana Calórica. Não sei é das letras. Vou ter de as copiar do youtube e do myspace.
Hoje começo um novo livro. Já posso falar assim. O homem de ontem chamou religião ao futebol. Não é qualquer um que o diz. Exagerou nas doenças, mas enfim lá terá tido alguma doença grave. Mas o homem que falou antes dele, esse sim, era um senhor. Aquilo é que é o dom da palavra e a serenidade em pessoa. Pessoas que dá gosto ouvir. O poeta tem de ouvir essas pessoas e falar com elas. Não importa a distância que tem de percorrer. Aqueles empregados do "Guarda-Sol" com que falo também têm qualquer coisa. A maior parte das pessoas estão muito fechadas nelas próprias e na vidinha que levam. Limitam-se a dizer o que toda a gente diz, não são personagens de Henry Miller. E é esta a minha missão. Ouvir o mundo. Falar com os meus companheiros, estejam onde estiverem. Compreendo hoje que as minhas crises de euforia, que as minhas alucinações, fazem parte do processo de criação. Quando parti os vidros dos carros em Vila do Conde estava a descarregar tudo tudo o que se passou em Paredes de Coura, era Jesus Cristo a expulsar os vendilhões do Templo, a partir tudo em redor do Templo. Não presto adoração a nenhum Templo, a não ser o Templo do Amor e da Liberdade. Para o cidadão comum tudo isso é loucura. E talvez seja. Mas talvez a estrada da loucura seja a estrada do sublime. E eu nessas ocasiões sou o xamã: aquele que comunica com os deuses e com o espírito.
Hoje começo um novo livro. Não preciso de Deus. Já disse: Deus expulsou-nos do Paraíso. E eu quero o Paraíso de volta. QUero o Paraíso de volta, ouviram? É o Paraíso e só o Paraíso que me interessa. Todo o vosso dinheiro não compra o Paraíso! Todo o vosso dinheiro de pouco ou nada vos vale. Esta é a verdade. Agora sim. Estou lá próximo. Estou às portas do Paraíso.
Hoje começo um novo livro. Sinto-me próximo de Blake, de Morrison, de Nietzsche. Escrevo profeticamente no meio de uma confeitaria de Vilar do Pinheiro. Escrevo e sei que vou ter leitores. Escrevo e sei que posso mudar o mundo. Escrevo e acredito. Sou um louco divino. Não tenho de ser humilde. A humildade é própria do rebanho. Sou um louco divino. Mais uma caneta que dá o berro. Escrevo e as canetas cada vez duram menos tempo. Escrevo e desgasto o instrumento de trabalho.
Hoje começo um novo livro. Tenho permanecido na aldeia. Só vou à cidade duas vezes por semana. E sinto-me bem. Sinto-me próximo dos deuses. A rádio passa as músicas da adolescência. E eu flutuo, como a Carlinha. Olho para as horas. Nem sequer devia ligar a isso. Deveria ser o homem inteiramente livre. Sem qualquer limite, sem qualquer preconceito. Mas continuo preso á Terra. Se bem que os negócios dos homens nada me digam. Se bem que os discursos dos políticos cada vez me passem mais ao lado. É necessária uma nova linguagem. Uma linguagem profética. É necessário subir ao palco e dizê-la.
A MENSAGEM

SECÇÃO: Opinião
António Pedro Ribeiro
Esta é a Mensagem
Os políticos e os economistas falam uma linguagem diferente da nossa. Nós cantamos o caos no meio da derrocada económica e financeira. Nós cantamos e dançamos no meio do fogo. Dance on fire if it intends, como canta Jim Morrison. Mas nós não temos de nos andar sempre a exibir. Só quando subimos ao palco. Também temos necessidade de ser espectadores, de observar o mundo.
A nossa loucura não é camuflada, a nossa loucura é real. Amamos as nossas bacantes. Usamos palavras simples, textos directos, não suportamos escritas herméticas. Apelamos ao amor no meio do caos. Mas não o amor dos cristãos ou, pelo menos, não o dos cristãos actuais. Como disse Nietzsche, só houve um cristão e esse morreu na cruz.
Não queremos morrer na cruz! Nem queremos a vida eterna. Queremos a eternidade do instante. A eternidade da palavra. É essa a eternidade que nós amamos. A eternidade aqui e agora. Este ainda é o tempo do homem pequeno. Do homem da intriga, da mercearia, do hipermercado, da prisão, do rebanho. Nós visamos o homem livre. O homem que segue o seu caminho, que diz não aos ídolos, que diz não ás cadeias, que se opõe ao racionalismo mercantilista, que admira os grandes homens, que é, ele próprio, um espírito livre, que quer construir o Super-Homem.
Amamos a Vida, a vida plena, do prazer, das paixões, do sangue na guelra. Amamos as mulheres porque elas nos dão à luz e nos dão a luz. Sim, não estamos cá para agradar à maioria nem para obedecer ás leis da maioria. Por isso não suportamos governos, presidentes, parlamentos. Por isso, rejeitamos a democracia burguesa. A maioria é sempre uma massa imbecil. Os espíritos livres estão fora da maioria. Admitimos, sim, servimo-nos das eleições burguesas como forma de propagandear a nossa mensagem.
O Deus dos cristãos está morto ou, pelo menos, gravemente doente. É o deus-dinheiro que importa matar. Houve um tempo em que o Deus dos cristãos era mais poderoso que o dinheiro. Houve um tempo em que o Deus dos cristãos inspirava o medo e o terror. Esse tempo acabou. Tudo gira em função da economia, do mercado, do deus-dinheiro. A vida que o deus-dinheiro nos dá (ou nos vende) é uma vida de merda, controlada por relógios, trabalhos, hierarquias, contas, percentagens, bancos, trocas.
É a essa vida que é preciso dizer não.
É preciso dizer não aos bancos e às bolsas. Àqueles que provocaram a crise. Para isso não basta votar no partido x ou no partido y, isso de nada adianta. É necessário que os espíritos se tornem livres. É necessária uma revolução dionisíaca. Com fogo, vidros partidos, ocupações, destruição. Destruir para construir. Destruir para criar. Dêmos caos ao caos.
E depois falaremos do amor no fim. É esta a mensagem que queríamos passar. É esta a mensagem que os telejornais não passam. É esta a mensagem que não nos querem deixar passar. É esta a mensagem que queremos passar. É esta a mensagem. É esta a mensagem.
in www.vozdapovoa.com
O HOMEM COM O DOM DA PALAVRA

Finalmente um homem que dá gosto ouvir falar
um homem que nos faz escrever
e interromper a leitura
fala das festas de outrora e das de agora
dos bailes
apesar de não se confessar grande folião
eis o homem que dá gosto ouvir
que tem o ritmo certo
o dom da palavra
pode até nem ser um grande erudito
um grande intelectual
mas é um homem que encanta a plateia
com as estórias que conta
e gente educada
que se cumprimenta com cortesia
e tem sentido de humor
e goza com o dinheiro
e diz que não vale nada
e até aparece outro homem
que diz que o S. João do Porto
é o mais estúpido do mundo
e que até bate
em que o provocar
e que só fala de doenças
e que se interessa imenso por política
apesar de sempre todos uns mentirosos
e que diz que o futebol é uma religião
e que detesta as Testemunhas de Jeová
e que lhes dá porrada
e que fala comigo
meia hora seguida
e chega outro que bebe whisky
finalmente um café com vida
aqui nas redondezas!
Pedras Rubras, 24.6.2009
O AMOR É A SALVAÇÃO
Com tanta escrita a sair
agora sim, sinto-me um verdadeiro poeta
um poeta que vive da escrita
e para a escrita
que está em sintonia com a Criação
com a música do mundo
um poeta que dispensa as idas à cidade
e que fica aqui à mesa do café de V.N. Telha
a olhar para o cu da patroa
e com isso se entretém
a inveja e a vaidade são dois sentimentos
quase ultrapassados
sou um poeta sereno
ainda tenho as minhas raivas, claro,
mas sinto-me em paz comigo próprio
em comunhão com o espírito
embora me apeteça fazer
o que Cristo fez aos vendilhões do Templo
umas explosões assim,
de vez em quando,
já as tive
talvez tenham sido um sinal
mas não tenho de andar sempre
a falar nisso
o que está feito está feito
o que importa agora é o presente
o presente e o que aí vem
ainda está para vir o reconhecimento
a consagração
tenho a certeza
ainda não consigo escrever sobre os mares,
as florestas, os animais
daquela maneira que Nietzsche escrevia
para lá do bem e do mal
se bem que desejemos o bem
mas o bem autêntico
não o bem moralista
não o bem da sociedade
o bem puro, a virtude
de que falam Sócrates e Platão
o amor
o amor é uma divindade
o amor é a solução
e lá estou eu com os poemas compridos
se calhar ainda não consegui fazer a síntese
quando o conseguir chegarei onde quero chegar
e aí tudo estará cumprido
e aí os homens darão as mãos
e aí os tiranos cairão
e aí tudo começará de novo
e aí todos seremos irmãos.
agora sim, sinto-me um verdadeiro poeta
um poeta que vive da escrita
e para a escrita
que está em sintonia com a Criação
com a música do mundo
um poeta que dispensa as idas à cidade
e que fica aqui à mesa do café de V.N. Telha
a olhar para o cu da patroa
e com isso se entretém
a inveja e a vaidade são dois sentimentos
quase ultrapassados
sou um poeta sereno
ainda tenho as minhas raivas, claro,
mas sinto-me em paz comigo próprio
em comunhão com o espírito
embora me apeteça fazer
o que Cristo fez aos vendilhões do Templo
umas explosões assim,
de vez em quando,
já as tive
talvez tenham sido um sinal
mas não tenho de andar sempre
a falar nisso
o que está feito está feito
o que importa agora é o presente
o presente e o que aí vem
ainda está para vir o reconhecimento
a consagração
tenho a certeza
ainda não consigo escrever sobre os mares,
as florestas, os animais
daquela maneira que Nietzsche escrevia
para lá do bem e do mal
se bem que desejemos o bem
mas o bem autêntico
não o bem moralista
não o bem da sociedade
o bem puro, a virtude
de que falam Sócrates e Platão
o amor
o amor é uma divindade
o amor é a solução
e lá estou eu com os poemas compridos
se calhar ainda não consegui fazer a síntese
quando o conseguir chegarei onde quero chegar
e aí tudo estará cumprido
e aí os homens darão as mãos
e aí os tiranos cairão
e aí tudo começará de novo
e aí todos seremos irmãos.
quarta-feira, 24 de junho de 2009
A LIBERDADE E O AMOR

Não tenho jeito para ser merceeiro ou comerciante
não tenho aquele feitio de me agarrar aos trocos
e de ser simpático para toda a gente
de tirar partido
das mais pequenas vantagens
e depois este mundo do dinheiro
e da compra e venda
nada me diz
se fosse tasqueiro
começava a oferecer cervejas
ou bebi-as eu
não sei lidar com o dinheiro
ponto final
quando tenho algum
gasto-o em dois tempos
só estou interessado na liberdade e no amor
como eu há poucos
houve poucos
andamos por aí a espalhar a mensagem
mas ninguém nos ouve
ou quase ninguém
ou então só se apercebem dela
quando estamos mortos
ou muito velhos
ou gravemente doentes
só estou interessado na liberdade e no amor
não sou mais do que outros
por causa disso
mas o que é facto é que sou diferente
acredito que os homens, alguns homens,
se podem tornar deuses ou super-homens
a partir do momento em que se apercebem
de que o espírito é tudo
e que o espírito está em nós
esta é a grande verdade
esta é a Verdade
acrediteis ou não
é verdade que podemos pôr tudo em causa
Deus, o espírito, a Criação
e temos de passar pela fase do leão
em que combatemos tudo
e dizemos "eu quero!"
E dizemos merda para Deus,
para o espírito e para a Criação!
Mas depois voltamos à infãncia
e à criança, desta vez sábia,
e apercebemo-nos que para lá do caos
ou para cá
existe o espírito dentro de nós
e aí somos nós os deuses
somos nós os deuses
não me canso de repetir
e não há apenas a verdade de cada um
a verdade relativa
existe a Verdade
e o espírito está dentro de nós
e Deus está dentro de nós
e o espírito somos nós.
"Padeirinha", 24.6.2009
terça-feira, 23 de junho de 2009
A MINHA HORA

Cada vez escrevo melhor
cada vez há menos obstáculos
entre mim e o espírito
que são as coisas do mundo
as fomes e as guerras
os reis e os chefes
perante o espírito?
O espírito ilumina-me
através dos mestres
Henry Miller, Nietzsche, Morrison
regresso à Idade do Ouro
ao Uno Primordial
sou apenas eu
sem amos nem escravos
brinco comigo mesmo
invento personagens
estou mais preparado
para falar ao mundo
mas não sou um político
tenho a linguagem profética
a vida espiritual é a vida eterna
deixo-me ir
como um barco à deriva no mar
como um visionário
a cambalear pelo palco
como um escritor
que não vende livros
como um profeta
rejeitado pela multidão
mesmo assim prossigo
porque a certeza de que este é o caminho
do espírito e da Criação
e sei que outros me vão ouvir
e sei que vai chegar a minha hora
mesmo que tenha de atravessar desertos
mesmo que tenha de atravessar os mares
eu sei que vai chegar a minha hora.
O ESPÍRITO

O café "Natural" fecha mais cedo
por causa do S. João
e eu vou outra vez a Paredes de Coura
desta vez com a banda
mas o que interessa mais
é a minha identificação com Henry Miller
também sou um inadaptado ao trabalho comum
um ser que estando na sociedade e escrevendo
sobre a sociedade está fora dela e contra ela
um ser com vivacidade de espírito
que não está morto
que sabe que o espírito é tudo
que fala com os outros poetas
com os poetas autênticos
que dialoga consigo próprio
que lê a Bíblia e os satânicos
que está próximo de chegar onde quer
que quer a mulher
mas não uma qualquer
a mulher que provoca
a mulher que abana as ancas
a mulher que tem espírito
que dança loucamente na pista
que abana os cabelos e as mamas
a mulher que te quer
que tu agora tens a certeza que te quer
por muitos mares que se interponham
por muitos desertos que percorras
e que ainda tenhas de percorrer
esta é a era do espírito
esta é a tua era
provas o fruto da àrvore do conhecimento
desafias Deus
e tornas-te tu mesmo Deus
porque és só espírito
e espírito serás eternamente.
"Natural", Telha, 23.6.2009
Subscrever:
Mensagens (Atom)