quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O MEU PRÓXIMO LIVRO




















A. Pedro Ribeiro nasceu no Porto no Maio de 68. "Fora da Lei" é o seu décimo primeiro livro depois de, entre outros, "Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro" (Objecto Cardíaco), "Nietzsche, Jim Morrison, Henry Miller, os Mercados e Outras Conversas" (World Art Friends), "Queimai o Dinheiro" (Corpos). Licenciado em Sociologia pela Faculdade de Letras do Porto, é cronista, diseur e performer. Está "fora da lei" e exige o mundo, o amor e a liberdade aqui e agora.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O PARAÍSO ESTÁ À VISTA

O poeta está sentado na confeitaria. Escreve, inventa mundos, segue a caneta. Hoje meditou, por isso se sente mais solto, mais livre. As ideias percorrem a mente. Apesar de algumas mazelas físicas, não saiu da juventude. Continua a ir às noites, aos bares, à poesia. Aí é capaz de travar conversas interessantes, de discorrer sobre os mais diversos temas. Não fica aparentemente apático, como agora. Olha a mulher jovem. Deseja-a. O poeta quer continuar a ser ele próprio. Quer continuar a celebrar o dia. Não há prisões que o detenham, nem papões, nem capitalistas. Ele vai ao encontro da luz, sabe que há uma luz que lhe dá a vida. Essa luz une-se à alma e então o poeta cria. Espalha palavras pelo papel. Vai deixando filhos na Terra. Filhos que são os livros, que são os textos que publica. Quando está assim o poeta não conhece limites. Está muito para lá da vida rotineira. Ama a mulher. Deseja-a. Sabe que veio com um propósito, com uma missão, a de aumentar a vida. Por isso no poeta o amor vence o medo, o amor está no poema. E o poeta dança, o poeta celebra. O paraíso está à vista.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A PRISÃO

Que faço aqui? Porque tenho de usar dinheiro? Porque tenho de ter um trabalho? Quem me meteu essas coisas na cabeça? Que existe na cabeça senão o que penso? Porque é que as pessoas são tão mesquinhas? Porque não hei-de inventar ideias novas, porque não hei-de atingir a Ideia de Platão? Porque não hei-de ser sábio? Porque há-de existir um governo? Porque hã-de existir Deus? Porque há-de alguém mandar em mim? Porque passei a questionar tudo isto? Porque passo tanto tempo só? Porque não me limito a agarrar os segundos? Porque ainda acredito no amor e na liberdade? Porque não sou apenas mais um? O que é que me empurra? O que é que me faz subir? Porque me tornei diferente? O que me afasta da vidinha? Porque penso tanto? Porque é o que os meus pais me puseram aqui? Porque me fascinam tanto a loucura e a embriaguez? Que tenho a ver com Dionisos e os xamãs? Quem me ama? Quem me dá a mão? Porque fazem disto uma prisão?

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

VIVER

VIVER "Construir, todos os dias, incansavelmente, demencialmente, momentos inesquecíveis: isso sim vale a pena. Sê um construtor de momentos inesquecíveis, de momentos que vais querer, tal como quiseste vivê-los, recordar. Momentos que vais querer recordar incansavelmente, demencialmente. Sê um criador que nunca se cansa de construir momentos que vai querer recordar." (Pedro Chagas Freitas, "Eu Sou Deus") Fazer da vida uma festa, um banquete permanente. Eis o que os mercados e os governos nos querem impedir de fazer. Gozar a vida na leitura, no conhecimento, na arte, no prazer. Não ser o homem das meias-medidas, o meio-homem, a meia-mulher. Viver intensamente o instante. Viver é "nascer todos os dias, de novo. Consiste em ver tudo de novo", em fazer tudo de novo, em ser todos os dias "virgem de felicidade, criança de exaltação, bebé de euforia", como diz Pedro Chagas Freitas. Não é andar todo o dia a contar os trocos, a fazer contas. Viver é excesso mas também contemplação. Não é andar trabalho-casa, casa-trabalho, não é estar às ordens do governo, da polícia, da Merkel, dos mercados. Viver definitivamente é não estar às ordens de ninguém. Viver é andar sem Deus nem amos, como dizem os anarquistas. Não é certamente andar em função da televisão, do telejornal, do futebol, das telenovelas. Viver é desfrutar a vida. Quer através do saber, quer através do próprio querer, da vontade. Viver é sermos reis e senhores da vida. E eu conheci poetas vadios, sem-abrigo que o eram. Não são necessárias fortunas. Aliás, o dinheiro a partir de determinado nível só traz escravidão, dependência. Viver é certamente dar e receber amor e ser livre. É isso que somos. É isso que podemos ser. Não escravos disto e daquilo. Não subservientes em relação a este e àquele. Livres, soberanos, sonhadores. Donos da vida. Construtores de momentos inesquecíveis, criadores de vida. Eis porque estamos aqui, eis porque usamos a palavra. Ninguém nos vai roubar isto.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A ESSÊNCIA

No “Ceuta” como há 26 anos. Na altura escrevia uns poemas de vez em quando, lia muito. Frequentava a Faculdade de Economia, ainda não tinha desatinado com o curso. À semana ficava na casa de Vilar do Pinheiro com o meu pai. À terça ia para Braga e voltava na quinta. Ao fim-de-semana também ficava em Braga. Comecei a sentir-me deprimido na Faculdade mas como estava sempre a ir para Braga a situação não se agravou. Foi em Braga que comecei a sair à noite, a ir aos concertos, a apanhar bebedeiras. Aqui no Porto ia às livrarias, às sextas estava com a minha prima. Comprava livros. Hoje estou, de novo, aqui no “Ceuta”. Acabo de participar numa acção contra a Merkel. Não tenho vontade nenhuma de ter um trabalho normal e, de qualquer forma, seria difícil alcançá-lo. Em vários aspectos coloquei-me à margem. Identifico-me com o xamanismo da Fátima Vale. Sou um estudioso mas sigo a religião da embriaguez. Acho ridículos e quadrados a Merkel, o Passos, o Cavaco. Acho ridículos os banqueiros, os especuladores, os grandes empresários e os grande media que nos controlam. São seres sem alma, sem amor, sem virtude. São assassinos que matam gente à fome. São vendilhões que nos vendem notícias formatadas, manipuladas. Penso até que deveriam ser expulsos do planeta tal o mal que nos fazem. Posso estar aqui sozinho com uns trocos no bolso mas considero-me digno da vida, rei de mim próprio. Não tenho dívidas à troika nem a ninguém. Movo-me livremente, escrevo livremente, escrevo com o meu próprio sangue. Ninguém me vem impor regras, ninguém me vem dizer o que devo dizer ou fazer. Era isso que eu começava a compreender há 26 anos quando era esse rapaz que se revoltou contra a economia. Ninguém tem o direito de jogar com a minha vida, ninguém me tira daqui. Sou absolutamente único. Sou absolutamente irrepetível. Venho de reis malditos, de outras eras, de outros seres, de outros sóis. Tenho todo o direito de estar aqui com uns trocos no bolso ou sem nenhuns. Estou vivo, porra! Tenho asma, tenho apneia mas estou vivo. Eles não são mais do que eu. Eles são menos do que eu. Faço guerrilha com a caneta. Espeto-lhes palavras nos cornos. Teria vergonha de ser igual a eles. Estou vivo, porra! Tenho um percurso. Se calhar já estava aqui há mil anos atrás. Sabes, eu não sou bem como os outros. Eu procuro a ideia de bem como Platão. Já fui a tribunal, já fui à Judiciária. Já enfrentei o sistema. Tenho todo o direito de estar vivo, de respirar, de escrever. Não há deuses acima de mim, talvez eles estejam dentro de mim. Hoje, 12 de Novembro de 2012, no café “Ceuta”, proclamo o meu reino. Danço, canto como o super-homem de Nietzsche. Sei que o homem e a mulher procuram a sua metade, a metade perdida. Sei que o homem e a mulher não estão satisfeitos. Não basta fazer manifestações. É preciso ir à essência. A essência do homem, da mulher está ferida, violentada. Eis o que os capitalistas e os mercantilistas conseguiram ao longo dos séculos. Mas nós não somos da mesma raça. Nós combatemos a morte em vida. Nós exigimos o sublime. Nós somos os novos magos. Nós queremos reinar sobre a terra.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A REPÚBLICA DOS FILÓSOFOS

"A não ser que os filósofos se tornem reis nas nossas cidades, ou que aqueles a quem chamamos reis e chefes se tornem filósofos sérios e capazes e haja uma conjunção do poder político e da inteligência filosófica (...) não haverá (...) cessação dos males para as nossas cidades, nem mesmo, segundo julgo, para o género humano." (Platão, "A República") Só um governo de filósofos, isto é, dos mais virtuosos, dos mais justos, dos mais sábios assegurará, como defende Platão, a felicidade dos cidadãos. Ou, em alternativa, a democracia directa, só possível em regiões de pequena dimensão. Mas o governo dos filósofos é o governo "daqueles para quem a verdade é o espectáculo pelo qual estão enamorados". Esses amantes da verdade, do bem e da sabedoria estão dispostos "a provar de todas as ciências", dedicam-se à tarefa de estudar com prazer e são capazes "de se elevar até ao belo em si e de o contemplar na sua essência". De resto, temos governantes e políticos corrompidos pelo poder, pela vaidade, pela riqueza. Temos cães de fila dos mercados, dos banqueiros, dos grandes capitalistas. Temos homens pequenos, medíocres que se atropelam e trepam uns para cima dos outros como macacos. Reina a desonestidade, a corrupção, o compadrio, a negociata. Estamos longe da ideia de bem, de justiça, que Platão preconizava. Estamos num mundo de senhores medíocres e de escravos. Procuremos os filósofos-reis, venha a república dos filósofos.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

DAS CRIANÇAS E DOS JOVENS

Deixemos as nossas crianças brincar e levemo-las a conhecer e a procurar o conhecimento sem constrangimentos pois, como afirmava Platão, "quem é livre nada deve aprender como se fosse um escravo". Revolucionemos o ensino, encaminhemos as nossas crianças e jovens no sentido do bem, do belo, do justo, deixemos que eles desenvolvam livremente a curiosidade e o prazer da descoberta. Não as encaminhemos mais para o negócio e para o mercado, afastêmo-los da máquina de propaganda. Formemos homens livres, poetas, filósofos. Construamos um novo mundo. Sigamos os grandes mestres. Abandonemos, de uma vez por todas, esta sociedade que não presta.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

DA VIDA

Não se tem de andar constantemente de pistola na mão a apelar à revolta e à revolução. Contudo, penso que, nos tempos que correm (e em todos os tempos...), não faz sentido que o poeta, o escritor e o intelectual não se pronunciem de forma crítica sobre a sociedade em que vivem. Temos de denunciar que a vida assim não é vida. Que há forças que se escondem por detrás das medidas fascizantes dos governantes. Que há essa entidade a que chamam os mercados, a quem todos obedecem. Que há os "credores", os especuladores, a bolsa, os banqueiros, os economistas, os grandes empresários, essa gente altamente recomendável. É preciso dizer que todos eles nos chulam, nos roubam, nos vão dando cabo da vida. E a vida é o que realmente interessa, como dizia Henry Miller. A vida é respirar, é estar vivo, é estar aqui mas é também gozar o instante, construir o presente, amar o próximo e o longínquo, mexer os dedos e a caneta, andar à solta sem imposições, sem castrações, sem culpas. A vida é certamente a liberdade livre de Sade e dos surrealistas, não o trabalho, não o sacrifício, não o que nos obrigam a fazer. A vida é certamente acordar contigo, ouvir as fontes e os pássaros, dançar em redor da fogueira, como cantava Morrison. A vida é certamente tirar todos esses imbecis do poder, caciques locais de Câmara e de Junta incluídos. A vida é ajudar esta gente a sair da cegueira, como fazia Sócrates, como fazia Shakespeare. Café São Cristóvão, Braga, 2.11.2012

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O ABRAÇO FRATERNO DO CARLOS PINTO

O mundo do dinheiro e da economia é absurdo. Afasta-nos da nossa essência, do amor, da alma. Destrói a maravilha e o mistério da vida. Empurra-nos para o trabalho imposto, para o sacrifício, para a máquina cega. A nossa experiência perde a luminosidade, o prazer da descoberta, a aventura do eu é castrada. A viagem interior, xamãnica só está ao alcance de alguns. Só alguns contactam com os espírito s, atravessam para o outro lado. No resto, o dinheiro e a economia destroem o belo e a poesia. Já rareia a espontaneidade, o abraço fraterno como o do Carlos Pinto no Púcaros, o diálogo aberto. O reino do dinheiro, da ganância e da economia produz homens e mulheres sem coração que se vão safando, trepando uns para cima dos outros como macacos, como dizia Nietzsche. Só alguns de nós, com sofrimento, nos conseguimos manter puros, imunes ao grande mercado, vivendo a luz e o espírito. Por isso, ainda amamos incondicionalmente, sem hipocrisias. Por isso desafiamos os poderes, provocando-os, insultando-os. Por isso tentamos fazer da vida uma experiência permanente, por isso nos abrimos e damos, por isso somos diferentes.

domingo, 21 de outubro de 2012

DIVINOS

"Somos constituídos por partículas formadas desde os primeiros segundos do universo, átomos forjados num sol anterior ao nosso, moléculas que se reuniram na Terra." (Edgar Morin) Vimos do início, dos primeiros segundos do universo. Somos divinos, estamos muito para lá do homem prosaico, das suas preocupações mesquinhas, do dinheiro ao fim do mês. Somos fundamentalmente alma, amor, poesia. Somos ... capazes de grandes obras. Estamos para lá de Deus. Somos caminheiros dos céus, como dizia Henry Miller. Somos grandes. Somos do tamanho do universo mas somos frágeis. Por isso precisamos de amor, amizade, fraternidade. E precisamos de criar, de celebrar a vida, o milagre da vida. Podemos estar aqui à mesa da confeitaria a escutar conversas banais mas somos divinos. Hoje tomamos consciência. Somos divinos. Como Shakespeare, como Nietzsche. Somos meninos e bailarinos. Jogamos com a vida. Descobrimos o mistério. Vimos de um sol anterior ao nosso. Dancemos. Brindemos ao mundo e à vida. Chegámos onde queríamos chegar. Somos loucos divinos. Poetas-bailarinos. Celebremos.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

EU ACUSO!

Todo o percurso que fiz até aqui. O rapaz que era. A timidez. A dificuldade de me relaciionar com as raparigas. Os versos que então escrevia. Já então pensava muito. Depois veio a noite, os copos, os concertos. Descobria a liberdade no Tuaregue, no Deslize, em Braga, na Rua Nova de Santa Cruz. Tornei-me então outro, aquele que sobressaía, que provocava, que dançava. Mas as grandes depressões travaram a minha caminhada. Fiquei inerte, insoluvelmente melancólico, incomunicável. Passavam-se os meses dolorosamente e, aos poucos, readquiria a vida. Fui para o palco, cantei, recitei, fiz a festa. Agora estou aqui, aos 44 anos, mais sábio, mais virtuoso, mas ainda desejoso de passar para o outro lado. Ainda morrisoniano, nietzscheano, consciente de que a vida não se resume a uma fórmula única e irreversível. Consciente de que os medíocres que nos governam e querem controlar não passam de uns imbecis sem alma nem coração, sem inteligência. Consciente de que posso chegar ao palco e dizê-lo. Consciente de que nada há a perder, de que fiz o meu percurso e de que não devo nada a ninguém. Posso estar aqui sozinho na confeitaria com os meus livros mas acuso esses medíocres do poder de destruírem a vida, de matarem de fome, tédio e depressão, de darem cabo de tudo quanto é arte, belo, exuberância, de assassinarem a juventude e a infância, de amputarem a liberdade e o amor. Acuso-os de não fazerem parte da humanidade nem da vida.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A SEDE DO LUCRO

Terrível mundo este onde "a sede do lucro sufoca todo o restante impulso humano", nas palavras de Ernst Bloch. Terrível mundo este onde podemos vir ao café estudar ou conversar mas onde as conversas são formatadas, dominadas pelo preconceito ou pelo medo, controladas pelas modas e pelo "big brother" televisivo. Verdadeiramente poucos de nós conseguimos ser autenticamente plenos e ainda assim estam...os sujeitos ao tédio, à depressão, à ameaça da pobreza, à máquina que bombardeia. Conhecemos homens livres que morreram na miséria. De resto, há a sede do lucro, do passar por cima do parceiro, a luta pela existência. Raramente somos plenos, raramente conversamos sábios e libertos, raramente nos expressamos ou criamos no máximo das nossas potencialidades. Há sempre algo que nos diminui o espírito e a inteligência. Há sempre algo que nos condiciona. Mesmo que tomemos mais um café e que nos sintamos mais concentrados, mais sabedores. Mesmo que as pessoas venham aparentemente livremente ao café não deixam de ser escravas- da ignorância, da barbárie, de Mámon, o deus-dinheiro.

CAPITALISMO

o capitalismo é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro. Deus não morreu, tornou-se Dinheiro. (Giorgio Agamben)

domingo, 7 de outubro de 2012

A BARBÁRIE

Em 1845, em “A Essência do Dinheiro”, Moses Hess afirma que o capitalismo traduz a dominação exercida pelo deus-dinheiro sobre os homens, constituindo um sistema que coloca à venda a liberdade humana. O dinheiro é a essência e traz um mundo pior do que o da escravatura antiga porque “não é natural nem humano que alguém se venda a si próprio voluntariamente”. A tarefa do comunismo é, as...sim, abolir o dinheiro. Para Gustav Landauer essa tarefa não é aperfeiçoar o sistema industrial-capitalista mas ajudar os homens a redescobrirem a cultura, o espírito, a liberdade, a comunidade. Para outros, o capitalismo é traficar a alma, o espírito, o pensamento. Para Marx, exige-se “a revolta contra um mundo que transformou cada coisa numa mercadoria e degradou o homem, reduzindo-o ao estatuto de objecto”. Sim, temos o direito de exigir o homem integral. O poder do dinheiro pode destruir todas as qualidades humanas e naturais, reduzindo-as ao quantitativo. A troca de afectos é substituída pela troca do dinheiro por uma mercadoria. Não existe nada de mais abjecto do que o capitalismo e os seus mercadores e economistas. Reduzem tudo ao cálculo, ao deve e haver, ao orçamento. Cortam na vida das pessoas como se tratassem com objectos. A sensibilidade é substituída pela posse. Como dizem Michael Lowy e Robert Sayre em “Revolta e Melancolia”, “o ser, a livre expressão da riqueza da vida por actividades sociais e culturais, é cada vez mais sacrificado ao ter, à acumulação do dinheiro, das mercadorias e do capital”. O homem está fortemente condicionado na sua capacidade criativa pelas drogas que nos atiram todos os dias via media e por um mercado implacável. Segundo Lukács, “tudo deixou de ser avaliado por si próprio, pelo seu valor intrínseco- artístico ou ético- e apenas tem valor enquanto mercadoria vendível ou comprável no mercado”. É a barbárie, a selvajaria. Nem sabemos como ainda pode haver algum amor, algum diálogo, alguma filosofia. Eles estão a destruir o que de mais genuíno há no homem, esses merceeiros, esses moedeiros. Isto não é apenas a crise económica, isto não é apenas o irem-nos aos bolsos, isto é irem-nos à alma, destruírem os verdadeiros progressos da humanidade. Isto é destruir a vida. Não podemos mais aceitá-lo. Somos homens e mulheres. Não somos objectos, não somos notas e moedas.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O ESTAR AQUI

Vir ao mundo, receber a graça de vir ao mundo. Depois brincar, ser livre. Ir à escola, aprender mas também ser moldado pela máquina, pelo mercado. Começar a questionar as coisas, guardá-las para si ou debatê-las com os melhores amigos. Fazer o liceu, ir para a Faculdade. Sair à noite, celebrar a noite, experimentar a liberdade. Mas depois voltar à máquina, ao mercado, à competição. Ler uns livros que contrariam isso. Depois vem novamente o ganhar a vida, o safar-se, o lutar pela existência, o passar por cima dos outros. Questionar tudo isso novamente, estar aqui no café com os livros, experimentar a liberdade. Saber que há uma via que está para lá da escravidão, do ser mais um, saber que essa via pode ser dolorosa mas saber que ela existe. Estar aqui, saber que não se está aqui por acaso, que temos um propósito, uma missão. Saber que isto está muito para lá do pão nosso de cada dia. Saber que isto não é o trabalho absurdo. Procurar o amor e o conhecimento. Ser o homem íntegro, integral. Não se deixar levar pela grande depressão. Estudar, ler os grandes, filosofar. Estar aqui, estar vivo, sem culpas nem pecados. Estar aqui soberano, sem patrões.