quarta-feira, 17 de outubro de 2012

EU ACUSO!

Todo o percurso que fiz até aqui. O rapaz que era. A timidez. A dificuldade de me relaciionar com as raparigas. Os versos que então escrevia. Já então pensava muito. Depois veio a noite, os copos, os concertos. Descobria a liberdade no Tuaregue, no Deslize, em Braga, na Rua Nova de Santa Cruz. Tornei-me então outro, aquele que sobressaía, que provocava, que dançava. Mas as grandes depressões travaram a minha caminhada. Fiquei inerte, insoluvelmente melancólico, incomunicável. Passavam-se os meses dolorosamente e, aos poucos, readquiria a vida. Fui para o palco, cantei, recitei, fiz a festa. Agora estou aqui, aos 44 anos, mais sábio, mais virtuoso, mas ainda desejoso de passar para o outro lado. Ainda morrisoniano, nietzscheano, consciente de que a vida não se resume a uma fórmula única e irreversível. Consciente de que os medíocres que nos governam e querem controlar não passam de uns imbecis sem alma nem coração, sem inteligência. Consciente de que posso chegar ao palco e dizê-lo. Consciente de que nada há a perder, de que fiz o meu percurso e de que não devo nada a ninguém. Posso estar aqui sozinho na confeitaria com os meus livros mas acuso esses medíocres do poder de destruírem a vida, de matarem de fome, tédio e depressão, de darem cabo de tudo quanto é arte, belo, exuberância, de assassinarem a juventude e a infância, de amputarem a liberdade e o amor. Acuso-os de não fazerem parte da humanidade nem da vida.

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