quinta-feira, 17 de maio de 2012

O POETA

O poeta é publicado nos jornais. É lido e, quiçá, discutido. Agora olha a gata branca. Para os gatos o tempo é circular, é o eterno retorno. Para o poeta há dias incendiários, outros tranquilos como este. Ainda assim o poeta não faz da vida uma guerra, a luta pela existência. Tem dias tristes, deprimentes mas tem outros de vida plena. Vai conhecendo os homens e as mulheres. Não se inscreveu em campeonatos nem sente inveja. Preocupa-se com a construção de si mesmo e do homem. Muitas vezes veste a pele do cidadão respeitável. No entanto, em certas ocasiões sai da linha. Consegue ser fogo, embriaguez, vida. Mesmo quando está aparentemente em sossego como agora. E assim se faz o poema. Mesmo que não venha em verso. O poeta escreve calmamente. Mas sabe que a sua escrita queima. Contudo, agora é a paz que deseja. Com os gatos e os pássaros. O poeta escreve calmamente.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

PLENAMENTE ÚNICO

"Quem não for como toda a gente, quem não pensar como toda a gente, corre o risco de ser eliminado" (Ortega y Gasset, "A Rebelião das Massas") Desde a infância que temos de seguir o caminho da normalidade. Temos de nos integrar no grupo para sermos aceites. Temos de concordar com o grupo, com a maioria, com a "felicidade da maioria". Temos de arranjar um emprego, temos de assentar, de abandonar as "loucuras" da juventude, temos de ser cidadãos sérios e cumpridores. A TV leva-nos a pensar como toda a gente, a aceitar a existência de um governo, a ser o homem médio, das "meias-medidas". Ora, o homem é muito mais do que isso, é aquele que se constrói, aquele que procura. É também o poeta, mas não o versejador da corte, aquele que ama desesperadamente a dama, que segue o caminho que conduz a si mesmo, como diz Nietzsche, que procura o conhecimento, a arte e a glória. É aquele que desafia as convenções, o tem que ser, as linhas rectas. Por isso não suporta ser dominado pelo grupo, pela sociedade, pelos poderes, pelos polícias. Tem uma voz original, que se destaca das outras. Às vezes é louco, outras extremamente lúcido. Todas as castrações o perturbam, quer ser plenamente livre, plenamente vivo, plenamente único.

sábado, 12 de maio de 2012

O GRANDE LIVRO

Tenho a garra e a voz expressiva, segundo rezam as crónicas. Já aos 20/21 surpreendia no Tuaregue em Braga. Agora quero uma mulher mas quero também a glória. Preencho cadernos e cadernos. Não sei se se vão perder. O sr. Tiago cumprimenta-me. Compenso a preguiça de há pouco com o esgalhar da escrita. Há dias em que durmo horas e horas ou que simplesmente fico na cama, outros em que passo a noite acordado, é aquela vontade de não perder o instante, de agarrar a vida com todas as forças. Mesmo não sendo um realista, longe disso, sou realista, hiper-realista na escrita. Alguns investigam muito para escrever romances, eu investigo para o grande livro, que não sei quando virá. Escrevo para me manter vivo. Quando vou à cidade estabeleço diálogos com outros cidadãos. Política, literatura, arte, filosofia. O que é certo é que a extrema-esquerda vence na Grécia. O que é facto é que tenho a vida toda à minha frente. A vida é minha. O vosso bombardeamento já faz menos efeito, ó reis da máquina. A criança detém-se diante de mim. Quem virá a ser? Vem-se ao mundo e deixa-se marca num círculo muito restrito. Eu quero mais do que isso. Eu quero entrar nas mentes e nos corações. Tenho amigos e amigas. Não estou com eles todos os dias. Há dias, tardes, em que fico assim. Escrevo, leio, não paro de escrever. Porque raio não crio personagens?

sexta-feira, 11 de maio de 2012

A NOVA ESPERANÇA

Edição 78, 11 Maio 2012 A NOVA ESPERANÇA O resultado histórico da coligação de esquerda radical (Syriza) nas eleições legislativas na Grécia e as descidas vertiginosas da Nova Democracia (direita) e do PASOK (socialistas) significam a derrota das medidas de Berlim e da troika, bem como das receitas de austeridade. Há uma nova força, a que se juntam outros partidos de esquerda e de extrema-esquerda, que não aceita uma Europa que se reduz à finança, uma pretensa democracia ao serviço dos banqueiros, dos especuladores, dos tecnocratas, um pensamento único que tanto agrada aos comentadores do regime que começam a meter os pés pelas mãos. Da Grécia vem uma nova esperança, que já era visível nas manifestações de Atenas, que não aceita que a vida se resuma a uma fórmula única e irreversível. Começamos a ficar realmente fartos dos homens do centro e da direita, dos homens do negócio e do pacto orçamental, do homem das meias-medidas, do meio-homem. A revolução está próxima. ---- OS MEIOS-HOMENS E O HOMEM INTEIRO De que falam as pessoas? Porque vivem? Não faz sentido viver para trabalhar. Não faz sentido viver para andar atrás do dinheiro. Porque não ser pleno? Porque não criar, transmitir a criação e depois descansar? A maior parte das conversas nada me dizem. A maior parte das conversas nada acrescenta de novo, nada tem de criativo, de poético. O que faz aqui o homem? Porque tem de trabalhar, de andar atrás do dinheiro? Porque é que o dinheiro há-de ser mais de uns do que de outros? Porque é que há ricos e pobres, opressores e oprimidos? Porque hei-de aceitar isso como uma fatalidade? Porque não hei-de estar no princípio do mundo? Porque não hei-de nascer outra vez? Que forças me impedem? Porque não hei-de escrever como Shakespeare ou Nietzsche? Que forças me impedem de ser pleno, aqui nesta cidade (Braga) que me adoptou, que me mostrou a noite e a vida? Porque não me hei-de interrogar como Hamlet? Foi para nos andarmos a enganar-nos uns aos outros, a guerrear-nos uns aos outros que viemos? Para que viemos? Porque é que os nossos pais nos trataram com amor e carinho? Que maldição se abate sobre nós a partir do momento em que nos encaminham para o mercado de trabalho, para a máquina? Porque é que só às vezes nos é permitido sermos autênticos, livres, felizes? Porque é que não podemos beber sempre da taça? O que é que nos impede de brindar agora? O que é que nos obriga a fazer o que o governo ou outro patrão qualquer nos manda? Porque é que alguém há-de mandar? Porque é que existe um Estado ou um chefe? Porque não havemos de celebrar a vida noite e dia? Quem nos obriga a trabalhar e a ganhar dinheiro? Que estamos a fazer aqui? Rimo-nos às vezes, quando nos rimos, vendem-nos umas beldades inacessíveis na televisão, vá lá que a nós, criadores, nos roubam menos o tempo. Estão sempre a roubar o tempo à esmagadora maioria dos homens. É isso que fazem. Não, não percorremos as ruas de Atenas com Sócrates e Platão. Não temos o vagar de dialogar livremente, de procurar a virtude e a sabedoria. Estão sempre a roubar-nos o tempo, a afastar-nos. E depois muitos contentam-se com as vitórias do futebol. Mas, no dia seguinte, acaba. Regressamos ao tédio e ao trabalho. Vivemos a vida a prestações. E depois tudo parece tranquilo, boas maneiras, euromilhões. É a felicidade de plástico. Somos meios-homens, meias-mulheres, o homem das meias-medidas de que falava Nietzsche. Porque não somos inteiros? Porque não o banquete permanente? Porque nos vêm pregar o sacrifício e a morte em vida? Quem são eles para pregar seja o que for? Pelo contrário, são eles que perseguem os verdadeiros profetas, o super-homem, são eles que os crucificam. Mas a culpa também é dos que os colocam lá, dos que, no último instante de soberania que lhes é permitido, os elegem. Também eles crucificam os profetas e os super-homens. Também esses os abandonam no palco ou na praça pública, também esses os deixam sem trocos, sem abrigo, sem nada. Como se escrever ou pregar não fossem actividades que exigem um esforço, dedicação, como se não fossem actividades superiores. Porque raio temos de aceitar estes juízes que nos impõem? Porque raio tanta gente os aceita e apoia? É o medo. Vivemos no medo de perder o emprego, de perder o dinheiro, da morte, da doença. A máquina de propaganda do capitalismo contribui, e de que maneira, para nos meter esses medos na cabeça. Não, assim nunca seremos livres. Assim nunca nos sentaremos à mesa do banquete. Contentamo-nos com umas migalhas que nos vão dando, com umas saídas à noite, com umas idas ao cinema, com uns copos aqui e ali, com umas sessões de poesia. Só a espaços somos plenos, completos, inteiros. Depois vem sempre o trabalhinho, a obrigação, o sacrifício. Estamos longe da festa, do banquete, da embriaguez permanente. Inventamos sempre juízes, deuses, o deus único, os governos que nos vêm punir se nos portamos mal como as criancinhas. O medo. Sempre o medo. O relógio maldito. O tempo que nos roubam, a vida que nos roubam.

terça-feira, 8 de maio de 2012

A IMENSA SOLIDÃO

Estranha alegria sinto eu hoje. Uma estranha comunhão com o mundo. Apesar da máquina, da propaganda, do capitalismo, as pessoas sorriem para mim, tratam-me bem. Apesar de eu ser o poeta do caos há uma harmonia no ar, como se a guerra entre os homens estivesse distante. Apesar de se continuar a falar de contas e de trabalho, hoje sinto um certo estado de graça como se tudo me fosse dado de graça, como se estivesse a nascer outra vez. Que relação tem a minha mente com a da mulher em frente (terá a minha idade) com a criança? Talvez o amor, o carinho. De resto, seguimos caminhos completamente diferentes. Aparentemente fui muito bem até ao 12º ano. Aparentemente, pois era muito tímido, pensava muito, só tinha dois amigos: o Jorge e o Rui. Depois os Doors e o Jim Morrison deram-me a volta à cabeça, comecei a ler, lia muito. Então fui para o Porto, para a Faculdade de Economia, sentia-me só, muito só, deslocado, comecei a entrar em ruptura com a economia e com a finança. Saía à noite em Braga, conheci a noite e os concertos em Braga. Braga acolheu-me. Nunca o esquecerei. Tornei-me um rebelde, mesmo que ficasse meses paralisado com as longas depressões. Não assentei. Não casei. Não tive filhos. Abracei causas políticas, revolucionárias. Publiquei livros. Fiz performances, cantei em bandas, disse poemas. Fiz rádio, publiquei em jornais e revistas, fui funcionário e dirigente do Jornal Universitário do Porto, fui jornalista. Integrei e fundei movimentos anti-praxe. Não segui realmente a via da normalidade, do assentar, do trabalho certo, do relógio. Esta gente, a maioria clara, seguiu essa via. Muitos deles e delas contentam-se com primarismos intelectuais, com futilidades, com músicas pimba. Muitos deles, muitas delas não têm pura e simplesmente capacidade de raciocínio e têm a imaginação castrada. Por culpa da máquina mas também por culpa própria. Daí que tenham seguido sempre dentro dos trilhos, em linha recta. Se houve momentos em que questionaram a máquina depressa se deixaram levar pelo canto desta. Por isso fui diferente. Houve pessoas, livros, discos, filmes, peças de teatro que me fizeram divergir, sair dos trilhos. E é assim que cheguei aqui hoje vivo, apesar das depressões, apesar dos fracassos, apesar da imensa solidão. Imensa solidão que também me fez descobrir o caminho que conduz a mim mesmo, imensa solidão que também me ajudou a afastar-me da máquina.

A NOVA ESPERANÇA

O resultado histórico da coligação de esquerda radical (Syriza) nas eleições legislativas na Grécia e as descidas vertiginosas da Nova Democracia (direita) e do PASOK (socialistas) significam a derrota das medidas de Berlim e da troika, bem como das receitas de austeridade. Há uma nova força, a que se juntam outros partidos de esquerda e de extrema-esquerda, que não aceita uma Europa que se reduz à finança, uma pretensa democracia ao serviço dos banqueiros, dos especuladores, dos tecnocratas, um pensamento único que tanto agrada aos comentadores do regime que começam a meter os pés pelas mãos. Da Grécia vem uma nova esperança, que já era visível nas manifestações de Atenas, que não aceita que a vida se resuma a uma fórmula única e irreversível. Começamos a ficar realmente fartos dos homens do centro e da direita, dos homens do negócio e do pacto orçamental, do homem das meias-medidas, do meio-homem. A revolução está próxima.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Sou o poeta do Piolho tenho o meu livro "Café Paraíso" exposto no Piolho ouço a conversa da mesa do lado o Carlos Pinto já se foi o Joaquim Castro Caldas já se foi o João Ulisses já se foi O Rui Costa já se foi eu continuo aqui talvez vá muita gente ao meu funeral mas chega de lamúrias o que é facto é que continuo aqui vivo venho á cidade e encontro este e aquela sou um poeta isso sei que sou isso ninguém me tira não gosto de governos nem de gajos a mandar se alguém me dirigir a palavra eu respondo aos 18/19 anos em Braga toda a gente falava com toda a gente o pessoal abraçava-se ao som dos Doors isso perdeu-se as pessoas fecham-se em grupos não há aquela espontaneidade aquela liberdade anda tudo muito controlado mesmo que não pareça eu continuo aqui vivo sem culpas nem obrigações não segui a via do economista nem do merceeiro por isso me sinto livre mesmo que olhe para o relógio o governo não vem dar-me palmadas de vez em quando subo ao palco gosto de lá estar é outra dimensão comecei cedo depois fiz umas paragens agora aqui estou o poeta do Piolho o poeta no Piolho acredito que posso ir mais longe chegar onde nunca cheguei sigo pela estrada larga sou aquele que sou. Porto, Piolho, 30.4.2012

CAFÉ

O café é a droga que faz o meu cérebro funcionar sem café não conseguiria ler nem escrever nem estudar sem café não estaria aqui á mesa a divagar sem café não conseguiria passar as ideias para o papel por isso tenho de tomar, pelo menos, dois cafés por dia por isso venho ao café tomar café.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

OS BÁRBAROS DO "PINGO DOCE"

A barbárie já chegou a Portugal. No 1º de Maio, Dia do Trabalhador, uma massa de gente agrediu-se e atropelou-se a troco de uns descontos no “Pingo Doce”. Bárbara é a atitude do dono do “Pingo Doce” que põe os trabalhadores a trabalhar no 1º de Maio em condições miseráveis. Bárbaro é o seu oportunismo financeiro. Mas bárbaros são também aqueles que, sem qualquer ponta ...de dignidade, invadem os supermercados no 1º de Maio e se batem por um naco de carne. Passos Coelho e o Alexandre do “Pingo Doce” conseguiram levar o país até à barbárie. Afinal, o respeitinho, os brandos costumes e as boas maneiras são só de fachada. Bastaram umas promoções para virem ao de cima, além da pobreza e da miséria, os instintos básicos do salve-se quem puder, do egoísmo, do fechamento na família, do primitivismo intelectual, da inveja, da falta de humanidade. E isto ainda está no princípio…