sexta-feira, 11 de maio de 2012

A NOVA ESPERANÇA

Edição 78, 11 Maio 2012 A NOVA ESPERANÇA O resultado histórico da coligação de esquerda radical (Syriza) nas eleições legislativas na Grécia e as descidas vertiginosas da Nova Democracia (direita) e do PASOK (socialistas) significam a derrota das medidas de Berlim e da troika, bem como das receitas de austeridade. Há uma nova força, a que se juntam outros partidos de esquerda e de extrema-esquerda, que não aceita uma Europa que se reduz à finança, uma pretensa democracia ao serviço dos banqueiros, dos especuladores, dos tecnocratas, um pensamento único que tanto agrada aos comentadores do regime que começam a meter os pés pelas mãos. Da Grécia vem uma nova esperança, que já era visível nas manifestações de Atenas, que não aceita que a vida se resuma a uma fórmula única e irreversível. Começamos a ficar realmente fartos dos homens do centro e da direita, dos homens do negócio e do pacto orçamental, do homem das meias-medidas, do meio-homem. A revolução está próxima. ---- OS MEIOS-HOMENS E O HOMEM INTEIRO De que falam as pessoas? Porque vivem? Não faz sentido viver para trabalhar. Não faz sentido viver para andar atrás do dinheiro. Porque não ser pleno? Porque não criar, transmitir a criação e depois descansar? A maior parte das conversas nada me dizem. A maior parte das conversas nada acrescenta de novo, nada tem de criativo, de poético. O que faz aqui o homem? Porque tem de trabalhar, de andar atrás do dinheiro? Porque é que o dinheiro há-de ser mais de uns do que de outros? Porque é que há ricos e pobres, opressores e oprimidos? Porque hei-de aceitar isso como uma fatalidade? Porque não hei-de estar no princípio do mundo? Porque não hei-de nascer outra vez? Que forças me impedem? Porque não hei-de escrever como Shakespeare ou Nietzsche? Que forças me impedem de ser pleno, aqui nesta cidade (Braga) que me adoptou, que me mostrou a noite e a vida? Porque não me hei-de interrogar como Hamlet? Foi para nos andarmos a enganar-nos uns aos outros, a guerrear-nos uns aos outros que viemos? Para que viemos? Porque é que os nossos pais nos trataram com amor e carinho? Que maldição se abate sobre nós a partir do momento em que nos encaminham para o mercado de trabalho, para a máquina? Porque é que só às vezes nos é permitido sermos autênticos, livres, felizes? Porque é que não podemos beber sempre da taça? O que é que nos impede de brindar agora? O que é que nos obriga a fazer o que o governo ou outro patrão qualquer nos manda? Porque é que alguém há-de mandar? Porque é que existe um Estado ou um chefe? Porque não havemos de celebrar a vida noite e dia? Quem nos obriga a trabalhar e a ganhar dinheiro? Que estamos a fazer aqui? Rimo-nos às vezes, quando nos rimos, vendem-nos umas beldades inacessíveis na televisão, vá lá que a nós, criadores, nos roubam menos o tempo. Estão sempre a roubar o tempo à esmagadora maioria dos homens. É isso que fazem. Não, não percorremos as ruas de Atenas com Sócrates e Platão. Não temos o vagar de dialogar livremente, de procurar a virtude e a sabedoria. Estão sempre a roubar-nos o tempo, a afastar-nos. E depois muitos contentam-se com as vitórias do futebol. Mas, no dia seguinte, acaba. Regressamos ao tédio e ao trabalho. Vivemos a vida a prestações. E depois tudo parece tranquilo, boas maneiras, euromilhões. É a felicidade de plástico. Somos meios-homens, meias-mulheres, o homem das meias-medidas de que falava Nietzsche. Porque não somos inteiros? Porque não o banquete permanente? Porque nos vêm pregar o sacrifício e a morte em vida? Quem são eles para pregar seja o que for? Pelo contrário, são eles que perseguem os verdadeiros profetas, o super-homem, são eles que os crucificam. Mas a culpa também é dos que os colocam lá, dos que, no último instante de soberania que lhes é permitido, os elegem. Também eles crucificam os profetas e os super-homens. Também esses os abandonam no palco ou na praça pública, também esses os deixam sem trocos, sem abrigo, sem nada. Como se escrever ou pregar não fossem actividades que exigem um esforço, dedicação, como se não fossem actividades superiores. Porque raio temos de aceitar estes juízes que nos impõem? Porque raio tanta gente os aceita e apoia? É o medo. Vivemos no medo de perder o emprego, de perder o dinheiro, da morte, da doença. A máquina de propaganda do capitalismo contribui, e de que maneira, para nos meter esses medos na cabeça. Não, assim nunca seremos livres. Assim nunca nos sentaremos à mesa do banquete. Contentamo-nos com umas migalhas que nos vão dando, com umas saídas à noite, com umas idas ao cinema, com uns copos aqui e ali, com umas sessões de poesia. Só a espaços somos plenos, completos, inteiros. Depois vem sempre o trabalhinho, a obrigação, o sacrifício. Estamos longe da festa, do banquete, da embriaguez permanente. Inventamos sempre juízes, deuses, o deus único, os governos que nos vêm punir se nos portamos mal como as criancinhas. O medo. Sempre o medo. O relógio maldito. O tempo que nos roubam, a vida que nos roubam.

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