terça-feira, 8 de maio de 2012

A IMENSA SOLIDÃO

Estranha alegria sinto eu hoje. Uma estranha comunhão com o mundo. Apesar da máquina, da propaganda, do capitalismo, as pessoas sorriem para mim, tratam-me bem. Apesar de eu ser o poeta do caos há uma harmonia no ar, como se a guerra entre os homens estivesse distante. Apesar de se continuar a falar de contas e de trabalho, hoje sinto um certo estado de graça como se tudo me fosse dado de graça, como se estivesse a nascer outra vez. Que relação tem a minha mente com a da mulher em frente (terá a minha idade) com a criança? Talvez o amor, o carinho. De resto, seguimos caminhos completamente diferentes. Aparentemente fui muito bem até ao 12º ano. Aparentemente, pois era muito tímido, pensava muito, só tinha dois amigos: o Jorge e o Rui. Depois os Doors e o Jim Morrison deram-me a volta à cabeça, comecei a ler, lia muito. Então fui para o Porto, para a Faculdade de Economia, sentia-me só, muito só, deslocado, comecei a entrar em ruptura com a economia e com a finança. Saía à noite em Braga, conheci a noite e os concertos em Braga. Braga acolheu-me. Nunca o esquecerei. Tornei-me um rebelde, mesmo que ficasse meses paralisado com as longas depressões. Não assentei. Não casei. Não tive filhos. Abracei causas políticas, revolucionárias. Publiquei livros. Fiz performances, cantei em bandas, disse poemas. Fiz rádio, publiquei em jornais e revistas, fui funcionário e dirigente do Jornal Universitário do Porto, fui jornalista. Integrei e fundei movimentos anti-praxe. Não segui realmente a via da normalidade, do assentar, do trabalho certo, do relógio. Esta gente, a maioria clara, seguiu essa via. Muitos deles e delas contentam-se com primarismos intelectuais, com futilidades, com músicas pimba. Muitos deles, muitas delas não têm pura e simplesmente capacidade de raciocínio e têm a imaginação castrada. Por culpa da máquina mas também por culpa própria. Daí que tenham seguido sempre dentro dos trilhos, em linha recta. Se houve momentos em que questionaram a máquina depressa se deixaram levar pelo canto desta. Por isso fui diferente. Houve pessoas, livros, discos, filmes, peças de teatro que me fizeram divergir, sair dos trilhos. E é assim que cheguei aqui hoje vivo, apesar das depressões, apesar dos fracassos, apesar da imensa solidão. Imensa solidão que também me fez descobrir o caminho que conduz a mim mesmo, imensa solidão que também me ajudou a afastar-me da máquina.

1 comentário:

AF disse...

Imensa solidão, imensa dor.