quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

QUEM SOMOS?




O mundo está, de facto, nas mãos de corruptos, vendilhões, mercadores. Será mesmo correcta a visão dicotómica? Seremos nós os agentes do bem, mesmo sendo malditos, mesmo sendo alucinados aos olhos de muita gente? Teremos, de facto, um papel especial a desempenhar? Seremos aqueles que falam a nova linguagem, aqueles que alertam para a lavagem ao cérebro que eles vão fazendo? Será por isso que passámos pelo inferno da grande depressão, a que eles nos querem fazer voltar sempre, sempre, todos os dias? Seremos nós abençoados? Que sentido tem a vida senão enquanto luz e busca de luz? Que sentido tem a vida senão enquanto partilha do nosso pensamento, da nossa luz? Quem somos nós aqui? Para onde vamos? Alucinados à procura do amor e da glória. Quem somos? Para onde vamos?

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A LAVAGEM AO CÉREBRO

Há cinco dias que não saio de Vilar do Pinheiro e arredores. Vá lá que não estou deprimido. Poderia ir hoje ao Olimpo mas não sinto aquela necessidade. Estive a ver os meus escritos de Outubro, Novembro, Dezembro. Foram dias de revolta acesa, de escritos duros e cortantes, nem todos de qualidade, alguns até gratuitos. Agora pareço estar a voltar ao sublime, ao homem interior. De qualquer forma, não me tenho deixado levar pelos políticos e comentadores do regime, nem sequer pela Conceição Lino que passa sempre aqui na confeitaria. Se consigo resistir assim aqui, sem telefonemas nem mensagens de ninguém, é porque estou numa fase boa, óptima para a criação. É claro que preciso de alguém para falar e o "chat" do facebook anda a falhar. De qualquer modo, estes dias entre o Natal e o Ano Novo costumam ser sempre um bocado mortos. Homem, tens dez livros publicados, actuaste no Campo Alegre, em Paredes de Coura, noutros sítios, apareceste na rádio, na televisão, nos jornais, cumpriste já um longo percurso. Não tens que te envergonhar. É certo que te falta ainda alguma coisa para chegar lá cima. É certo que a revolução está por fazer. Mas há aspectos de que não te podes queixar. Talvez peques por estares sempre a falar de ti. Mas também precisas de te libertar da máquina todos os dias. É um combate diário. Eles chamam e tu não vais, resistes. Contudo, há dias em que te deixas levar, ficas deprimido, tremes, temes algumas pessoas, tentam fazar-te uma lavagem ao cérebro. É isso que eles fazem às pessoas: uma lavagem ao cérebro. Nada mais. Vão-lhes roubando os dias. Tu sabes que o outro lado existe. Consegues chegar lá. Eis a diferença.

LOUCO


Louco
em Jesus
tão louco
possesso
ir ao céu
ao inferno
percorrer
os lugares
o infinito

Louco
tão louco
divino
as horas voam
os anjos descem
voltaste
a ser
quem eras.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

DO NOVO MUNDO


Eu procuro o homem. Procuro-o nos bares, nas ruas, nas bibliotecas. A minha vida é uma demanda. Encontrei o homem em alguns, em algumas. Mas devo prosseguir a demanda. O homem, a mulher, deveria sentar-se neste preciso momento à minha mesa. Sem meias-medidas, sem preconceitos, sem vidinhas. Falar-me-ia do homem interior, das viagens interiores, do pensamento. Também dos sonhos, das alucinações. Sim, eu tenho algo a dizer ao mundo. É preciso que o homem interior me escute e às vezes escuta. Eu tenho a dizer ao mundo que o mundo assim não serve, não tem saída. Eu tenho a dizer que outro mundo existe: um mundo de criação, luz, sabedoria. Um mundo que também está aqui. Que brilha, que pede a palavra. É preciso agarrá-lo, trazê-lo até nós, vivê-lo. Um mundo que está na infância, na juventude, na idade do ouro perdida. Este não é o único mundo.
Tenho perseguido esse mundo ao longo da vida. Morrison, Miller, Nietzsche, Hesse, outros, mostraram-mo. É preciso atravessar para o outro lado. O reino está próximo. A verdadeira vida. Aqui num café de Vila Nova de Telha vivo a verdadeira vida. Agarro-a. Possuo-a. Como a mão, como os dedos, como a caneta correm livres. Como a intriga e a inveja estão distantes. Como sou o mago das minhas horas. Como é belo o momento. Como o celebro. Eis a verdadeira vida. Amo-a como à eternidade. Não há deuses e há os deuses todos. Como eles dançam. Como correm como loucos. Amo a vida. Amo o que o pensamento transmite à caneta. A escrita automática. Universos vivem em mim. Nas minhas letras. Estou possesso. Nunca houve tarde como esta. Sou o homem. Sou o homem que cria. Encontrei o reino perdido, o uno primordial. Venho do primeiro homem. Sou livre. Sou capaz de tudo. Pertenço à terra. Toda a filosofia brilha em mim. Vinhos mil. O ouro. Que é feito do rapaz tímido? Que é feito do menino das boas notas? Que fizeram dele a máquina e as horas? Onde está o rapaz tímido? Dá umas gargalhadas, dama pálida. Viu coisas, atravessou os mares. Está a voltar aos escritos dos 20 anos. Quilómetros de cérebro em busca do totem da tribo, em busca de ti. Quem és tu, hoje? Passeias-te entre reis, entre deuses, vês o nunca visto. Nada te liga ao que é pequeno. Ao escrever abres portas. Estás no mágico, no maravilhoso. O maravilhoso existe. Não é uma quimera. As portas estão abertas. Venham. Entrem. Vamos dar uma volta. Atravessar para o outro lado. Esqueçam tudo o que aprenderam. Esqueçam tudo o que foram. Esqueçam a máquina. Vamos até ao outro lado. Vamos ficar loucos. Esquece os relógios e os televisores. Dança. Dança, dama pálida. Deixa para trás todos os que te fizeram mal. Dança. Não mais sofrimento. Não mais angústia. Dança. Continua a dançar. Eles querem quebrar o encanto. Eles querem quebrar o encanto. Não deixes. Dança! Há um mundo novo a nascer. Não deixes que o matem. Um mundo novo. Dança, bebe em honra do novo mundo, dama pálida. Voltámos à idade do ouro, à infância feliz. Não há barreiras. Não há fronteiras. Estamos possessos pela música. Deixa-te ficar no outro lado. Deixa-te ficar. Vence os pequenos, os invejosos, os intriguistas. Como tudo é pequeno visto aqui de cima. Não os ouças mais. Sê livre. Sê louca. Dança. Estamos a construir o novo mundo. Nunca mais seremos os mesmos.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Falta-me dar aquele passo. Aquele passo para a glória. Os media que se interessem mais por mim. O poeta de café, o poeta beat, o poeta da revolta. Já vou tendo os meus seguidores e seguidoras. Os meus detractores também. Falta-me dar o passo para a glória. Aquele passo que me conduza a viver só da escrita. Penso que chegarei lá com uma selecção mais cuidada. Com a prosa que já tenho. Posso chegar lá. Se acreditar. Se não me perder. Se vierem atrás de mim. Posso chegar lá.

SOLUÇÕES?


Pedem-me agora soluções. Mas ainda há muita gente a convencer. Há que insistir na ideia de que isto está tudo minado. Há que dizer que estão a assassinar o ser humano. Todos os dias. Que nos estão a drogar com os mercados e com a finança. Há que dizer que nos atiram com a cara à lama, como dizia o Jim. Há que dizer que um mundo assim não serve, que a vida assim não é vida. Há que dizê-lo bem alto, em todos os lugares. Há que berrá-lo em todas as praças. Com a força do rock. Há que fazer cair o muro. Atirar-lhe pedras. Há que entrar nos corações e nas cabeças. Há que passar a mensagem. Solução? A solução é deitar isto abaixo. Dentro de cada um, certamente, mas também cá fora. É claro que é preciso chegar aos media. Passar a mensagem.

O POETA




O poeta
o Piolho
o Piolho
o poeta
parece pateta
cara de alforreca
dá uma cambalhota
dança com a velhota
parece idiota
foge do agiota
anda de fatiota
que grande treta!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

ANÁLISE DE ALEXANDRE TEIXEIRA MENDES A "CAFÉ PARAÍSO"


ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO - POETA DA "URBS"
Activismo, Pulsão e Ebriedade

António Pedro Ribeiro (Porto, Maio de 1968) restaurou o antigo hábito dos “rapsodos” e dos “menesteres”, levando a poesia de lugar em lugar. Em suas andanças revelou-se o poeta da catarse que tem o mérito de trazer à superfície o traço do gozo perdido que só pode ser reencontrado no excesso, no gozo suplementar que se faz suporte da fantasia, receptáculo da causa do desejo. A sua escrita - performance - surge-nos imbuída de um pendor activista. Também aqui uma poesia - enquanto veículo terapêutico-existencial - (mega)político – que oscila entre o catártico e o des-construtor. Poderíamos mesmo falar de uma poética metropolitana: da “urbs”. Trata-se, pois, de uma obra “engajada” - das intro(pro)jecções - ancorada na existência livre de limites ou a paixão de uma liberdade impossível - que denuncia o “vazio” do mundo.

Dicção coloquial quotidiana

A dicção coloquial quotidiana é bastante óbvia no caso de António Pedro Ribeiro. Nos antípodas do bucolismo e da tradição lírica-discursiva - da escrita “sublime” ou transcendental - assiste-se em "Café Paraíso" (Editorial Bairro dos Livros, Culture Print, Porto, 2011) - o seu último livro - de forma directa, imediata - ao próprio eclodir de um corpo-próprio seminal (onde se exorciza a configuração amorosa e suas projecções fantasmáticas). Uma vez mais esta poemática tende ao transbordamento pulsional - na confirmação (ou refutação) emocional das possibilidades excessivas. Mas em que a denúncia da dominação do império conjunto - formado pelo poder técnico e a razão económica pura - é um ponto de partida metodológico.

Infinito da negação

Donde acaba o crítico e começa o panfletário, o extraviado ou simplesmente o instintual? O planfletarismo é em António Pedro Ribeiro inspiração: acesso ao optimismo revolucionário (frente à democracia “estabelecida”, “instalada” ou “mercantilista”). Pode dizer-se, contudo, que a sua poesia remete-nos ao “infinito da negação”. Assente num discurso do desejo (de Eros) que caracteriza a poesia de Allen Ginsberg ou de William Blake - torna-se demanda de “novatio” - um re-assumir do desencanto do mundo. Na primazia da revolta e da desobediência civil - do “différend” - evoca a “teoria crítica” (Reich-Marcuse) e, sobretudo, a “gaia ciência” de Nietzsche. Na sua poesia - desde o início - o protagonista são as três estruturas do “impossível”: política, amor e arte. “Riso soberano”: eis aqui a novidade de categoria muito significativa. É importante ressaltar ainda o privilégio da escrita automática - que nos autoriza a falar da pulsão pura - e enquanto veículo de uma “auto-biografia” ou trama “psico-biográfico”:

escrevemos sobre nós próprios
estamos sempre
a escrever sobre nós próprios
nada há a fazer
desenvolvemos este estilo
é claro que também
nos referimos aos outros
à televisão omnipresente
às riquezas
ao cacau
mas estamos sempre
a falar de nós próprios
num monólogo sem fim
é isto a vida
é isto a escrita
e é isto que sobra
de um dia de tédio (p. 77-78)

Id dionisíaco

Nesta obra perpassa – como dissemos antes - a vida escrita - os impasses do escrever. O que entendo aqui por exortação à libertação do "id" dioníaco. Não é difícil notar o seu apego à insânia - pathos da loucura - ou o privilégio do êxtasse e da ebriedade. Porque “Cerveja-matéria prima do poema” (p.34). Seria possível falar da afinidade entre o tipo de poética de António Pedro Ribeiro com a geração “beat”: a psicadelia e a contracultura. De facto, desde o início das suas “démarches”, António Pedro Ribeiro procurou ampliar e fortalecer o activismo político enfatizando a dimensão da ebriedade - contra a razão e a administração da vida – unindo-se a Rimbaud e Nietzsche. Mas é Raoul Vaneigem de “Arte de Viver para a Geração Nova” e o mercado pariense de ideias que oferece ao poeta um modelo: o da lição situacionista (de uma existência liberta do gregarismo e da massificação). Para António Pedro Ribeiro a ebriedade tem também a sua forma e a sua figura:


Bebo cervejas no inferno
Mas quero o paraíso
de volta (p.30)

Excesso e transgressão

Em “Café Paraíso” re-equaciona-se a experiência do sensível - a partir justamente dum apego visionário - que revela e permite ser - ou, se quisermos, dum corpo linguagem. Deste modo um corpo dionísiaco enquanto corpo pulsional - nos seus sintomas e somatizações – transferência e traço significante, excesso e transgressão. Nesta sua escrita concentra-se e exacerba-se, de maneira exemplar, uma poética catártica, em que, por sinal, a corporeidade, o estofo do ser, como diria Merleau Ponty, está prenhe de significado. Aqui o eterno existe no efémero, mas o contingente anseia e clama pelo absoluto:

procuro a eternidade
do instante
não me adaptei à vida burguesa
às conversas do senso comum
à vulgaridade do intelecto (p84)

Iconoclastia e irreverência

Trata-se de uma poesia que enaltece a auto-reflexão. Em que há também um estranho exercício crítico em torno da sociedade autoritária “unidimensional”. Por fim, o questionamento dum mundo dominado por critérios de eficiência e sucesso e, por conseguinte, assente na “auto-escravização” do humano. O conjunto dos poemas de António Pedro Ribeiro exibem, em seu contexto de significação original, um forte pendor ideológico - enquanto propensão crítica do capitalismo avançado e, por conseguinte, da desmontagem das falsas boas intenções burguesas. Ademais depreciativa e fustigadora do poder e dos seus símbolos - comissários e e aparelhos repressores ideológicos - vícios públicos, virtudes privadas. Insistimos: trata-se de uma escrita psico-emocional - como fragmentos de uma auto-biografia. Poderíamos dizer que neste poemário - nos passos do “politically incorrect” - perpassa a questão da hybris, desmedida do ser, da verdade da poesia como embriaguez e transgressão. Outo exemplo notável de uma poética da iconoclastia e da irreverência ou “pour cause” da “reverie” política ( tipo marxista pós-moderno - emancipalista).

Café-Bar Olimpo Porto, 21 de Dezembro de 2011

Alexandre Teixeira Mendes

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

ATÉ QUANDO?

Tiram-nos os feriados. Tiram-nos os subsídios. Vão-nos tirando tudo em nome de um suposto rigor financeiro que vem de Berlim e do FMI. Esse suposto rigor financeiro, a dívida que supostamente temos resulta de subornos, falcatruas e afins ao nível do Estado e da finança. Resulta da avidez canina dos chamados mercados, um poder ditatorial que mexe com tudo, que joga com as nossas vidas, que manipula o dinheiro do mundo. Nunca o capitalismo foi tão voraz como agora. Nunca foi tão descarado a roubar-nos a vida, a dignidade, a honra. Nunca estivemos tanto nas mãos dos agiotas, de predadores única e exclusivamente virados para o lucro pessoal, sacando a torto e a direito, passando por cima de tudo, sem o mínimo de ética, sem uma réstia de humanidade. Predadores que têm os seus fantoches em Bruxelas, Berlim, Washinghton, Lisboa. Que tem uma máquina de propaganda ao seu serviço que vai fazendo as cabeças, destruindo o que resta de vida, de alegria, de vontade. Até quando?

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

domingo, 18 de dezembro de 2011

SOBRE LOBO ANTUNES

Definitivamente, não consigo perceber o Lobo Antunes. Não sei. Não consigo entrar na sua escrita. Até gosto do paleio do homem mas não consigo entrar na escrita. Enfim, não sou obrigado a gostar da escrita dele. Já tenho os meus escritores. Henry Miller, Nietzsche, Stefan Zweig, Pessoa, Shakespeare, Saramago. E outros mais. Não sou obrigado a gostar de todos. Nem dos mais badalados da actualidade. Vou tentar acabar o "Ulisses" de James Joyce. Enfim, há aqueles que nos abrem a cabeça e os outros. Aqueles que são promovidos a torto e a direito e os outros que prosseguem viagem, como eu próprio.
Os homens falam e falam e eu vou escrevendo. É para isso que estou aqui. Não conto estórias, a não ser de mim mesmo mas escrevo, continuo a escrever. Para preencher as horas, para combater a solidão e a doença. Em vez de conversar, escrevo. Aqui, na aldeia do meu pai, onde só converso com a D. Rosa, com o historiador e com o barbeiro. Não sou Eduardo Lourenço nem Agostinho da Silva mas sou certamente um pensador. Um homem que dedica a sua vida ao pensdamento. Desde miúdo. Que cria frases e versos na folha. Que sente falta da menina. Que disfarça a loucura com a pose do intelectual à mesa. Que é capaz de permanecer horas à mesa. Que é capaz de se manter sereno.

À ESPERA DA REVOLUÇÃO


Aborreceis-me de morte
como a vossa vidinha
nada dizeis
que me faça crescer
e eu estou condenado
a ouvir-vos
a permanecer
nesta angústia
a dar berros
que ninguém ouve

se estivesse com dinheiro
iria de tasco em tasco
celebrar a glória
ou a ilusão da glória
que võs nunca tereis
assim resta-me
permanecer aqui
a olhar para vós
para essa
vida de escravos
de que nunca
vos libertareis
porque simplesmente
não aspirais a mais
conteitais-vos
com as migalhas
e com as patranhas da TV
não, eu não venho dessa barca
não me contento
com Tonys Carreiras
e quejandos
posso estar só
mas não me converto
prefiro continuar só
a escrever
a escrita salva-me
a escrita ilumina-me
especialmente
quando vem assim
escorreita
ficai com o Natal
e o menino Jesus
O Natal
e o menino Jesus
nada me dizem
não sou como vós
já me chamaram maldito
estou à espera da revolução.


Vilar do Pinheiro, VIp, 18.12.2011

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O POETA DE CAFÉ




Os homens abandonam a "Padeirinha". O futebol acabou. O Natal vem aí. O Natal deprime-me. Na infância era diferente. A propaganda também me deprime. Faz-me a cabeça. Mas eu não deixo. Procuro não deixar. Contudo, eles tentam entrar em mim. Não deixo. Não deixo. Sou um homem livre. Ninguém me tira a liberdade. Ninguém, ouviram?
A chávena de café à minha frente. Uma vez mais. O poeta de café. A mão, os dedos, a caneta. A magia de converter o branco em palavra.

O MEDO DE VIVER




O MEDO DE VIVER



A nossa sociedade está dominada pelo medo. Como diz Joaquín EStefanía em "A Economia do Medo", "hoje não se trata somente dos temores tradicionais da morte, do inferno, da doença, da velhice, do terrorismo, da guerra, da fome, das radiações nucleares, dos desastres naturais, das catástrofes ambientais, mas também do medo de um novo poder denominado de ditadura dos mercados, que tende a reduzir os benefícios sociais e as conquistas da cidadania do último meio século". A ditadura dos mercados, entidade sem rosto, reduz-nos, via media, ao medo e à impotência. Todos lhe prestam vassalagem, mesmo que aparentemente a critiquem, desde os governantes europeus e nacionais aos politiqueiros da oposição moderada. E o medo impõe-se por todo o lado, "o medo é uma emoção que imobiliza, que neutraliza, que não permite actuar nem tomar decisões com naturalidade", ainda Estefanía: "os que exercem o poder submetem os medrosos e injectam-lhes a passividade e a privatização das suas vidas quotidianas, levando-os a refugiarem-se no lar". Daí que tenhamos uma sociedade ao estilo da do "Big Brother" de George Orwell onde todos desconfiam de todos, onde o companheirismo, a espontaneidade, o comunicar com o desconhecido começam a rarear. Todos se fecham na sua concha. É a sociedade-espectáculo de Guy Debord onde nos limitamos a ser espectadores de um filme que não controlamos, onde mulheres de sonho se passeiam pelos ecrãs sem que as possamos tocar. É a sociedade da compra e venda em que por detrás de uma aparência de alguma afabilidade se escondem os monstros da ganância, da rapina, da contabilidade, do economês, do medo: do medo de ficar desempregado, do medo dos jovens não arranjarem trabalho por muito que estudem, do medo de empobrecer, do medo de gastar o que temos porque aparentemente nem sequer é nosso. Segundo Joaquín Estefanía, "para nossa desgraça isto cada dia se parece mais com a Grande Depressão. Nunca antes tão poucos deveram tanto dinheiro a tantos". Eis no que deu o capitalismo, eis no que deu a ditadura dos mercados: no medo de viver, no medo de existir. É absolutamente trágico.



----

O PRINCÍPIO DO FIM DO BLOCO



O abandono do Bloco de Esquerda por parte da tendência Ruptura/FER só vem confirmar aquilo que há anos vimos dizendo. O BE foi-se aburguesando, tornou-se um partido institucional, social-democrata, que perdeu demasiado tempo com questões menores como os casamentos homossexuais. O BE de Louçã, Fazenda e Miguel Portas tornou-se também um partido sectário no seu interior, onde foram tomadas decisões sem se consultarem todos os membros da Mesa Nacional, como aconteceu no apoio à candidatura presidencial de Manuel Alegre e na apresentação da moção de censura ao governo Sócrates. O BE, ou seja, a tendência dominante UDP/PSR/Política XXI estigmatizou sistematicamente as correntes minoritárias. O Bloco abandonou a causa da revolução, convertendo-se num partido reformista, quase exclusivamente parlamentarista, que várias vezes se aproximou do PS. O Bloco está a partir-se em blocos, regressando aos partidos que estiveram na sua origem. O Bloco falhou. Descanse em paz.

www.jornalfraternizar.pt.vu

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

DO POETA

O poeta está em casa. À mesa do jantar. São cinco da madrugada. Por enquanto, o poeta fez o que tinha a fazer. Tem visões, iluminações. Atira-se para o chão. É Deus e Jesus. A humanidade cresce nele. Vive o assalto final a Lisboa. A revolução. Vive-a fisicamente, não apenas intelectualmente. O poeta ressuscita as pessoas depois de as ter matado. Ergue e baixa o polegar como um imperador no Coliseu. Está agora em Londres. Vê quadros dos renascentistas italianos na National Gallery. Vê quadros de Rubens e maravilha-se. O poeta quer a arte pela arte. É o artista e o conquistador de Nietzsche. É egoísta e tem o sentido da terra. Não defende os pobres e os oprimidos. Os que se deixam levar pela máquina e pela submissão. Exalta, sim, os vencedores, aqueles que venceram o rebanho e o medo, aqueles que cantam a arte e a embriaguez. O poeta é Dionisos. Dança com os índios em redor da fogueira. Mas não deixa de ser um cavaleiro, um nobre de Camelot. Tem a sua honra. Defende a dama. O poeta é dos grandes. O poeta é quem quer ser.