segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O PAPEL DO ARTISTA

"É esse o papel do artista: transportar-nos para lá da rotina desalentadora e entorpecedora da vida quotidiana", disse Anais Nin. É à criação, à vontade criadora, à viagem interior que compete afastar-nos do tédio, da rotina, da passividade televisiva. Por outro lado, há um mundo que se tornou demasiado objectivo, demasiado científico, demasiado tecnológico. Precisamos regressar à criança, à espontaneidade, precisamos encontrar a criança sábia de forma a atingirmos o novo mundo. O artista, o poeta tem a responsabilidade de provocar os seus semelhantes e o instituído, tem a responsabilidade de denunciar a sub-vida que os media, os poderes e a alta finança nos impõem. Porque, de facto, para a grande maioria das pessoas a vida é uma merda. Trabalham, curvam-se, obedecem. A compra e venda domina as relações. Está tudo no mercado e nos mercados. As pessoas compram e vendem-se. Não há brilho, não há vida interior, não há festa. 
Todos fomos crianças. As crianças dançam, cantam, pintam, escrevem poemas. Contudo, há um ponto na adolescência ou na juventude em que a escola e a família nos empurram para o mercado de trabalho, para a competição, para a guerra. Muitos de nós perdem-se, perdem a capacidade criativa, o fazer pelo gozo de fazer sem estar condicionado por objectivos. Deixam de ser potenciais artistas. Deixam de gozar a verdadeira vida.

domingo, 26 de outubro de 2014

DA ESCRITA E DA LITERATURA

"A literatura ensina-nos a falar uns com os outros. Foi pela escrita que ensinei a mim própria a falar com os outros", afirma Anais Nin. A literatura, a boa literatura, transforma-nos, enriquece-nos. Certos livros, como "Assim Falava Zaratustra" de Nietzsche ou "Plexus" de Henry Miller, dão-nos mesmo a volta à cabeça. Nunca mais fomos os mesmos. A nossa vida interior entra em contacto com a verdade, com o sublime, com o encantador. Também o acto da escrita nos liberta, nos faz crescer. Julgo que ficamos mais perto do amor. Evoluímos ao desenvolver as ideias, as imagens, ao passá-las para o papel. Ao mesmo tempo, descobrimos novas paisagens. A escrita e a leitura permitem-nos abordar novos temas, encontrar novos tópicos de conversa, abrir a mente. Atingimos o tesouro interior, entramos em contacto com a musa. Tornamo-nos também homens melhores, mulheres melhores, criadores. Devemos partilhar o que sabemos, o que aprendemos de forma a criar um novo mundo, um novo homem. Devemos unir-nos na arte e na palavra.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O RISO LIVRE

As pessoas deveriam dançar mais, soltar-se mais, falar com o desconhecido, não se fechar no grupo. Deveriam contar histórias em redor da fogueira, expor-se mais, rir mais. Um rir que não seja estúpido, um rir autêntico do fundo da alma, um rir absolutamente livre, sem obrigações nem castrações. Um rir que volte à curiosidade, à infância que tem sido estragada pela troca mercantil. Um festim permanente que fuja ao controlo da vida burguesa. Um voltar à utopia, à juventude perdida. Um voltar à rua que é nossa e não dos poderes. Um caminhar livre como no princípio do mundo. E, ao mesmo tempo, um espírito crítico que não aceite as convenções nem os dogmas. Que não se renda à fatalidade, ao fado, às ideias feitas. Que não se deixe vencer pela rotina.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A IDEIA

Reina a moral do forte e do fraco, do que tem e do que não tem, a luta competitiva daquele que ganha e daquele que perde. Segundo Raoul Vaneigem, a felicidade desdenha a competição e a concorrência. Ignora as noções de sucesso e fracasso. A felicidade é a alegria primordial, é o contar histórias em redor da fogueira, sem grupos fechados, sem fronteiras. A felicidade é a comunicação mas é também o acto de pensar livremente. Aliás, temos o direito de passar a vida a pensar. Pensar é um "trabalho" como qualquer outro. Não perdemos por isso o direito de pisar a Terra. Não temos de ganhar ou perder, podemos abandonar o jogo, atirar a bola para fora. Não temos que seguir o mediático nem a moda. Procuramos o ouro, o sublime. Eles existem dentro de nós. Mas nós procuramos também o amor. A mulher que passa. Não entramos em campeonatos. Não somamos pontos. Nós criamos, nós debatemos a ideia.

sábado, 18 de outubro de 2014

UM NOVO COMEÇO

No meio dos burgueses escrevo. A empregada traz o cinzeiro e sorri. Sou um dos poetas da cidade. O mais louco deles todos, certamente. Contudo, raramente o mostro. Mantenho a pose do intelectual distante. Solto uns berros nas sessões de poesia e em algumas discussões. Mas sou tendencialmente um solitário, um homem só. 
Está tudo à espera não sei de quê. Vão-se cumprindo os dias. Bebem-se uns copos. O trabalhinho. Todavia, não se passa disso. Uns sorrisos aqui e ali. Nenhum grande pensamento. Nenhum gesto memorável. Não há aquela alegria primordial, aquele espírito dionisíaco. Há mulheres bonitas, sim. Mas falta qualquer coisa. As coisas repetem-se. Não há a tal explosão que abane as consciências. Falta loucura, loucura sábia. Falta que algo rebente, que bombardeie a rotina. Falta o inesperado. A conversa inesperada. Falta uma nova voz. Um novo discurso. Uma nova luz. Falta um novo homem, uma nova mulher, um novo começo.