Apesar de tudo prefiro as moedas às notas. As moedas- posso tocá-las, apalpá-las, sentir-lhes o peso. As notas- são só pedaços de papel que se trocam com um número inscrito, são uma convenção. Não têm peso, não têm valor nenhum. É como se se trocassem folhas de papel higiénico. É a mesma coisa. É por isso que isso do dinheiro e da vida em função do dinheiro é completamente absurdo. Não faz sentido absolutamente nenhum.
quinta-feira, 31 de janeiro de 2013
domingo, 27 de janeiro de 2013
SOU QUEM SOU
Tenho um nome. É certo. Tenho um nome. Em certos meios não sou um desconhecido. Até me dá um certo prazer passar despercebido aqui na aldeia. Continuo a ser o estudioso que vem para o café ler e escrever. No fundo, o que me dá mais gozo é o acto de pensar. Não compreendo tudo. Há escritos que continuam a ser demasiado herméticos para mim. Contudo, gosto realmente de pensar, de interrogar o mundo. Sempre gostei de compreender as coisas, de descobrir o sentido da vida. Por isso estou aqui. Não por causa do dinheiro, não por causa do ganhar a vida. Estou cá também por causa do amor, por causa da liberdade. Não por causa de imbecis incapazes de uma ideia nova, de elevação, de luz. Antes só do que ter de ouvir certas coisas, antes só do que ter de aturar certas coisas. Antes só e construir o meu mundo. Sim, foi esta a via que realmente escolhi há 27 anos ou mais. Não sou do pimba. Não sou do menor. Não os suporto. Antes morrer, antes desaparecer, antes enlouquecer. É como certos (muitos) empregos. Aturar chefes, horários, intrigas, controleiros. Não, querida, não sou deles. Nunca fui. Não os suporto. Tenho o direito de ser quem sou. Sigo o meu caminho. Não tenho de me sacrificar por coisa nenhuma. Trabalho no que quero e quando quero. Sou quem sou. Tornei-me naquele sou, definitivamente. Não tenho obrigações. Não tenho que aturar imbecis. Nunca mais.
terça-feira, 22 de janeiro de 2013
PRIMA-DONA
Sou obrigado a acreditar na revolução. Há as questões pessoais, claro, mas em mim tudo está ligado à liberdade, à revolução, à emancipação. Tudo passa pela ultrapassagem de mim próprio. Pelo animal de palco que é rei, que é senhor, que vai até Deus e para lá de Deus. No fundo, sou a prima-dona. Sempre fui, desde a infância. Não vim ao mundo para trabalhar, para me sacrificar, para me mortificar. Ouço-te, Jim Morrison, no Ceuta. "Strange Days". Vem para mim, dama. Tenho de acreditar. Mas também se dissesse tudo hoje o mundo acabava hoje. O mundo não vai acabar hoje. O mundo não vai acabar esta noite, menino. Não tens nada a perder, menino. És louco. Consegues ser absolutamente louco e absolutamente lúcido. É nisso que és bom, é nisso que és diferente, menino. És do excesso. És de Blake e de Nietzsche. Porque te amo, ó eternidade.
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
LIVRO DO MÊS DE JANEIRO
"Nietzsche, Jim Morrison, Henry Miller, os mercados e outras conversas" de A. Pedro Ribeiro
A. P. Ribeiro é um poeta/escritor já bem conhecido da CasaViva. A cada verso seu que passa, o espírito crítico do ouvinte é aguçado e, de novo, surpreendido, revelando-se ora num sorriso mais tímido ora numa gargalhada "dionisíaca". Agora, em forma de "prosa num tom profético", como o próprio autor reclama, traz-nos "Nietzsche, Jim Morrison, Henry Miller, os mercados e outras conversas".
Recorrendo aqui e ali a citações destes e doutros autores, é com uma agradável sensação de ritmo e cadência, à semelhança de um poema, que percorremos as folhas e as letras deste livro. Temos total liberdade de o fazer a partir do meio, de trás para a frente, ou simplesmente porque hoje o livro se abriu nesta página. Os diferentes e inúmeros textos vivem bem sós, mas também se complementam.
Se em "os mercados" encontramos um forte espírito crítico à sociedade consumista e ao sistema capitalista em que o mundo está absorvido; uma reflexão contundente sobre a vida, a ideia de liberdade, de escravidão, de mercados e capitais opressores...; é em "e outras conversas" que percebemos melhor quem é A. P. Ribeiro e como lida com os aspectos presentes em "os mercados". Esta separação é feita mentalmente, dado que o livro não a apresenta fisicamente.
Uma compilação de escritos que saíram principalmente no "A Voz da Póvoa", uma mensagem que se pretende passar, em forma de missão, e que é perceptível logo que o começamos a folhear. Salta à vista esse tom profético e faz lembrar, em parte, o último livro do padre Mário de Oliveira, "O Livro dos SALMOS, Versão Terceiro Milénio, Também Para Ateus", que foi apresentado recentemente na casaviva.
Não se é, por isso, surpreendido quando, no meio de alguns textos, se encontra a referência ao Jesus do padre Mário ou a alguns dos seus livros ou principais aspectos.
Aconselha-se vivamente esta leitura, mais não seja para percebermos que não estamos sós e que há mais gente que quer uma revolução contra a religião do capitalismo e o seu respectivo Deus, o dinheiro.
De uma das suas prateleiras, a Biblioteca da CasaViva destaca um livro mensal e, a propósito, pretende animar leituras colectivas, debates, conversas com autores.
Este mês o livro que saltou da prateleira é de um amigo da casa: A. Pedro. Ribeiro. Alinhou num serão de letra, dia 29 de Janeiro de 2013, às 21h30. Traz Nietzsche, Jim Morrison, Henry Miller. Falará de mercados, terá outras conversas.
A. P. Ribeiro é um poeta/escritor já bem conhecido da CasaViva. A cada verso seu que passa, o espírito crítico do ouvinte é aguçado e, de novo, surpreendido, revelando-se ora num sorriso mais tímido ora numa gargalhada "dionisíaca". Agora, em forma de "prosa num tom profético", como o próprio autor reclama, traz-nos "Nietzsche, Jim Morrison, Henry Miller, os mercados e outras conversas".
Recorrendo aqui e ali a citações destes e doutros autores, é com uma agradável sensação de ritmo e cadência, à semelhança de um poema, que percorremos as folhas e as letras deste livro. Temos total liberdade de o fazer a partir do meio, de trás para a frente, ou simplesmente porque hoje o livro se abriu nesta página. Os diferentes e inúmeros textos vivem bem sós, mas também se complementam.
Se em "os mercados" encontramos um forte espírito crítico à sociedade consumista e ao sistema capitalista em que o mundo está absorvido; uma reflexão contundente sobre a vida, a ideia de liberdade, de escravidão, de mercados e capitais opressores...; é em "e outras conversas" que percebemos melhor quem é A. P. Ribeiro e como lida com os aspectos presentes em "os mercados". Esta separação é feita mentalmente, dado que o livro não a apresenta fisicamente.
Uma compilação de escritos que saíram principalmente no "A Voz da Póvoa", uma mensagem que se pretende passar, em forma de missão, e que é perceptível logo que o começamos a folhear. Salta à vista esse tom profético e faz lembrar, em parte, o último livro do padre Mário de Oliveira, "O Livro dos SALMOS, Versão Terceiro Milénio, Também Para Ateus", que foi apresentado recentemente na casaviva.
Não se é, por isso, surpreendido quando, no meio de alguns textos, se encontra a referência ao Jesus do padre Mário ou a alguns dos seus livros ou principais aspectos.
Aconselha-se vivamente esta leitura, mais não seja para percebermos que não estamos sós e que há mais gente que quer uma revolução contra a religião do capitalismo e o seu respectivo Deus, o dinheiro.
segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
CONTRA A MÁQUINA
Há os que estão irremediavelmente perdidos para a vida. Eu questiono. Eu desmonto a máquina tanto quanto me é possível desmontá-la. Não percebo nada de mercados nem de finanças mas sei que esse é o mundo que nos sufoca, que reduz o homem ao gélido, ao entediante, ao mecânico. Sei que não nasci para isso. Vim para me realizar, para desenvolver as minhas potencialidades, para criar. Vim para pensar, para puxar pela cabeça mas também para intervir no mundo. Mas para pensar convenientemente tenho de ter a mente liberta de contaminações. Daí que tenha de me afastar da TV dominante, da máquina. Daí que vá de encontro ao amor e à poesia. Há muito que me deixei de americanices. Há muito que coloquei certos venenos de lado. Vejo nos meus semelhantes o desejo de ganhar. Eu não vim para ganhar nada. Não vim para competir nem para ganhar taças. Vim, como dizia Jim Morrison, para performear a minha arte e para completar ou perfectibilizar a minha vida. Vim enriquecer-me, vim aumentar a minha alma. Não penso só na próxima refeição, como muitos fazem. Por isso leio, estudo, escrevo, recito. Não faz sentido vir ao mundo para estar permanentemente preocupado com o dinheiro e com a próxima refeição. É preciso desfrutar, é preciso gozar, é preciso celebrar. Para tal não são necessárias grandes viagens. Às vezes bastam as viagens interiores. O diálogo que mantemos connosco próprios, como dizia Henry Miller.
quinta-feira, 10 de janeiro de 2013
A POESIA ANDA NO AR...
A. Pedro Ribeiro é o poeta convidado do evento "A poesia anda no ar..." que vai ter lugar no próximo sábado, 12 de Janeiro de 2013, pelas 16h, na Casa da Cultura de Paranhos, no Porto.
Eis o plano do evento:
Convidamos quem sabe dizer, ler ou interpretar a poesia que se escreve em língua portuguesa.
Organização conjunta: Eduardo Roseira, Lourdes dos Anjos, Casa da Cultura de Paranhos
12 JANEIRO 2013 – António Pedro Ribeiro
2 FEVEREIRO 2013 – Fernando Campos de Castro
2 MARÇO 2013 – Amílcar Mendes
6 ABRIL 2013 – Alzira Santos
4 MAIO 2013 – Lourdes dos Anjos
1 JUNHO 2013 – Ana Almeida Santos
6 JULHO 2013 – Conceição Bernardino e TODOS os convidados dos meses anteriores.
Estão todos convidados! Não se esqueçam de tomar nota na vossa Agenda Cultural
segunda-feira, 7 de janeiro de 2013
"FORA DA LEI" SEGUNDO ALEXANDRE TEIXEIRA MENDES
António Pedro Ribeiro: individualismo revolucionário, xamanismo e u-topia
De entre os últimos livros de António Pedro Ribeiro, merece ser especialmente citado “Fora da Lei” (e-ditora, Braga, Dezembro de 2012), um poemário miscelânea- iconoclasta que inclui um CD com gravações (recitações) do autor e diseur (ao longo do ano corrente). Todos estaremos de acordo em que estas páginas se inscrevem no quadro de uma escrita testemunho assente em esquemas e fórmulas composicionais pré-estabelecidas - jogos enunciativos - temáticas de teor auto-biográfico (no seu contexto preciso: o domínio dos “fantasmas” pessoais). “Combato os demónios/como Horderlin, Kleist, Nietzsche/vou até ao infinito” (p.30). Desta escrita, segundo o quadro poético-base dos fluxos mentais e da errância - habitual e constante - de ser e ser algo – singular e próprio - das combinações múltiplas – fica-nos a vizinhança imediata com o “caminho excêntrico” de que nos fala Hörderlin. Tem assim o condão de nos remeter à u-topia e ao niilismo (democrático).
hors la loi
Esta poética surge-nos, antes de mais nada, associada à recusa do poder e do controlo tecnopolita (para usar a expressão de Harvey Cox). Mostra-se-nos guiado pela crítica das estruturas centralizadas de dominação e, no entanto, do capitalismo manipulativo (onde será necessário acrescentar: a lógica do (ter sobre o ser) mercantil). Diremos que estes textos-poemas coincidem também com um tom semi-insurrecional - no re-assumir da praxis política - da dialéctica do fora-da-lei, hors la loi - do “discurso livre”. E em que se reclama o compromisso militante (minoritário) e o próprio ideário da liberdade: a "liberdade livre" de Rimbaud. A escrita de António Pedro Ribeiro - já o dissemos antes - sempre se mostrou possuída por uma paixão central da “urbs” - a prática viva e“mítica” da cidade-panorama - transumante ou metafórica - da “polis” - dos “voyeurs” ou caminhantes metropolitanos- “on the road” - bem à maneira da beat generation - do “dire-vrai” sobre eros - as questões atinentes a todo o poder-dominação que se volve demoníaco (a “Kultur” consumista ou o “American Way of Life”).
iluminações
Na acentuação crítica do mundo quotidiano (everyday-world) e do mundo da vida (life-word) - sob um fundo filosófico partilhado que nos remete à Internationale situationiste francesa e seus sonhos de revolução e libertação no domínio da vida quotidiana - as teses criticistas de Henri Lefebvre - esta poemática encerra em si, necessariamente, uma vocação dialógica e comunal. O point de départ da poesia de António Pedro Ribeiro é, em sentido rigoroso e original, a discussão sobre “representação” e “autoridade”: a sociedade do espectáculo. A originalidade desta escrita-vórtice está no contínuo movimento de imersão/ re-emersão da palavra - dando prevalência à vox (vocis) - às “iluminações”. Poderemos pôr em evidência um tipo de poesia engagé - pós-radical - de inscrição ideológica “para-marxista”. Na crítica dos módulos e fórmulas da sociedade de mercado e de dominação - num contexto de “acelerada” “liquefacção” das estruturas e instituições sociais em que hoje naufragamos- esta poética prima, antes de mais, pela singularidade e intransigência do seu radicalismo (a lição báquica): “mas há noites em que Dionísios/volta e aí dança, celebra e faz/tremer o instituído” (p.31)
niilismo
Os poemas de António Pedro Ribeiro exibem, em seu contexto de significação original, um questionar social e político: advogam um niilismo extremo, o l´enjeu do individualismo revolucionário (na acepção de Alain Joufroy). Sob a égide da crítica básica do sistema industrial-consumista - denunciam-se as patologias e as fraquezas da razão instrumental - os truques e mentiras (a linguagem corrente) dos contabilistas e dos economistas - do poder soberano e das suas instituições - a situação humana, the human predicament (na conceituação do teólogo Paul Tilitch). Mais ainda, os oligopólios - o mundo financeiro - o escravismo e a opressão mercantil - a estrutura e a lógica da “sociedade unidimensional” (v. Manifesto Antinormalidade, p. 26-27). Unindo-se ao niilismo de Max Stirner e Guy Debord - as razões de uma revolta anárquico-libertária - Rimbaud, Morrison, Ginsberg e Miller - o próprio riso de Zaratustra – a obra de António Pinto Ribeiro assenta, de per si, na assumpção cénica (assertiva) do desejo ( a "indizibilidade do único"). Não teremos dificuldade em entender, desde já, porque os gregos falavam de um logos spermatikos, a palavra geradora ou o pensamento seminal.
trans(e)versal
A poesia de António Pedro Ribeiro assenta, por conseguinte, - já o vimos precedentemente - na crítica da alienação (manipulação autoritária) e da dominação (instrumental, organizacional e psíquica) - cujo protótipo simbólico é o “Zé-Ninguém” de W.Reich. Referimo-nos a uma escrita que veicula latu sensu a insânia, o pathos da loucura e a ebriedade. Não se deve perder de vista a plenitude e a beatitude de uma poética sugerindo um caminho (de discernimento) alternativo (primordial e iluminativo): "asceta longe da tribo xamã encoberto" (p.21).Trata-se - à primeira vista - de uma escritura “engajada” - de apego ao trans(e)versal - que se opõe à visão normal - convencional. Poderíamos falar longamente sobre a conscienciosa rebelião desta poesia (porquanto uma escrita da contestação, do dissentimento ou da recusa). Temos assim uma poética mundivivencial da dicção coloquial quotidiana (para além da mera tradição lírica-discursiva).
activismo existencial
A poesia negativa e dialéctica-dialógica - catártica e des-construtora - assume a dissidência - o poder da contestação e do protesto que é essencial a todo o pensamento livre e criador. Esta escrita denunciadora do “vazio” do mundo - da ideologia e da linguagem tecnocrática do capitalismo planetário (que transforma a pessoa humana em um ser domesticado e unidimensional) esforça-se por ser - sob as estratificações das convenções fixas - uma poesia dos transes e transportes visionários. E é ainda bem preciso e essencial notar o seu pendor oracular e na coincidência com as correntes beat. Uma das dimensões destes textos é o forte pendor ideológico - enquanto propensão crítica do ethos do domínio capitalista e inclusive da res publica burguesa. Já que se admite que o poder político é basicamente sustentado pela coerção física, enquanto que o poder económico se sustenta através de recompensa e privação.
hybris
Trata-se de uma poesia da iconoclastia e da irreverência (composta de palavras-chave no sentido estrito) que enaltece, vimo-lo nos capítulos precedentes, a auto-reflexão. Em que há também um exercício crítico em torno da sociedade autoritária “unidimensional”. Por fim, o questionamento dum mundo dominado por critérios de eficiência e sucesso e, por conseguinte, assente na “auto-escravização”do humano. Verificar-se-á que esta poesia - com os seus laivos de narcisismo umbiguista - está necessariamente ligada ao activismo existencial-visionário: de negação do ethos e do pathos do autoritarismo. Noutras palavras: uma escrita que patenteia, desde as primeiras obras, uma opção ético-política libertária. Falámos dos insigths de uma poética que nos surge mobilizada pelo “sagrado selvagem - o amor ao prolixo- a pro-jecção da hybris. “sou o canto das aves/e das sereias/sou aquele que renasce/e aquele que bebeu o Graal/que esteve com Jesus,/Merlin e Zaratustra//sou o super-homem/o poeta que reinará/sobre a Terra/sou Quixote/a lutar contra os moinhos/sou Artur de Camelot/sou todos os vencidos/que hão-de vencer/sou a água dos rios/sou o poema que não acaba/a canção que não se cala/o ouro todo do mundo” (pp.18-19)
profecia
Parece pois que as diligências da escrita de António Pedro Ribeiro, do poeta como do “performer”, são comandadas, cada vez mais, pela “projecções” do inconsciente. Isto traz-nos à mente os mecanismos de dissociação efectiva da identidade. A sua forca de gravitação está na apologia do “espírito livre”: libertação e liberdade colectiva. Tendo em conta essa outra virtude que é a poesia manifesto. Mais: a causa em que parece enfileirar é a causa da velha e da nova esquerda em estilo profético: democracia, auto-governo, organizações de base. É aqui que se faz importante a verificação da missão da denúncia e da profecia (já o indicamos anteriormente). Mas onde se enfatiza a liberdade e a “auto-determinação”: a de que somos “fazedores de mundo” (assinale-se a obra "Ways of Worldmaking" (1978) de Nelson Goodman) e a de que - note-se - estamos constantemente a fazer “novos mundos a partir dos velhos”. Como no-lo diz: “Capaz de gerar estrelas crio mundos novos” (p.43). Mas, pela sua própria natureza, uma poesia de "demanda" que - no seu teor cívico-ético - planfletarismo - simboliza a insurreição, a revolta, enfim, a crítica ao fascismo (democrático) em acto - que Agamben-Foucault denominou "bio-poder" - , quando se associa a visão paradigmática política do Ocidente ao campo de concentração.
(contra)poder
A poética da qual falamos é o exercício de um "contra-poder" (num aferrar-se à ideologia libertária e democratista). “Os instrumentos pelos quais o poder é exercido e as fontes do Direito para esse exercício - escreve Kenneth Galbraith – estão interrelacionadas de maneira complexa. Alguns usos do poder dependem de estar oculto, de não ser evidente a submissão dos que a ele capitulam” (Anatomia do Poder, Difel, Lisboa, p. 19). Observar-se-á, portanto, que o poder (no estrito exercício e manutenção) nunca pode, afinal, dissociar-se do seu appparatus. O que não podemos esquecer é que a história é normalmente escrita em torno do exercício do poder. Assim sendo poderia igualmente ser escrita em torno das fontes do poder e dos instrumentos que o impõem (Ib. p.105). Haveria apenas de perguntar se, basicamente, a finalidade do poder é hoje o exercício do próprio poder? E se tem ainda sentido admitir-se a poesia - passivamente como activamente - num mundo assente nas relações de poder - enquanto dom, hospitalidade, transe, desmesura?
leviathan
Na presente obra submetem-se a um exame crítico as categorias jurídicas tradicionais: re-equacionam-se os fundamentos do poder político e do direito (o novo leviathan). Não se trata evidentemente de propor a abolição dos códigos e das regras mas de considerar que o direito não é redutível a: 1) uma série de ordens ou imperativos, 2) um mero sistema de normas, 3) regularidade dos comportamentos, 4) função de uma realidade de tipo objectivo-natural. O que queremos sustentar é que a lei - as normas jurídicas - são fenómenos impessoais. Mas o que aqui é relevante é o dogma do liberalismo e do neo-liberalismo jurídicos - tácitamente uma ordem jurídica fechada e completa (primum verum). Parte-se aqui confessadamente de um desmascaramento da ideologia da “ordem”(da “normalização”) na acentuação de um confronto assumido que incide sobre a doutrinação uniformizante e a política moderna (como uma forma específica e difusa da guerra) super-dirigida. É razoável supor que a liberdade de realização dos fins individuais está pré-determinada pela história e pela sociedade. Na expressão de António Pedro Ribeiro: “Os negócio dos homens nada nos dizem/ entre faunos e sátiros/ erigimos a nossa morada/o homem vulgar não nos atinge” (p. 62)
(in)submissão
Não é necessário dizer que a linguagem mordaz e a linguagem mágica permanecem. Vem depois a valorização da natureza-experiência primordial e, em particular, da infância (imóvel). Distingue-se pela concepção rousseana - franciscana-silvestre do homem - que se revela da mesma natureza das pedras, animais ou plantas. “Celebro o triunfo da Arte sobre a sobrevivência. Sou o homem que vem dos séculos, da floresta. Trago em mim o enigma da existência. Sou rei, mago, poeta. Sou delírio e loucura. Sou o primeiro homem. Não conheço limites, sigo a liberdade antiga” (p. 22). Digamos - para encerrar, e de passagem - que esta poesia configura, nas suas linhas gerais, o cosmopolitismo, num tempo de mundialização do urbano, - das cidades-mundo - em que de facto se adensa particularmente a aceleração da história e, por outro lado, a decadência da paisagem (a destruição da natureza). E que supõe também o emergir do monstruoso (criado pelo homem) e a crescente artificialidade em todas as dimensões essenciais da existência. As estruturas políticas (incluindo o Estado) não existem fora da totalidade social de que são um elemento integrante. Revertendo agora ao nosso ponto, temos que a escrita de António António Pedro Ribeiro é mais o ponto de vista afirmativo da mensagem libertária - uma poética que recupera o ideal - o arquétipo do poeta-xamã. Ora - e para falar a linguagem de Platão - a poesia supõe a inspiração, ou seja, uma possessão do poeta por uma força divina, seja qual for, Musa ou Apolo, ou um “fora de si”, mais ou menos definido. Mas onde o testemunho “numinoso” é ainda transe.
Café-Bar Olimpo
Porto, 21 de Dezembro de 2012
Alexandre Teixeira Mendes
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