terça-feira, 7 de abril de 2009

AQUI NO CAFÉ


Aqui no café o capitalismo não é tão forte
apesar de estar sujeito a relações de compra e venda
conto com a simpatia dos empregados
e posso passar a tarde toda a ler ou a escrever
sem que ninguém me chateie
o homem da concórdia discorre
sobre a bondade humana
e o caos não é tão nítido
mas ainda há dias a Gotucha
sentiu o capitalismo entrar-lhe pela escola dentro
aquela menina não aguenta
pede copos de água
começa a chorar
que mundo cruel tem sido este com a Gotucha
homem da concórdia,
é impossível fazer as pazes
com aqueles que nos atiram a crise para cima
não que eu não sinta um certo gozo
com esta merda da crise
talvez isto fique tão mal, tão mal
que rebente de vez
quanto pior, melhor
já dizia a velha máxima
e nós não temos nada a perder
de certo modo estamos fora da engrenagem
nem sequer sabemos funcionar dentro dela
mal apareça o foco
nós estaremos lá
estamos preparados para o caos
para pilhar os bancos
e incendiar automóveis
entretanto vamos passando a mensagem
sabemos que há quem não esteja interessado nela
sabemos que há quem seja hostil
mas também sabemos que há quem nos ouve
mesmo que não concorde com tudo o que dizemos
e nós dizemos:
merda, isto está tudo errado!
E eis que aparece o Amaral no semáforo
com o filho
adeus, ó Amaral!
E eu volto a pensar que aqui no café o capitalismo
não é tão forte
e que a gaja boa continua no quiosque
e que o empregado varre o chão
e que as horas avançam
tanto escrevi hoje
que nem peguei na "Viagem do Elefante" do Saramago
que me tem entusiasmado
e o outro empregado conta o cacau
que eu tenho vindo a queimar
ou que, pelo menos, tenho apelado a isso
na sexta tenho a apresentação do livro
espero que esteja gente
sou capaz de incendiar as hostes
apelar à rebelião
talvez comece a ficar mesmo na moda
estou farto de médias
de meias-tintas
ou, ou
mas há uma parte de mim
que está a caminho do céu.


"Orfeuzinho", 30.3.2009

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