terça-feira, 31 de janeiro de 2006

Futebol-Dada

O futebol dá de comer a 10 milhões de portugueses
o futebol comeu os portugueses
o futebol e os portugueses comeram-se

a velha comeu o interruptor
o interruptor interrompeu a refeição da velha no estádio do dragão
o dragão, a mando do interruptor, perseguiu 10 milhões de portugueses
a velha mordeu o futebol na orelha
os portugueses bateram palmas na televisão
os portugueses, o dragão e o interruptor jogam no euromilhões
a cabeça da velha foi atacada por milhões de formigas
as formigas vão ao futebol e aparecem na televisão
o cavaco seduziu os portugueses e aderiu ao dadaísmo
dada e o futebol colaram o cavaco ao interruptor
o televisor anda com dores intestinais
o futebol dá de comer
o dragão comeu a televisão.

Canção Dada

a canção de um dadaísta
que tinha dada no coração
cansava demasiado o seu motor
que tinha dada no coração

o elevador levava um rei
pesado frágil e autónomo
cortou o seu grande braço direito
e enviou-o ao papa em roma

(Tristan Tzara)

sábado, 28 de janeiro de 2006

Jim Morrison

Antes de mergulhar
no grande sono
quero escutar
o grito da borboleta.
("When The Music's Over")

Nietzsche

O homem superior é um menino e um grande bailarino. O menino não tem preconceitos, joga apenas com a vida; quanto ao bailarino, faz do jogo um risco permanente, passeia-se pela corda-bamba do devir, faz da sua vida um contínuo experimentar-se de si mesmo.

Blake

A estrada do excesso conduz ao palácio da sabedoria.
(William Blake)

terça-feira, 24 de janeiro de 2006

wc

w.h. cortou as veias no w.c. do palace hotel
tens de me apresentar a adília lopes
os críticos literários lembram o rui melro

tirei a paula do poema "minka"
substitui-a pela kátia
confesso que não estou a ser autêntico
mas estava a ser cruel para a miúda
também eu caio em lamechices
o artur cóia é o administrativo do jornal
o artur cocó é o intriguista profissional
w.h. contratou serafim morcela para jogar no benfica
cavaco silva afogou-se no w.c.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

Cavaco

Cavaco ganhou por uma unha negra. O país é outro de Santarém para baixo. Apesar de tudo, a candidatura de Manuel Alegre foi uma pedrada no charco.

Heroína

Já não sei para onde vou
mas vou tentar chegar ao reino
se puder, porque me faz sentir um homem
quando injecto uma agulha na veia
então, digo-te, as coisas mudam de figura
quando vou lançado a correr
e me sinto filho de Jesus
e suponho que nem sequer sei
e suponho que nem sequer sei.

Lou Reed, "Heroin".

sábado, 21 de janeiro de 2006

O Sermão da Montanha

Alguém há-de subir de novo a uma montanha
do outro lado das palavras do outro lado do tempo

Alguém há-de falar no meio do deserto
dizer o quando o como o para quê

´Não é possível que as tribos não se encontrem
não é possível que se percam sem sentido
Alguém há-de subir de novo a uma montanha
alguém com doze tábuas e um poema

Não é possível ficar onde se está
despojados de luz despojados do ser
O deus que está em Delfos mandará o oráculo
a àgua que fala há-de falar de novo

Não é possível o homem tão perdido

Alguém há-de subir de novo a uma montanha
alguém há-de gritar: deixa passar meu povo
Alguém com doze tábuas e um sentido.

Manuel Alegre, "Babilónia".

segunda-feira, 16 de janeiro de 2006

Ciclos

De novo
entregue a mim próprio
e aos meus versos

Os livros tardam a sair
tal como o raciocínio
a mulher na parede sorri
e o "Piolho" está em obras

Na memória
a verve fácil
a escrita automática
o frenesim do verão
tão distantes desta lentidão do gesto
desta paralisia dos sentidos
que me empurra para a cama
e para o tédio da TV

Malditos ciclos!

Respeitável

Não sou sociável
passo a maior parte do tempo sozinho
para piorar as coisas
estou proibido de beber

Os meus verdadeiros amigos
não estão
o mundo é absurdo
o álcool é absurdo
tudo é absurdo

Um poeta respeitável
não choraminga
um poeta respeitável
mantém a pose respeitável
do alto das suas barbas
do alto das suas taras

Um poeta respeitável
vai às conferências
lê livros respeitáveis
não faz figuras tristes

Um poeta respeitável
não escreve versos em público.

sábado, 14 de janeiro de 2006

rectificação

o post anterior começa por E. dormiu e não morreu.

William Blake

Enitharmon morreu
oitocentos anos: o Homem era um Sonho!
A noite da natureza e as suas harpas ainda por tocar
Ela dormia no meio da sua canção nocturna
Oitocentos anos, um sonho de mulher!
Sombras de homens em hostes fugazes no cimo dos ventos
dividem os céus da Europa (...)

William Blake, "Sete Livros Iluminados".

quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

André Breton

A poesia faz-se no leito como o amor.

CHE

O foco guerrilheiro existe sempre. Em cada um de nós
existe um foco. Uma guerrilha possível
uma insubmissão.
Nem é preciso procurar além a serra
o lugar propício
inacessível
A serra está em nós. Começa
em certas noites no nosso próprio quarto
irrompe subitamente sobre a mesa de trabalho
pode aparecer à esquina
em plena rua.
(...)
Não é metáfora nem fuga nem miragem
mas uma íntima relação de cada um
com os ciclos de vida
a terra
o próprio ar. Mais do que
estratégia e táctica
é talvez uma questão de ritmo.
Ou talvez de energia e relação mágica
do mistério que somos
com o mistério que é tudo.

Manuel Alegre, "Che".

Manuel Alegre

A qualquer momento
qualquer um
pode dizer: eu sou o Che.
Ou mesmo sem o dizer pode partir.
Ou não partir. Mas de qualquer modo
desaparecer.
Subir a uma montanha de si
criar um foco
um centro de irradiação
tanto pode ser uma guerrilha como um poema
ou um silêncio. Ou até
porque não
um amor secreto.
Ou simplesmente uma recusa.

Algo de diferente
um gesto que provoque uma alteração de ritmo
uma ruptura
uma súbita e nova relação mágica
consigo mesmo e com os outros.

Manuel Alegre, "Che".

segunda-feira, 9 de janeiro de 2006

Excerto do Manifesto Surrealista (André Breton)

Tamanha é a crença na vida, no que a vida tem de mais precário, bem entendido, a vida real, que afinal esta crença se perde. O homem, esse sonhador definitivo, cada dia mais desgostoso com seu destino, a custo repara nos objetos de seu uso habitual, e que lhe vieram por sua displicência, ou quase sempre por seu esforço, pois ele aceitou trabalhar, ou pelo menos, não lhe repugnou tomar sua decisão ( o que ele chama decisão! ) . Bem modesto é agora o seu quinhão: sabe as mulheres que possuiu, as ridículas aventuras em que se meteu; sua riqueza ou sua pobreza para ele não valem nada, quanto a isso, continua recém-nascido, e quanto à aprovação de sua consciência moral, admito que lhe é indiferente. SE conservar alguma lucidez, não poderá senão recordar-se de sua infância, que lhe parecerá repleta de encantos, por mais massacrada que tenha sido com o desvelo dos ensinantes. Aí, a ausência de qualquer rigorismo conhecido lhe dá a perspectiva de levar diversas vidas ao mesmo tempo; ele se agarra a essa ilusão; só quer conhecer a facilidade momentânea, extrema, de todas as coisas. Todas as manhãs, crianças saem de casa sem inquietação. Está tudo perto, as piores condições materiais são excelentes. Os bosques são claros ou escuros, nunca se vai dormir.

Mas é verdade que não se pode ir tão longe, não é uma questão de distância apenas. Acumulam-se as ameaças, desiste-se, abandona-se uma parte da posição a conquistar. Esta imaginação que não admitia limites, agora só se lhe permite atuar segundo as leis de uma utilidade arbitrária; ela é incapaz de assumir por muito tempo esse papel inferior, e quando chega ao vigésimo ano prefere, em geral, abandonar o homem ao seu destino sem luz.

Procure ele mais tarde, daqui e dali, refazer-se por sentir que pouco a pouco lhe faltam razões para viver, incapaz como ficou de enfrentar uma situação excepcional, como seja o amor, ele muito dificilmente o conseguirá. É que ele doravante pertence, de corpo e alma, a uma necessidade prática imperativa, que não permite ser desconsiderada. Faltará amplidão a seus gostos, envergadura a suas idéias. De tudo que lhe acontece e pode lhe acontecer, ele só vai reter o que for ligação deste evento com uma porção de eventos parecidos, nos quais não toma parte, eventos perdidos. Que digo, ele fará sua avaliação em relação a um desses acontecimentos, menos aflitivo que os outros, em suas conseqüências. Ele não descobrirá aí, sob pretexto algum, sua salvação.

Imaginação querida, o que sobretudo amo em ti é não perdoares.

Só o que me exalta ainda é a única palavra, liberdade. Eu a considero apropriada para manter, indefinidamente, o velho fanatismo humano. Atende, sem dúvida, à minha única aspiração legítima. Entre tantos infortúnios por nós herdados, deve-se admitir que a maior liberdade de espírito nos foi concedida. Devemos cuidar de não fazer mau uso dela. Reduzir a imaginação à servidão, fosse mesmo o caso de ganhar o que vulgarmente se chama a felicidade, é rejeitar o que haja, no fundo de si, de suprema justiça. Só a imaginação me dá contas do que pode ser, e é bastante para suspender por um instante a interdição terrível; é bastante também para que eu me entregue a ela, sem receio de me enganar ( como se fosse possível enganar-se mais ainda ). Onde começa ela a ficar nociva, e onde se detém a confiança do espírito? Para o espírito, a possibilidade de errar não é, antes, a contingência do bem?

Fica a loucura. "a loucura que é encarcerada", como já se disse bem. Essa ou a outra.. Todos sabem, com efeito, que os loucos não devem sua internação senão a um reduzido número de atos legalmente repreensíveis, e que, não houvesse estes atos, sua liberdade ( o que se vê de sua liberdade ) não poderia ser ameaçada. Que eles sejam, numa certa medida, vítimas de sua imaginação, concordo com isso, no sentido de que ela os impele à inobservância de certas regras, fora das quais o gênero se sente visado, o que cada um é pago para saber. Mas a profunda indiferença de que dão provas em relação às críticas que lhe fazemos, até mesmo quanto aos castigos que lhes são impostos, permite supor que eles colhem grande reconforto em sua imaginação e apreciam seu delírio o bastante para suportar que só para eles seja válido. E, de fato, alucinações, ilusões, etc. são fonte de gozo nada desprezível. A mais bem ordenada sensualidade encontra aí sua parte, e eu sei que passaria muitas noites a amansar essa mão bonita nas últimas páginas do livro. A Inteligência de Taine, se dedica a singulares malefícios. As confidências dos loucos, passaria minha vida a provoca-las. São pessoas de escrupulosa honestidade, cuja inocência só tem a minha como igual. Foi preciso Colombo partir com loucos para descobrir a América. E vejam como essa loucura cresceu, e durou.

Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação.

FIARI

Resumo dos propósitos da Federação Internacional da Arte Revolucionária e Independente (FIARI), fundada por André Breton, Diego Rivera e Leon Trotsky em 1938 na Cidade do México:
1) Uma aliança em prol da civilização, da vida, do ser humano na sua plenitude de manifestações.
2) Nenhuma barreira, nenhum tipo de controle, nenhum limite aos sonhos, à cultura ou à arte. Todos nascem no mesmo lugar.
3) Um libelo pela mais plena e absoluta liberdade de expressão, sem qualquer tipo de amarras.
4) O mais vigoroso repúdio a toda e qualquer forma de autoritarismo e dirigismo.
5) Os meios materiais devem ser postos sem limite ou controle de qualquer espécie ao serviço do ser humano e da arte.
6) A arte jamais deve ser reduzida a serviçal do capital.
7) O capitalismo é liberticida por definição.
8) O socialismo não pode ser autoritário.
9) Se destruir uma obra de arte é considerado por todas as pessoas sensíveis um gesto hediondo, como classificar o gesto de impedi-la de sequer existir?
10) Repúdio à barbárie das guerras e do autoritarismo.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2006

Noivado

Estendeu os braços carinhosamente e avançou, de mãos abertas e cheias de ternura.
- És tu Ernesto, meu amor?
Não era. Era o Bernardo.
Isso não os impediu de terem muitos meninos e não serem felizes.
É o que faz a miopia.

(Mário Henrique Leiria)

Telefonema

Telefonaram-lhe para casa e perguntaram-lhe se estava em casa. Foi então que deu pelo facto. Realmente tinha morrido havia já dezassete dias. Por vezes as perguntas estúpidas são de extrema utilidade.
(Mário Henrique Leiria)

terça-feira, 3 de janeiro de 2006

morte aos chuis

40. O último Abencerragem está nu.
41. Levanta-se de um pulo.
42. A mulher desmaia.
43. Ele morde os cabelos de Salada.
44. Morde o joelho direito de Salada.
45. Morde o outro joelho.
46. Foge a gritar.
47. Quatro borboletas na ponta do nariz.
48. Um automóvel de vidro em forma de ouriço e rolando a toda a velocidade.
49. Duas mamas à frente do carro.
50. Lançam um jacto de vinho tinto.
51. Um cavalo montado numa bicicleta vem em sentido contrário.
52. O choque.
53. Um géiser.
54. Num sentido, um cavalo e um automóvel vazio enfaixados.
55. No outro sentido, um cavalo e um automóvel vazio enfaixados.
56. O géiser desaparece.
57. Na estrada, um grupo de padres em passo cadenciado.
58. Precede-os uma vaca.
59. O papa, com um falo tatuado na testa, vem encarrapitado na vaca.

Benjamin Péret, "Morte aos Chuis e ao Campo da Honra".