quinta-feira, 26 de março de 2015

O ÚLTIMO DOS HOMENS

Estou no café. A Cleo nunca mais vem. Ontem foi noite de glória no Pinguim. A brasileira e o amigo pedrado encantados com a minha poesia. Risos e palmas. Estarei a converter-me numa estrela? É o António Pedro Ribeiro, dizem. O poeta maldito que vai aos bares vomitar poesia. Sim, ganhei uma certa fama. Provavelmente quando ainda era o Peter Owne já a desejava. Fui construindo um caminho. A rádio. O DN Jovem, suplemento do "Diário de Notícias". O "Correio do Minho". "Gritos. Murmúrios", o primeiro livro com o Rui Soares. As primeiras sessões de poesia no Tuaregue, em Braga, com a Natércia. O JUP. Fui subindo. Construindo uma imagem. Os Ébrios. O hipermercado. O Jaime Lousa. A candidatura a deputado pelo PSR por Braga. As lutas estudantis. As listas R e Z. A Faculdade de Letras do Porto. Sim, às vezes abusei, às vezes segui a estrada do excesso e da loucura mas procurei sempre a liberdade livre, a mulher livre. Já em 2004 com a reportagem do "Comércio do Porto" no "Púcaros" sobre o "Sexo, Noitadas e Rock n' Roll" e com o anúncio da candidatura à Presidência da República a fama batia à porta. Mais tarde, em 2006, veio a "Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro", graças ao Valter Hugo Mãe, e a actuação memorável no Festival de Paredes de Coura. Depois vieram as idas à Antena 1, à Antena 3, à "Prova Oral", ao "Valter Hugo Mãe" no Porto Canal e ao "É a Vida Alvim!" do Fernando Alvim, no Canal Q, bem como as críticas e notas no "Diário de Notícias" e "Jornal de Notícias". De facto, penso que estou a caminho de atingir alguma coisa. Tenho os meus admiradores e detractores. Tenho um legado a deixar, como diz a Maria Oliveira. Sou único, já o dizem. Passei pelo céu e pelo inferno. As pessoas dizem os meus poemas. Há quem me admire porque sou diferente. Não segui a linha recta. Ainda Inventamos. Discutimos ideias como Sócrates e Platão. Temos alma e coração. Por isso prosseguimos viagem. Por isso chegámos até aqui. Com todas as curvas que demos. Com todos os copos que bebemos. Com todos os que fomos. Não, miúda, não esperes de mim a normalidade. Eu não sou o senhor atinado que aparento. Eu berro. Eu vocifero. Eu sou louco. Eu sou o último dos homens.assim talvez tenha algo de santo, no sentido de Agostinho. Sim, tenho em mim a bondade mas também a sacanice. Venho de ti, Jaime Lousa. Venho de ti, Sebastião Alba. Venho de ti, Bukowski. Venho de ti, Henry Miller. Passaria o resto da tarde a beber. Não estou a disputar cargos, não estou a seguir uma carreira, não estou a atropelar ninguém. Consigo ser completamente louco, querida. Vê como danço, como parto os vidros. Não tenho escrito aqueles poemas satíricos que fazem rir. Tenho de retomá-los. Não te passa a ti, querida, enquanto lavas a loiça, as histórias por que passei. Desde julgar-me Deus, Jesus, Satã, até incendiar carros ou fazer revoluções. Mas hoje sou apenas um poeta pacato a beber a sua cerveja, a olhar para a menina. Volto ao palco na quinta, no Olimpo. Até lá leio, escrevo e espreito as mulheres. São diferentes umas das outras. Umas mais atiradiças, outras mais reservadas. Umas mais apagadas, outras mais vistosas. Todas, no entanto, desorientadas neste mundo mecânico de homens. De homens empreendedores, produtivos, técnicos, especialistas, sem sensibilidade, sem coração. Esses homens que dominam os bancos, os governos, as grandes empresas. Não somos como eles. Criamos na folha. 

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