sexta-feira, 28 de março de 2014
PRISIONEIROS
As pessoas não têm conversas profundas. Falam de trivialidades, de mexericos, da vidinha. Não filosofam. Não lêem os grandes livros. Não aprofundam a alma. Limitam-se a sobreviver, a cumprir os dias. Não fazem a hora. Correm para casa, estão cheias de medo. Não se interessam pelos poetas, pelos filósofos. Contam os trocos e vivem em função deles. Ouvem as notícias e os comentadores e não os questionam. Levam uma vida de prisioneiros. Nem sequer desenvolvem a sua vida interior. Fecham-se na família. Não vão discutir para a praça pública. Não exercem a democracia. Não são livres. Não são plenas. Não explodem, não se revoltam contra o instituído. Queixam-se. Choramingam. Falam de doenças. Não estão interessadas em aperfeiçoar a humanidade. Os pais querem o sucesso dos filhos, o sucesso a qualquer preço. Votam em dirigentes sem escrúpulos, sem humanidade. Não vivem. Não se educam, não se cultivam. Só lhes interessa o material, o instrumental. Por isso fazem do dinheiro e do mercado deuses. Verdadeiramente não estão interessados no progresso do homem, no desenvolvimento da alma. Deixaram de acreditar nos mitos, nas lendas. Guiam-se pelo útil, pelo interesse. Raramente amam. Não têm horizontes. Não buscam o poético, o sublime. Não buscam a virtude, a sabedoria. São homens pequenos, vencidos. São incapazes de um rasgo, de um golpe de asa. Não criam. Estão mortos. Obedecem.
quarta-feira, 26 de março de 2014
O VERDADEIRO HOMEM
Leio "Assim Falava Zaratustra" pela sétima vez. Não conheço obra mais genial. O criador, o bailarino, o homem superior entram em mim. A vida, o amor e a liberdade são meus. Afasto-me do homem pequeno, do mercador, do merceeiro, afasto-me dos macacos que trepam, dos poderes, do grande dinheiro. Tudo é grandeza e nobreza. Zaratustra, tu ensinas-me a viver. Há dias, noites em que me exibo na praça pública, em que procuro a companhia das mais belas mulheres. Ou então estou aqui na aldeia. A enriquecer-me, a ler-te, a estudar-te, a desenvolver as minhas potencialidades. Sinto-me preparado para o grande meio-dia, para a revolução, para a glória. Tomaremos Lisboa. Ocuparemos as praças. Ocuparemos os palácios do poder. Devolveremos o homem ao homem, a espécie à espécie, o mundo ao mundo. Cantaremos nas caras do capital. O verdadeiro homem não é o lacaio, não é o escravo, não é o que procura a felicidade da maioria. O verdadeiro homem é aquele que é único, aquele que se basta a si mesmo, aquele que ri. O verdadeiro homem é o homem do grande amor, do grande espírito, da grande alma. É aquele que se dá, que ensina, que transmite a sabedoria. O verdadeiro homem não se contenta com conversas banais, é aquele que provoca, que desafia, que faz pensar. É aquele que quebra a rotina, o tédio, o quotidiano vazio e previsível. O verdadeiro homem é Zaratustra.
segunda-feira, 24 de março de 2014
COMPLETAI AS VOSSAS VIDAS
Que me dais? Não me dais nada. Até sois amáveis, simpáticos mas nada trazeis de novo. Não há incêndio em vós, não há loucura. Aprendestes a ser prudentes, contidos, sois prisioneiros da segurança. Na verdade, não sou da vossa espécie. Agarrastes-vos às “verdades” que vos ensinaram, tendes receio de ir ter com o maldito, com o poeta. Tendes medo porque ele vos leva mais longe, porque ele vos abre o espírito. A vida não é só isto que vedes, que conheceis, a vida é a alma, o invisível, os fantasmas que se guerreiam dentro de vós. Por isso, largai tudo e ide atrás da vida plena. São ilusórios os vossos sorrisos. São inúteis as vossas correrias. Aprendei a criar. Recuperai a inocência. Completai as vossas vidas.
sábado, 22 de março de 2014
MULHERES
A pergunta que vos faço é esta: mulheres, porque dais à luz? Porque ainda dais à luz? Porque ainda carregais os filhos no vosso ventre? É porque ainda acreditais em qualquer coisa. Na vida? Na preservação da espécie? Dificilmente ides dar à luz o super-homem ou sequer Jesus. Dificilmente ele terá a educação, o ensinamento, o percurso libertário. Entreteis-vos com conversinhas de chacha, com medos, com coisinhas insignificantes. Não sois capazes de criar, de mudar os valores. Algumas de vós dançais, ides ter com o poeta, com Dionisos, com Zaratustra, mas depois voltais ao trabalho, à obrigação, ao lar, à segurança. Tendes necessidade de polícias. De qualquer modo dais à luz sabendo que a Terra está contaminada pelos pregadores da morte, por aqueles que querem destruir a vida, pelos castradores. Olhai como esses merceeiros vos pregam o número e a finança, vos incutem a docilidade e a obediência, olhai como eles vos roubam a vida, a vida autêntica, a vida livre, essa que dá a luz e dá à luz, essa que pode estar convosco, mulheres. Essa que amo. Essa que gera o super-homem e Jesus.
terça-feira, 18 de março de 2014
ILUMINAÇÕES
Um homem lê na confeitaria. Afinal não sou o único. Afinal há alguém mais que se interessa pelas letras. Não é só a conversa da sobrevivência, da vidinha. Dizem que eu tenho de me soltar mais. Dizem que a poesia é superior à prosa. Enfim, continuo a ser essencialmente um poeta. Por outro lado, é claro que já me tenho soltado até demais. Hoje até acordei com iluminações. Sabes como é, a mente acelera. Tem sido a história da minha vida. Depressão ou euforia. Ora fico muito lento, quase paralisado, ora fico cheio de speed. Não penses que estou sempre contido, tímido. Eu já andei a partir os vidros dos carros, pensando que estava na Grécia. Eu já andei a incendiar. Já fui o mau da fita. Mas também já celebrei até ser dia. Já tive o ouro. Agora elogiais, de novo, os meus poemas. Estou aceso graças a vós. Sou, de novo, dionisíaco. O poeta da metamorfose. Rebento. Grito na confeitaria. Espeto palavras no papel. Glória! Glória! Tantas noites, tantos dias. Olha para mim no palco. Faço o público rir. Eu consigo ser o mais louco. Vinde delírios! Eu estou como Rimbaud. O céu na terra aqui. Eu ardo. Eu gozo. Eu vivo o infinito. Eu vivo em mim e dou-vos.
quinta-feira, 13 de março de 2014
ESCRITOR
Sou um escritor. Tenho de escrever, de preencher as folhas. Já passei por vários filmes, já fui o poeta maldito, o revolucionário. Já fui a tribunal e à Judiciária. Agora cheguei a um ponto onde posso olhar de cima. Tenho admiradores e admiradoras. Tenho uma vida interior rica. Adoro filosofar, interrogo-me sobre o que é o homem. O homem é um ser em viagem, um eterno insatisfeito. O homem pensa. Não faz sentido dizer que ele veio para andar atrás do dinheiro ou para sobreviver. O homem tem a sua loucura, dedica-se à arte, à criação. O homem quer o Natal sobre a Terra. É um ser que procura o amor, a liberdade, que quer conhecer. Por isso só se sentirá satisfeito com a revolução. Por isso muitas vezes cai, muitas vezes acha o mundo insuportável. É certo que alguns homens transformaram o mundo num inferno, num lugar de controle e castração. Daí as doenças psiquiátricas, daí a depressão. O homem sofre. Só deixará de sofrer quando o mundo mudar. "Haja saúde!", diz a empregada da confeitaria. Quão limitada, quão resignada visão. Significa abrir mão da felicidade, daquilo em que acreditávamos quando éramos crianças. É importante pensar, debater porque viemos, o que fazemos aqui. É importante dizer que não viemos pelos números e pela economia, que não queremos que nos façam a cabeça, que não vivemos no medo. É importante dizer que queremos ser livres. Que não nos deixamos levar pelos vendilhões.
segunda-feira, 10 de março de 2014
MULHERES, PORQUE DAIS À LUZ?
Estou em Braga, n' "A Brasileira". Tenho saudades dos tempos em que passava vários dias seguidos em Braga. Aqui sinto-me em casa. Aqui conheci a noite e a vida. Tinha a casa na Rua Nova de Santa Cruz. Vadiava por aqui. Era livre. Há dias em que ainda o sou. As pessoas reúnem-se aqui. Não trabalham. Mas também não discutem filosofia, tanto quanto sei. Não discutem o homem virtuoso nem o homem revolucionário. Não se apercebem que o pensamento é o mais importante. Que todos os dias somos bombardeados pelos media e pelo capitalismo. Que o trabalho é um meio e não um fim. Apesar de tudo, as pessoas riem. Talvez algumas delas se aproximem da vida pela vida. Sou um escritor. Tenho de escrever, de trabalhar. Começo a ter doenças mas ainda não estou velho. As pessoas fazem-se à vida. Passam a vida a sobreviver, a ganhar a vida, a correr atrás do dinheiro. Não foi para isso que viemos. Viemos para o amor, para a liberdade, para a sabedoria. Interrogo-me sobre o homem, sobre o que é o homem. Penso. Desde criança que penso. Não faz sentido passar a vida a trabalhar, a sacrificar-nos. Não faz sentido viver castrado, oprimido. Não faz sentido não dizer o que se pensa. Faz sentido seguir Jesus, Sócrates, Dostoiewski. Faz sentido amar, desenvolver a nossa inteligência. Faz sentido ter consciência da grande lavagem ao cérebro. Faz sentido a revolta. Faz sentido conhecer. Faz sentido a arte, a cultura. Já há 27 anos e antes me debruçava sobre estas questões. Sabia menos. Não tinha levado as patadas que levei. Mas as pessoas vão trazendo novas crianças ao mundo. Ainda acreditam. As crianças depois brincam mas cedo são formatadas pela máquina. Só umas poucas se libertarão. Algumas delas cometerão suicídio porque acharão a vida insuportável. Só se fala em números e na economia. Revoltei-me contra os números e contra a economia. A cabeça não encaixa os números e as percentagens. Daí que ponha em causa a minha militância no partido. Sou um artista, um intelectual, não tenho de desempenhar certas tarefas. Escrevo, publico, recito, provoco. Eis o que vim fazer ao mundo. Há mais alguém que escreve. Habituei-me aos cafés. Mulheres, porque dais à luz?
sexta-feira, 7 de março de 2014
PLENITUDE
As meninas a dizer os meus poemas. Os amigos a dizer os meus poemas. A Maria a cantar os meus poemas. Casa cheia no Olimpo. A vida pela vida. O caos às portas da ilha. A liberdade livre. "A revolução não pode ser senão o acesso dos homens à liberdade", afirmou Sartre. Questionamos o homem, tentamos mudar a vida. Seguimos a estrada certa. Desde os 17, 18 anos. Não fomos pelo caminho que nos tinham destinado. Pusemos em causa, desviámos rumo à noite, rumo à descoberta. Perseguimos a plenitude.
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