domingo, 19 de janeiro de 2014

TRIUNFANTE

Há noites de poesia em que me custa a soltar, em que fico atado, em que não me consigo expressar fora do poema. É claro que já aconteceu o completo contrário. Noites em que me soltei completamente, em que o discurso flui, em que sou o dono da palavra. Ontem à noite, no Olimpo, entrei a medo e depois fui subindo mas não cheguei ao animal de palco. Noutras ocasiões fui a estrela. É claro que o número de espectadores também conta. Puxa mais a sala cheia. Mas enfim, o dia prossegue e estamos aqui vivos. Ainda estamos muito a tempo, a tempo de escrever e de fazer a obra. Nem sei porque há dias em que me preocupo tanto. Há, de facto, uma missão a cumprir. Uma missão que pode recomeçar aqui no Ceuta. Bem sabemos que o capitalismo é feroz, que nos inferniza os dias. Mas nós, em certos aspectos, saímos do capitalismo. É claro que temos de pagar o café. No entanto, não temos chefes a mandar em nós nem temos a máquina do trabalho em cima de nós. Temos todo o tempo do mundo. Vimos até ao Ceuta, lemos, estudamos e escrevemos o que nos apetece, o que nos vem à cabeça. Aí somos o homem livre. Mesmo não escrevendo romances, histórias, somos o homem livre. No fundo, estou a escrever a história da minha vida. Tenho todo o tempo do mundo. O meu compromisso é com a escrita. Venho até ao Porto. Até porque se ficasse em casa entrava em depressão. Escrevo o texto contínuo. Sempre disseram que eu sou inteligente. Talvez não esteja ao meu alcance a genialidade de alguns. Não tenho que ser narcisista como tenho sido. Não tenho que me armar em prima-dona. Sou capaz de atingir certos cumes, outros não. Às vezes escrevo para matar o tempo, para me exercitar. Mantenho-me fiel ao caderno e à caneta. Não trago o computador para o café. Às vezes sinto-me um bicho diferente dos outros. Talvez não tenha aquela erudição. Vou-me construindo. Vou-me enriquecendo. Se bem que haja dias em que parece que ando para trás. Os tais dias em que me deixo levar pelo capitalismo, pela bola, sei lá. No entanto, aqui chegados, sentimo-nos triunfantes. Triunfantes, sem euforias. Convencidos de que a máquina apenas nos afecta em parte, às vezes quase nada. Sim, estamos triunfantes.

2 comentários:

AF disse...

Que belo percurso, este texto.

A. Pedro Ribeiro disse...

abraço, amigo.