quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O ABRAÇO FRATERNO DO CARLOS PINTO

O mundo do dinheiro e da economia é absurdo. Afasta-nos da nossa essência, do amor, da alma. Destrói a maravilha e o mistério da vida. Empurra-nos para o trabalho imposto, para o sacrifício, para a máquina cega. A nossa experiência perde a luminosidade, o prazer da descoberta, a aventura do eu é castrada. A viagem interior, xamãnica só está ao alcance de alguns. Só alguns contactam com os espírito s, atravessam para o outro lado. No resto, o dinheiro e a economia destroem o belo e a poesia. Já rareia a espontaneidade, o abraço fraterno como o do Carlos Pinto no Púcaros, o diálogo aberto. O reino do dinheiro, da ganância e da economia produz homens e mulheres sem coração que se vão safando, trepando uns para cima dos outros como macacos, como dizia Nietzsche. Só alguns de nós, com sofrimento, nos conseguimos manter puros, imunes ao grande mercado, vivendo a luz e o espírito. Por isso, ainda amamos incondicionalmente, sem hipocrisias. Por isso desafiamos os poderes, provocando-os, insultando-os. Por isso tentamos fazer da vida uma experiência permanente, por isso nos abrimos e damos, por isso somos diferentes.

domingo, 21 de outubro de 2012

DIVINOS

"Somos constituídos por partículas formadas desde os primeiros segundos do universo, átomos forjados num sol anterior ao nosso, moléculas que se reuniram na Terra." (Edgar Morin) Vimos do início, dos primeiros segundos do universo. Somos divinos, estamos muito para lá do homem prosaico, das suas preocupações mesquinhas, do dinheiro ao fim do mês. Somos fundamentalmente alma, amor, poesia. Somos ... capazes de grandes obras. Estamos para lá de Deus. Somos caminheiros dos céus, como dizia Henry Miller. Somos grandes. Somos do tamanho do universo mas somos frágeis. Por isso precisamos de amor, amizade, fraternidade. E precisamos de criar, de celebrar a vida, o milagre da vida. Podemos estar aqui à mesa da confeitaria a escutar conversas banais mas somos divinos. Hoje tomamos consciência. Somos divinos. Como Shakespeare, como Nietzsche. Somos meninos e bailarinos. Jogamos com a vida. Descobrimos o mistério. Vimos de um sol anterior ao nosso. Dancemos. Brindemos ao mundo e à vida. Chegámos onde queríamos chegar. Somos loucos divinos. Poetas-bailarinos. Celebremos.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

EU ACUSO!

Todo o percurso que fiz até aqui. O rapaz que era. A timidez. A dificuldade de me relaciionar com as raparigas. Os versos que então escrevia. Já então pensava muito. Depois veio a noite, os copos, os concertos. Descobria a liberdade no Tuaregue, no Deslize, em Braga, na Rua Nova de Santa Cruz. Tornei-me então outro, aquele que sobressaía, que provocava, que dançava. Mas as grandes depressões travaram a minha caminhada. Fiquei inerte, insoluvelmente melancólico, incomunicável. Passavam-se os meses dolorosamente e, aos poucos, readquiria a vida. Fui para o palco, cantei, recitei, fiz a festa. Agora estou aqui, aos 44 anos, mais sábio, mais virtuoso, mas ainda desejoso de passar para o outro lado. Ainda morrisoniano, nietzscheano, consciente de que a vida não se resume a uma fórmula única e irreversível. Consciente de que os medíocres que nos governam e querem controlar não passam de uns imbecis sem alma nem coração, sem inteligência. Consciente de que posso chegar ao palco e dizê-lo. Consciente de que nada há a perder, de que fiz o meu percurso e de que não devo nada a ninguém. Posso estar aqui sozinho na confeitaria com os meus livros mas acuso esses medíocres do poder de destruírem a vida, de matarem de fome, tédio e depressão, de darem cabo de tudo quanto é arte, belo, exuberância, de assassinarem a juventude e a infância, de amputarem a liberdade e o amor. Acuso-os de não fazerem parte da humanidade nem da vida.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A SEDE DO LUCRO

Terrível mundo este onde "a sede do lucro sufoca todo o restante impulso humano", nas palavras de Ernst Bloch. Terrível mundo este onde podemos vir ao café estudar ou conversar mas onde as conversas são formatadas, dominadas pelo preconceito ou pelo medo, controladas pelas modas e pelo "big brother" televisivo. Verdadeiramente poucos de nós conseguimos ser autenticamente plenos e ainda assim estam...os sujeitos ao tédio, à depressão, à ameaça da pobreza, à máquina que bombardeia. Conhecemos homens livres que morreram na miséria. De resto, há a sede do lucro, do passar por cima do parceiro, a luta pela existência. Raramente somos plenos, raramente conversamos sábios e libertos, raramente nos expressamos ou criamos no máximo das nossas potencialidades. Há sempre algo que nos diminui o espírito e a inteligência. Há sempre algo que nos condiciona. Mesmo que tomemos mais um café e que nos sintamos mais concentrados, mais sabedores. Mesmo que as pessoas venham aparentemente livremente ao café não deixam de ser escravas- da ignorância, da barbárie, de Mámon, o deus-dinheiro.

CAPITALISMO

o capitalismo é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro. Deus não morreu, tornou-se Dinheiro. (Giorgio Agamben)

domingo, 7 de outubro de 2012

A BARBÁRIE

Em 1845, em “A Essência do Dinheiro”, Moses Hess afirma que o capitalismo traduz a dominação exercida pelo deus-dinheiro sobre os homens, constituindo um sistema que coloca à venda a liberdade humana. O dinheiro é a essência e traz um mundo pior do que o da escravatura antiga porque “não é natural nem humano que alguém se venda a si próprio voluntariamente”. A tarefa do comunismo é, as...sim, abolir o dinheiro. Para Gustav Landauer essa tarefa não é aperfeiçoar o sistema industrial-capitalista mas ajudar os homens a redescobrirem a cultura, o espírito, a liberdade, a comunidade. Para outros, o capitalismo é traficar a alma, o espírito, o pensamento. Para Marx, exige-se “a revolta contra um mundo que transformou cada coisa numa mercadoria e degradou o homem, reduzindo-o ao estatuto de objecto”. Sim, temos o direito de exigir o homem integral. O poder do dinheiro pode destruir todas as qualidades humanas e naturais, reduzindo-as ao quantitativo. A troca de afectos é substituída pela troca do dinheiro por uma mercadoria. Não existe nada de mais abjecto do que o capitalismo e os seus mercadores e economistas. Reduzem tudo ao cálculo, ao deve e haver, ao orçamento. Cortam na vida das pessoas como se tratassem com objectos. A sensibilidade é substituída pela posse. Como dizem Michael Lowy e Robert Sayre em “Revolta e Melancolia”, “o ser, a livre expressão da riqueza da vida por actividades sociais e culturais, é cada vez mais sacrificado ao ter, à acumulação do dinheiro, das mercadorias e do capital”. O homem está fortemente condicionado na sua capacidade criativa pelas drogas que nos atiram todos os dias via media e por um mercado implacável. Segundo Lukács, “tudo deixou de ser avaliado por si próprio, pelo seu valor intrínseco- artístico ou ético- e apenas tem valor enquanto mercadoria vendível ou comprável no mercado”. É a barbárie, a selvajaria. Nem sabemos como ainda pode haver algum amor, algum diálogo, alguma filosofia. Eles estão a destruir o que de mais genuíno há no homem, esses merceeiros, esses moedeiros. Isto não é apenas a crise económica, isto não é apenas o irem-nos aos bolsos, isto é irem-nos à alma, destruírem os verdadeiros progressos da humanidade. Isto é destruir a vida. Não podemos mais aceitá-lo. Somos homens e mulheres. Não somos objectos, não somos notas e moedas.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O ESTAR AQUI

Vir ao mundo, receber a graça de vir ao mundo. Depois brincar, ser livre. Ir à escola, aprender mas também ser moldado pela máquina, pelo mercado. Começar a questionar as coisas, guardá-las para si ou debatê-las com os melhores amigos. Fazer o liceu, ir para a Faculdade. Sair à noite, celebrar a noite, experimentar a liberdade. Mas depois voltar à máquina, ao mercado, à competição. Ler uns livros que contrariam isso. Depois vem novamente o ganhar a vida, o safar-se, o lutar pela existência, o passar por cima dos outros. Questionar tudo isso novamente, estar aqui no café com os livros, experimentar a liberdade. Saber que há uma via que está para lá da escravidão, do ser mais um, saber que essa via pode ser dolorosa mas saber que ela existe. Estar aqui, saber que não se está aqui por acaso, que temos um propósito, uma missão. Saber que isto está muito para lá do pão nosso de cada dia. Saber que isto não é o trabalho absurdo. Procurar o amor e o conhecimento. Ser o homem íntegro, integral. Não se deixar levar pela grande depressão. Estudar, ler os grandes, filosofar. Estar aqui, estar vivo, sem culpas nem pecados. Estar aqui soberano, sem patrões.