terça-feira, 24 de janeiro de 2012
O POETA
Esqueci-me do caderno em casa. Agora tenho de escrever nas costas dos poemas. Não há dúvida de que estou melhor do que há dez anos. Mais senhor. Agora sou realmente poeta e artista. Alguém com uma carreira nas artes. Uma estrela em alguns meios. Mas ainda e sempre o homem só que escreve à mesa de uma confeitaria de Vilar do Pinheiro. O homem que lê de quem por aqui se desconhecem as excentricidades e as glórias passadas. Um homem que consegue ser completamente louco, completamente fora. A quem o tédio e a rotina vão fazendo perder a alegria. Um homem que está sempre a cair e a levantar-se. Que mantém o hábito de criar no café e na confeitaria. Que não adere às conversas da vidinha. Um homem que já foi a tribunal por motivos políticos. Um homem que tem uma história. Que tem recebido muitos elogios nos últimos dias. Que vai beber aos grandes. Que adora as miúdas lindas.
No fundo, agora só queria que uma dessas miúdas lindas aparecesse e começasse a falar com ele de literatura. Os amigos não sabem que ele pode passar-se como o Rui Costa. Os amigos não estão em parte significativa da sua vida. Só a Gotucha.
Era mesmo bom que essa miúda aparecesse. O homem tem a barriga inchada. Já não é propriamente um príncipe. É o poeta António Pedro Ribeiro. Quem conhece o poeta António Pedro Ribeiro? Que faz ele nesta confeitaria de Vilar do Pinheiro?
O poeta não é definitivamente do povo. Já não é marxista-leninista nem anarquista social. Não exalta o povo. A maior parte das vezes acha-o pequeno, vulgar, sem brilho, sem visão, sem inteligência. Talvez ainda acredite nos jovens e nas crianças. E em alguns outros que não se converteram à máquina. No fundo, é um nobre, um aristocrata. Vem de outras eras. Escreve enquanto os outros falam de reformas. Não é, nunca foi um trabalhador. Olha para a miúda do café e deseja-a. O rapaz é muito simpático. As pessoas só falam de dinheiro e pagamentos, conversa que aborrece de morte o poeta. E depois já cá faltava a saúdinha. Dinheiro e saúdinha. Esta gente resume-se a isso. Passam a vida a trabalhar e a falar nisso e dão graças a Deus. Que gente sem luz, que gente sem altura. E tu a defendê-los, ó poeta! Larga-os, deixa-os de vez. Tu és o criador, o homem de Nietzsche, o bailarino. Que gente vulgar, que gentalha. Só alguns se safam. Faz falta uma vanguarda, uma minoria esclarecida para tomar conta disto. Uma vanguarda que ocupe a televisão e que faça a revolução. E de que vale que tirem cursos se permanecem limitados, imbecis? Acredita, poeta, poucos e poucas te acompanham. Continua a fazer circular a tua mensagem. Mas toma como certo que em certos meios não vale a pena. Não te armes em Jesus, segue antes Zaratustra. Para quê vir ao mundo se não vemos a luz, se não nos afastamos da "felicidade" da maioria? Para quê vir ao mundo se não aprofundarmos ao máximo a nossa personalidade, se não descobrirmos o homem interior? Para quê vir ao mundo se não gozarmos na plenitude? Não, não sejas comunista nem socialista. Afasta-te dos pequenos. Não te deixes contaminar. Os pequenos também são os macacos que sobem uns para cima dos outros, os detentores do poder e da máquina. Sim, afasta-te. Segue o caminho da grande solidão. Ama as tuas companheiras, os teus companheiros. Não precisas de sair da confeitaria para atingir o ouro. Estás nos teus castelos, no reino que tens perseguido. Agora sim. Deixa-te ficar. Criaste um mundo. Como na infância. Aqui não há merceeiros. Aqui tornas-te naquele que és.
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