domingo, 11 de dezembro de 2011
ZIZEK
Slavoj Zizek O violento silêncio de um novo começo
“Resta um longo caminho a percorrer, e, em breve, será preciso enfrentar as perguntas realmente difíceis, não sobre o que não queremos, mas sim sobre o que queremos”
O que fazer depois da ocupação de Wall Street, com os protestos que começaram longe (Oriente Médio, Grécia, Espanha, Reino Unido) atingiram o centro e agora, fortalecidos, estão se espalhando pelo mundo? Um dos maiores perigos que enfrentam os manifestantes é enamorarem-se por si mesmos. Em São Francisco, numa concentração de solidariedade a Wall Street, no 16 de outubro de 2011, ouviu-se um convite para participar no protesto, como se fosse uma concentração hippie dos anos sessenta: "Perguntaram qual é o nosso programa. Estamos aqui para nos divertir”.
Organizar um acampamento é legal, mas o que realmente importa é o que sobra no dia seguinte, o que muda em nossa vida quotidiana. Os manifestantes devem enamorar-se do trabalho duro e paciente. Não são um final, mas um começo, e sua mensagem fundamental é: quebrou-se o tabu, não vivemos no melhor mundo possível, e temos o direito e mesmo o dever, de pensar em alternativas. Numa espécie de tríade hegeliana, a esquerda ocidental voltou aos seus princípios, depois de abandonar o chamado “fundamentalismo da luta de classes" pela pluralidade de lutas anti-racistas, feministas, etc. O problema fundamental volta a ser o “capitalismo". A primeira lição deve ser: não devemos culpar as pessoas, nem atitudes. O problema não é a corrupção ou a ganância, é o sistema que nos empurra a ser corrupto. A solução não é "a rua frente a Wall Street", mas sim mudar o sistema, no qual a rua não pode funcionar sem Wall Street.
Resta um longo caminho a percorrer, e em breve será preciso enfrentar as perguntas realmente difíceis, não sobre o que não queremos, mas sim sobre o que queremos. Que organização social pode substituir o capitalismo atual? Que tipo de líderes precisamos? Que organismos, incluindo os de controle e de repressão? É evidente que as alternativas do século XX não funcionaram. Embora a "organização horizontal" das multidões concentradas, com a sua solidariedade igualitária e seus debates abertos, resulte em algo emocionante, não devemos esquecer o que escreveu Gilbert Keith Chesterton: "Ter uma mente aberta, em si, não é nada; o objetivo de abrir a mente, como o de abrir a boca, é poder fechá-la com algo sólido dentro”. O mesmo acontece com a política em tempos de incerteza: os debates abertos precisam de se misturar com novos significantes fundamentais, mas também em respostas concretas para a velha questão leninista: "O que fazer?".
É fácil responder aos ataques conservadores. São anti-americanos os protestos? Quando os conservadores fundamentalistas afirmam que a América é uma nação cristã, convém lembrar o que é o cristianismo: o Espírito Santo, a comunidade livre e igualitária dos que têm fé unidos pelo amor. Os manifestantes são o Espírito Santo, enquanto que em Wall Street, os pagãos adoram os falsos ídolos. São violentos os manifestantes? É verdade que a sua linguagem pode parecer violenta (ocupação e outras mensagens similares), mas são no sentido da violência de Mahatma Gandhi.
São violentos porque não querem que as coisas continuem como antes. Mas que violência é essa comparada com a violência necessária para manter o bom funcionamento do sistema capitalista mundial? Eles são chamados de perdedores, mas não estão os verdadeiros perdedores em Wall Street, os que foram resgatados com o nosso dinheiro, centenas de milhares de milhões? Eles são chamados de socialistas, mas nos Estados Unidos já existe um socialismo para os ricos. Eles são acusados de não respeitar a propriedade privada, mas a especulação que levou ao crash de 2008 acabou com milhares de propriedades privadas, conquista a duras penas, basta lembrar as centenas de execuções hipotecárias.
Eles não são comunistas, se por comunismo, nos referimos ao sistema que merecidamente veio abaixo em 1990, e lembramos que os comunistas que restam hoje, governam o capitalismo mais cruel existente (China). O sucesso do capitalismo comunista chinês é um mau presságio de que o casamento entre capitalismo e democracia está à beira do divórcio. O único sentido em que podem ser chamados de comunistas é que se preocupam com os bens comuns da natureza, do conhecimento – algo que o sistema está a pôr em perigo.
Desprezam-nos por serem sonhadores, mas os autênticos sonhadores são aqueles que pensam que as coisas podem continuar indefinidamente como estão, com meras mudanças superficiais. Não são sonhadores, é o despertar de um sonho que está a tornar-se um pesadelo. Não destroem nada, reagem diante da auto-destruição gradual do próprio sistema. Todos conhecemos a típica cena do desenho animado: o gato chega a beira do precipício, mas continua a andar em frente, sem saber que já não tem chão sob suas patas, e não cai, até que olha para baixo e vê o abismo. O que estão fazer os manifestantes, é lembrar aos que têm o poder que precisam de olhar para baixo.
Essa é a parte fácil. Os membros do movimento devem cuidar-se dos inimigos e, sobretudo, dos falsos amigos que fingem apoiá-los, mas estão fazer todo o possível para esvaziar o protesto. Igual ao que nos dão café descafeinado, cerveja sem álcool, o poder tentará transformar os protestos num gesto moral e inofensivo. No boxe, "abraçar-se" é agarrar o corpo do oponente com os braços para impedir ou dificultar os golpes. A reação de Bill Clinton aos protestos em Wall Street é um exemplo perfeito do abraço político. Clinton acredita que os protestos são, “no conjunto, algo positivo", mas preocupa-o que a causa seja tão difusa: “Devem defender algo concreto, não apenas serem contra, porque se se limitam a ser contra, outros irão preencher o vazio que deixam". Clinton sugere que os membros do movimento apoiem o plano de emprego do presidente Obama, que, segundo ele, criará "dois milhões de empregos no próximo ano e meio”. Ora, o que é preciso resistir nesta etapa, é precisamente nesse desejo de traduzir rapidamente a energia do protesto numa série de demandas "pragmáticas" e "concretas". É verdade que os protestos criaram um vazio: um vazio no terreno da ideologia hegemónica, e precisa-se de tempo para preenchê-la, mas é um vazio carregado de conteúdo, uma abertura para o novo. Os manifestantes saíram às ruas, porque estão cansados de um mundo em que reciclar latas, doar alguns dólares para obras beneficentes ou comprar um cappuccino no Starbucks, porque 1% vai para o Terceiro Mundo, basta para se sentir confortável. Depois de terceirizar o trabalho e a tortura, depois que as agências matrimoniais começaram a terceirizar, até mesmo as relações, perceberam que deixaram por muito tempo os outros cuidarem da política e querem recuperar esse tempo agora.
A arte da política é também insistir numa reivindicação concreta que, embora seja totalmente "realista", rompe a ideologia hegemónica, ou seja, que, embora viável e legítima, na prática, é impossível (por exemplo, o direito à saúde universal nos EUA). Depois dos protestos de Wall Street, devemos mobilizar as pessoas para essas reivindicações, mas é muito importante manter distância do terreno pragmático das negociações e das propostas "realistas". Não devemos esquecer que qualquer debate que se faça aqui e agora, continuará sendo feito no campo inimigo, e levará tempo para consolidar novos conteúdos.
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