Safo-me bem em Inglaterra. A língua não é problema. Os ingleses parecem mais gentis que os portugueses.
Tenho sono e é manhã cedo no apartamento. Tive um sonho com o Álvaro e uma amiga. Tinha deixado as coisas no Piolho. Hoje deixamos Londres. Ficaria bem por aqui. O centro da cidade, o Soho. Escrevo na cama com a caneta do "Java" que o sr. Martins me ofereceu no dia do lançamento do "Café Paraíso". A próxima sessão será no dia 8 na "Brasileira" em Braga. A viagem prossegue. Estou, de facto, numa das melhores fases da minha vida. A escrita flui, o raciocínio também. London calling. Último dia. Em Montalegre passei-me para o outro lado. Estava às portas de um mundo novo, caía ao chão, a Gotucha teve de me segurar. Depois estoirei o dinheiro todo dos livros. Break on Through to the Other Side. É isso tudo, velho Jim. Ninguém nos compreende quando estamos em transe. Dissemos adeus ao Clube Literário, vamos para o Olimpo. Agora sim, entre os deuses.
sábado, 3 de dezembro de 2011
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1 comentário:
"MANIFESTO
Senhoras e senhores
Esta é a nossa última palavra
- Nossa primeira e última palavra –
Os poetas desceram do Olimpo.
Para os nossos antepassados
A poesia era um objecto de luxo
Mas para nós
É um artigo de primeira necessidade:
Não podemos viver sem poesia.
Diferente de nossos antepassados
- E o digo com todo respeito… -
Nós sustentamos
Que o poeta não é um alquimista
O poeta é um homem como os outros
Um pedreiro que constrói seu muro
Um construtor de portas e janelas.
Nós conversamos
Na linguagem de todos os dias
Não acreditamos em signos cabalísticos.
Ademais, uma coisa:
O poeta está aí
Para que a árvore não cresça torcida.
Esta é a nossa mensagem.
Nós denunciamos o poeta demiurgo
O poeta Barata
O poeta Rato de Biblioteca.
Todos estes senhores
- E o digo com muito respeito…-
Devem ser processados e julgados
Por construírem castelos no ar
Por esbanjarem o espaço e o tempo
Redigindo sonetos à lua
Por agruparem palavra ao azar
Conforme a última moda em Paris.
Para nós, não:
O pensamento não nasce na boca
Nasce no coração do coração.
Nós repudiamos
A poesia de óculos escuros
A poesia de capa e espada
A poesia de chapéu abanado.
Propiciamos a mudança
A poesia a olho nu
A poesia a peito aberto
A cabeça de cabeça descoberta.
Não acreditamos em ninfas nem tritões.
A poesia tem que ser assim:
Uma garota rodeada de espigas
Ou não ser absolutamente nada.
Porém, no plano político
Eles, nossos avós imediatos,
Nossos bons avós imediatos!
Refrataram e se dispersaram
Ao passarem pelo priema do cristal.
Uns poucos se tornaram comunistas
Não sei se foram realmente.
Suponhamos que foram comunistas,
O que eu sei é o seguinte:
Que não foram poetas populares,
Foram uns reverendos poetas burgueses.
Devemos dizer as coisas como são:
Somente um ou outro
Soube chegar ao coração do povo.
Sempre que puderam
Declararam de palavra e de peito
Contra a poesia dirigida
Contra a poesia do presente
Contra a poesia proletária.
Aceitemos que foram comunistas
Mas a poesia foi um fracasso
Surrealismo de segunda mão
Decadentismo de terceira mão,
Tábuas velhas devolvidas pelo mar.
Poesia adjectiva
Poesia nasal e gutural
Poesia arbitrária
Poesia copiada dos livros
Poesia calcada
Na revolução da palavra
Em circunstâncias de poder fundar-se
Na revolução das ideias.
Poesia do círculo vicioso
Para meia dúzia de eleitos:
‘Liberdade absoluta de expressão!’
Hoje nos persignamos perguntando
Para que escreviam essas coisas
Para assustar ao pequeno burguês?
Tempo miseravelmente perdido!
O pequeno burguês não reage
Senão quando se trata do estômago.
Como vão assustá-lo com poesias?!
A situação é a seguinte:
Enquanto eles estavam
Por uma poesia do crepúsculo
Por uma poesia da noite
Nós propugnamos
A poesia do amanhecer.
Esta é a nossa mensagem.
Os resplendores da poesia
Devem chegar a todos por igual
A poesia chega para todos.
Nada mais, companheiros
Nós condenamos
- E o digo com respeito…-
A poesia do pequeno deus
A poesia da vaca sagrada
A poesia do touro furioso.
Contra a poesia das nuvens
Nós contrapomos
A poesia da terra firme
- Cabeça fria, coração ardente
Somos pés-no-chão decididos…
Contra poesia de café
A poesia da natureza
Contra a poesia de salão
A poesia de protesto social.
Os poetas desceram do Olimpo."
Nicanor Parra in “Ex-traídos de Outros Poemas (1950-1968)” trad de António Miranda
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