segunda-feira, 15 de agosto de 2011

DA ILHA


De há uns anos a esta parte ganhei um modo de vida, tal como diz o dr. Jorge Marques. Talvez desde há seis ou sete anos. Antes só escrevia quando a coisa batia. E agora sou capaz de escrever em estilos diferentes. Aos 18/19 anos já escrevia bons poemas: "Mulher Ausente", "Representação", "Ausência". Talvez se nessa altura me tivesse dedicado à escrita já tivesse ido mais longe. O "Á Mesa do Homem Só" teve uma grande crítica no Diário de Notícias. O Teixeira Moita diz que os últimos textos são os melhores. Sem dúvida que posso chegar lá onde quero- à glória- talvez só depois de morto ou gravemente doente. Dos 19 aos 27/28 estive a fazer outras coisas para lá da escrita. Estive a pôr à prova os limites da realidade, como dizia o Jim, sempre o Jim. Combati o mundo. Apanhei porrada. Vivi o que outros nunca viveram, às vezes em apenas algumas noites, alguns dias. A minha mãe, a minha família, nunca o compreenderão. Depois aos 38/39 também fiz grandes viagens. Cheguei ao além Deus sem precisar de ácidos ou mescalina. Quem perceberá isto? Morrison, Nietzsche, Shakespeare, Miller, Rimbaud, Ginsberg, Kerouac, Cesariny, poucos mais. Há para aí uns putos que nunca chegaram lá perto e estão convencidos de que são bons. Há mesmo escritores ditos consagrados que pensam o mesmo. Eu vivi mesmo as visões, as alucinações. Agora posso dizê-lo. Estou lúcido. Julguei-me Jesus, Deus, o super-homem. E agora estou aqui num cafézito de Vila Nova de Telha sem mulheres, sem ninguém a quem contar esta estória. Aliás, o que é que isto conta para aqueles e aquelas que só têm futebol, trabalho, família e cuscuvilhice na cabeça? Eu estou a falar da "verdadeira vida" de Rimbaud. Mantenho o velho hábito de escrever à mão em cadernos. Este ano estive no 12 de Março, estive na acampada da Batalha com os putos. Recebi uma grande ovação no Campo Alegre. Vivi. Estive do lado da vida. A menina cai e eu preocupo-me. "Prefiro um festim de amigos à família gigante", outra vez o Jim. Talvez devesse falar também assim por imagens. De facto, afastei-me da família gigante. Quando volto lá é como se lá não estivesse. Segui o meu caminho, mesmo quando me desloco apenas ao café da esquina. Afastei-me da vidinha, das conversas da vidinha, daqueles que dizem "vem por aqui!". Não fui. Não vou. Não sou deles, não embarco na felicidade da maioria- carro, frigorífico, casinha. Tenho andado por terras distantes. Nem sequer as consigo descrever. Sei apenas que já tive o ouro. Há dias, como na era das grandes depressões, em que não me consigo expressar. Sei que venho de outros reinos, de outras estrelas, já fui rei, agora tenho a certeza. Por isso, desejo ardentemente as mulheres que, em tempos, foram minhas. Por isso, amo o Graal e Artur. Há quem lhe chame lendas. Estou como Céline. Estou farto da razão, do útil, do interesse. Não consigo viver encarcerado na razão. Está próximo o dia em que voltarei a explodir. Sou dos grandes. Quixote contra os moinhos. Sou da lenda. De Prometeu, de édipo. Quero trazer o conhecimento e as artes aos humanos. Talvez, como Nietzsche, apenas aos meus companheiros, às minhas companheiras. Onde estão eles, onde estão elas? Onde estão eles neste deserto, nesta aldeia inóspita? Sou Perceval. Vislumbro o Graal, a glória. Tenho a sabedoria mas não tenho a quem a transmitir. Limito-me a ser amável com os meus semelhantes, volto a escrever como na "Ressaca". Houve uma altura em que fiz rir os homens, em que escrevi literatura mundana. Agora volto à terra do meu pai, à terra do ouro. Que poderei eu ser senão poeta, senão profeta? Para quê cantar os imbecis da política e da vida? Sê grande, Pedro. Não te preocupes com capelinhas. Sê o bardo. Procura as mulheres belas. Canta-lhes a "Odisseia". Canta-lhes os lugares onde estiveste. Hás-de saber descrever todos os lugares onde estiveste. Volta. Não te deixes levar pelos jornais nem pela "vida prática". Conheceste os grandes, subiste aos céus. Há um país, uma ilha. Não te lembras bem. Havia um rei generoso que te dava tudo. Que te fez guardião da sabedoria. Depois esqueceste. Percorreste as ruas de Atenas. Ouvias Sócrates e começaste a fazer-lhe perguntas. Estiveste também com Diógenes, que te deu uns berros e te acordou de novo. Começaste a recordar a sabedoria. Então, não sabes porquê, vieste dar à terra. Já não eras rei. Desprezaram-te. Não tinhas ouro. Mas quando subias ao palco recebias palmas. Era a tua glória. Alguns invejavam-te. Só a espaços te recordavas da sabedoria. Algumas mulheres aproximavam-se de ti mas temiam a tua pobreza. Hoje a sabedoria voltou a iluminar-te. Voltaste ao rei e a Diógenes. Apetece-te insultar o homem comum e a sua pequena existência. Mas, por outro lado, sentes-te maior. Estás a escrever o livro. A tua vida agora faz todo o sentido. Não falas a linguagem do homem comum. Ñem te apetece fazê-lo rir. Queres ser maiêutico. De qualquer forma, já viveste o caos e o caos está à porta. Vieste da ilha. És da ilha. Agora sabes.

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