CRÓNICA NO GUARDA-SOL
António Pedro Ribeiro
Regresso à Póvoa, ao "Guarda-Sol". Sinto-me uma espécie de rei. Não que vá reclamar o trono. Mas sinto uma certa simpatia dos poveiros em relação a mim. De qualquer forma, não sou político, autarca ou banqueiro. 90% dos políticos ou são charlatães ou são corruptos. Tudo isso me faz sentir um homem de bem, na outra margem. Um homem que se bate por causas, mesmo que nem sempre da forma mais ortodoxa. Um homem solitário que escreve à mesa do "Guarda-Sol" e que hoje permanece na Póvoa em vez de ir ter com a amiga a Braga. Longo percurso percorreu o homem. Já andou à batatada à porta dos bares e das discotecas, já derramou sangue em nome da dama. As intriguices dos políticos locais já não o motivam. Sente-se acima disso, apesar de ser acusado de determinadas coisas que nem sequer fez. Sente-se nas suas quintas como os seus antepassados barões de Cabeceiras de Basto. É um aristocrata, desconfia do proletariado e dos defensores intransigentes do proletariado. Bebe. Lê. Escreve. Vive. No "Guarda-Sol" à beira do mar. Ultimamente, os media têm-lhe feito propaganda. Agradece-a. Pode beber copos. Não tem que se portar bem com os políticos. Pode abusar. Pode micar as mulheres que o despertam. É do mundo. Vai à Biblioteca Municipal buscar livros mas não se fecha nos livros, embora, porventura, o devesse fazer. Traz Borges, Kierkegaard e Ezra Pound. Os seus amigos empregados de mesa não estão: o Fernando, o Manuel. Acredita nos amigos. Ninguém o pode acusar de traição, apesar dos seus erros. Nada tem a perder, já o tem dito. É cronista, dizem. As suas crónicas são lidas. Não é da Póvoa mas sente-se em casa. Se tivesse cacau, beberia mais uns finos. Passaria a noite a beber. Não é presidente da Câmara nem da República. Pode beber. Aliás, não faz parte dessa seita. Evita-a. Ama a vida, não a morte em vida. É do mundo. Quer conquistá-lo para o mudar a fundo. No fundo, algumas destas ideias já as tinha aos 18 anos. Mas agora é capaz de sistematizá-las. É também uma espécie de filósofo. Mas já poucas coisas o assustam. É louco. Por isso o temem. Porque escreve o que pensa e o que sente. Não faz mal a uma mosca mas é temido pelo que diz e pelo que escreve. Bebe mais um fino. O "Guarda-Sol" é um café que o marcou e que o continua a marcar. É um café onde se respira a liberdade e a república. É um café de conversas, afectos e de bom humor. Aqui não há tédio. O homem sente-se na pele de Antero de Quental. A sua luz brilha aqui. Vem de dentro. Do coração. O homem precisa da mulher. Ama-a. Sabe que ela virá um dia, mesmo que se recuse agora. Sabe que a demanda do Graal é aqui e agora. Por isso, não tem limites. Aprendeu com Jim Morrison, Nietzsche e Henry Miller. Mas também com Manuel Lopes, com o padre/professor João Marques, com o Monsenhor Amorim. É um homem do mundo e, portanto, da Póvoa. O mar entrou-lhe na alma. Navega no "Barco Bêbado" de Rimbaud. É louco. Sabe-o. Quanto mais louco, mais lúcido. Já nem quer saber de presidentes de Câmara.
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
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