O policiamento da manifestação contra a NATO
por Zé Neves
O que se passou ontem na Avenida da Liberdade deve motivar um inquérito, a realizar por uma daquelas entidades que realizam inquéritos e que às vezes até servem para alguma coisa. A democracia não se dá bem com suspensões temporárias. A generalidade dos comentadores e dos dirigentes de todos os partidos com assento parlamentar fizeram questão de recordar isso mesmo ainda há uns poucos meses. Na ocasião, contra declarações da Drª Manuela Ferreira Leite. Na manifestação deste sábado, a polícia isolou um conjunto significativo de manifestantes e obrigou-os a desfilar cercados pela polícia, dentro de um quadrado, isolando-os da manifestação principal. A polícia decidiu ainda que os manifestantes não podiam sair dos limites do quadrado policial em que estavam cercados. Entre os manifestantes estavam crianças e pessoas mais idosas. Não estou certo se a polícia pretendia, deste modo, levar os manifestantes a cometer qualquer acção violenta. Se assim foi, então a polícia fez o contrário do que é suposto fazer e alguém deve ser reponsabilizado por isso. Pode também ser que as falsidades avançadas por José Manuel Anes e por responsáveis dos serviços de informação tenham convencido a polícia ou, na verdade, que esta necessite permanentemente de criar a sua prória necessidade. Sei que não se viu ninguém do Black Bloc. E que o Professor Anes deveria ser simplesmente demitido de tudo em que possa ter qualquer contributo relevante para o tema da segurança pública. A incompetência não pode continuar a ser senhora; até porque no dia em que estivermos perante uma qualquer ameaça séria à ordem pública, o mais provável é não que confiemos em Anes e nos serviços de informação. Mesmo que, nessa ocasião, tenham razão alguma. A violência e os métodos seguidos pelo aparato policial foram inéditos em manifestações políticas deste género. Parte dos manifestantes era anarquista, muitos outros manifestantes não eram. O major Mário Tomé e o deputado José Soeiro, cuja atitude deveria ser um exemplo a seguir por muitos dirigentes e quadros do Bloco de Esquerda, não são seguramente anarquistas. Muito mais gente que ali estava não era anarquista. E se fosse. E SE FOSSE. Recordo que ainda recentemente uma ministra do governo deste país se dizia anarquista e que um eurodeputado deste pais se diz anarquista.
No inquérito que será realizado deverá ser igualmente averiguado onde começa um serviço de ordem de uma manifestação e onde começa a força policial. Com efeito, não se percebe ao certo se foi o serviço de ordem do PCP que deu ordens à polícia no sentido de isolar um grupo de manifestantes ou se foi a polícia que de livre e espontânea vontade agiu desse modo. A reportagem da SIC não é minimamente elucidativa e eu só me juntei à parte guetizada da manifestação a meio do caminho. O que sei é de testemunho indirecto. Da reportagem da SIC, sobretudo, espanta-me a parte em que um responsável da polícia remete a responsabilidade da guetização dos manifestantes para a CGTP. Fico igualmente surpreendido com a parte em que um membro do serviço de ordem do PCP diz à jornalista que as pessoas que foram isoladas eram pessoas que não estavam "credenciadas" (foi esta a palavra) para estar naquela manifestação.
Gostava de saber, ainda, em que circunstâncias é que é preciso um tipo ou um grupo obter credenciação para ir a uma manifestação; e, já agora, também, gostaria de saber quem credencia os homens do serviço de ordem e lhes confere o poder de recorrem à força para impedirem a mobilidade de outros cidadãos em plena via pública. É a polícia? Já agora, e para quem souber responder, o que é legalmente um serviço de ordem? O serviço de ordem é uma espécie de polícia alternativa? Espero sinceramente que para a greve geral de dia 24 não seja necessário um tipo obter «credenciação» junto da polícia ou junto do PCP. Eu, de qualquer dos modos, garanto que farei greve. Com ou sem credencial. E farei pelos motivos presentes, mas também pelo passado. Porque conheço a história de um movimento operário que em Portugal fez o seu caminho com anarquistas, comunistas e muitos outros. Aliás, alguns (sublinho, ALGUNS) dos quadros e dirigentes do PCP que à boca cheia falam da identidade e da história do partido não fariam mal em recordar que, ao contrário de vários outros seus congéneres europeus, em Portugal o Partido Comunista fundado no início dos anos 20 tinha uma maior ligação aos ideais anarquistas. E não resultou propriamente de uma cisão entre social-democratas e comunistas.
O Spectrum tem o vídeo da notícia da sic disponível. Aqui. O destaque dado à guetização dos manifestantes desviou as atenções do essencial, a crítica da NATO e das suas políticas. Os orimeiros que foram privados do direito a fazer ouvir essa crítica foram os manifestantes guetizados que tiveram que se preocupar mais com a repressão policial do que com a manifestação dessa crítica. Se na economia das notícias os discursos contra a NATO acabaram por não ter o protagonismo devido, isso deve-se à atracção da grande parte dos jornalistas por tudo o que cheire a sangue (embora tenha sido a presença dos jornalistas, estou em crer, que conteve a violência policial). Talvez isto não tudo não fosse notícia e este post não estivesse aqui se a manifestação fosse uma só, com pluralidade maior do que a que confere direito de existência à Ecolojovem, ao Bloco de Esquerda e à Intervenção Democrática. O serviço de ordem do PCP e a polícia procuraram dividi-la, criando assim um "alvo policial", o que, sabemos bem, tem enorme semelhança com o que frequentemente se designa como "objecto noticioso".
http://viasfacto.blogspot.com/2010/11/o-policiamento-da-manifestacao-contra.html
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
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