sexta-feira, 27 de novembro de 2009

MICHAEL MOORE

Os seus documentários rendem muito dinheiro aos estúdios. É por isso que o filme se chama "Capitalismo: Uma História de Amor"? O ex-seminarista tem resposta para a ironia.


Michael Moore está cansado.
Está cansado de ser a única pessoa que pode responder pelos seus filmes e de ter constantemente de se defender do que considera acusações violentas. Claro que se expõe ao enfrentar o colapso do Sistema em "Capitalismo: Uma História de Amor", a Saúde norte-americana em "Sicko" e o ex-Presidente George W. Bush em "Farenheit 9/11". Com "Capitalismo: Uma História de Amor", porém, as coisas mudaram. O público americano tem estado a apoiá-lo como nunca antes.
"Eu fazia parte de uma pequena minoria de americanos que se opunham à Guerra do Iraque. Eu não ia mudar. O país é que tinha de mudar. E mudou de tal modo que elegeu um negro para Presidente. Por isso, dêem vivas à América!"
Então Moore não deveria ter entrevistado o Presidente Obama para este filme? "Pensei nisso, mas seria outro filme. E ele está no cargo há pouco tempo, por isso dêem-lhe tempo. Tenho esperança de que vai fazer como deve ser."

Moore chorou como uma criança na noite das eleições quando alguém que ele considera um homem honesto, originário da classe trabalhadora como ele, foi eleito para o cargo mais importante da América.
"Obama foi criado por uma mãe solteira, depois pelos avós, e é um negro nos EUA. Depois de tudo isso, vai para Harvard e, a seguir, depois decide ir viver para Chicago. Podia ter-se tornado rico, mas decide viver num gueto e trabalhar com os pobres. Quem é que faz isso? Alguém com consciência, alguém com coração. Um homem que mudou o seu nome de Barry [que escolhera para se diluir no "melting pot" americano] de volta para Barack não parece ser alguém que está a planear candidatar-se a Presidente, como não o parece alguém que manteve o nome Hussein. Este tipo tem fibra, pá, e é esperto. E penso que é um jogador de basquetebol bom."

O palhaço da turma

Esta tirada é típica de Michael Moore: muita informação posta ao alcance de todos e humor no fim.
"Na escola secundária fui eleito palhaço da turma por ser capaz de fazer as pessoas partirem-se a rir. É apenas o irlandês em mim: temos uma visão negra do mundo e temos muita raiva. Alguns dos nossos melhores comediantes foram pessoas zangadas: Lenny Bruce, Richard Pryor, Groucho Marx, Charlie Chaplin. Estavam politicamente preocupados com o que estava a passar-se, e tentaram usar o humor como arma. Alguns dirão que o facto de eu adoptar esta táctica está a tornar a questão menos séria, mas, na realidade, o humor, o ridículo e a sátira, quando usados com audiências maciças, são eficazes do ponto de vista político."
A maior contradição relativa aos filmes de Moore é que eles renderam muito dinheiro aos estúdios que o apoiaram. É por isso que se chama "Capitalismo: Uma História de Amor"? "Sim, porque eu amo-os por me deixarem fazer este filme", brinca. "Podemos perguntar porque é que estas empresas dão dinheiro a um tipo que defende coisas diametralmente opostas a tudo o que eles defendem. Permitem-me fazer estes filmes porque tiro partido de uma das falhas bonitas do capitalismo: o capitalista vende-nos a corda com que se há-de enforcar se puder ganhar um dólar com isso."

Nestes 20 anos a fazer os seus documentários, nunca fez um filme com prejuízo. "Isso coloca-me numa posição desejável para os estúdios. Sou capaz de fazer um documentário por dois milhões que pode render 50 ou 70 milhões, ou, no caso de ‘Farenheit 9/11', 120 milhões, e isso apenas nos EUA. Se se acrescentar vídeos, televisões e vendas em todo o mundo, ‘Farenheit' valeu, bruto, 500 milhões de dólares. Por isso eles não se importam com o que penso. Mas tenho estado a poupar de modo a conseguir chegar ao dia em que poderei produzir os meus filmes e não ficar em dívida para com eles."

Em "Capitalismo: Um História de Amor" Moore pinta Wall Street como o grande vilão desta história.
"Nos anos 90, todos os meus amigos me diziam que investisse, não conseguiam acreditar que eu não estava a comprar acções. Disse-lhes que não queria fazer dinheiro a partir de dinheiro; quero ganhar dinheiro a partir das minhas ideias e do meu trabalho. Não quero gastar um segundo do meu dia a verificar o mercado bolsista para ver o que ganhei. No fim, eles perderam uma data de dinheiro e eu continuei, sem sobressaltos."

Cem por cento verdade

Moore orgulha-se quando salienta que abandonou a universidade e que não é um intelectual. O tipo simplório do Mid West dos seus filmes, diz, é ele próprio. É tudo verdade. E as cenas não são ensaiadas. "Em geral não tenho um guião para os meus filmes. Quero apenas ver o que acontece. A melhor matéria acontece sem estar planeada. Por exemplo, neste meu filme encontrei um miúdo que perdeu a mãe e descobriu que a Walmart [cadeia de lojas] tirou proveito da sua morte. Penso que é importante mostrar isso."

Moore refere-se a um rapaz que se viu confrontado com o aproveitamento de um "buraco" legal relativo ao seguro, chamado "Dead Peasants", o qual permite que uma empresa americana tenha seguros de vida sobre os seus trabalhadores. Era o que acontecia no caso da mãe desse rapaz e, quando ela morreu, a empresa recebeu milhões de indemnização, livre de impostos.
"Eu pesquiso e confirmo os factos minuciosamente, não só porque creio que se deve fazer assim, mas porque já fui sujeito a um escrutínio semelhante. Não posso pôr nada num filme que não seja 100 por cento verdade e confirmado por três fontes."

Mas vinte anos a andar nestas batalhas começam a ter as suas consequências. A certa altura, durante a entrevista, a agente do realizador vem discretamente por trás dele arrumar as coisas. "Não te ponhas por trás de mim, faz favor!", diz-lhe Moorre com brusquidão, claramente enervado e assustado devido a experiências anteriores - não adianta mais, refere apenas que os ataques contra ele não são apenas verbais; hoje, tem quatro guarda-costas a protegê-lo.
Como pode viver assim? Aos 55 anos, tenta tomar conta da sua vida. Está a fazer dieta, vai fazer um filme de ficção e está a levar a sério ser uma individualidade local em Traverse City, Michigan (onde vive com Kathleen Glynn, sua mulher de 18 anos, e onde gere um cinema local de filmes independentes) como cruzado global.

"Perdi trinta e um quilos desde o Natal e tenho mais trinta e seis a perder, mas estou no bom caminho. Apenas cortei algumas coisas que ninguém devia comer e exercito-me na bicicleta elíptica duas vezes por dia. E... ah, eis a coisa importante: tento dormir sete a oito horas todas as noites."
Claro que o abstémio e não fumador tem predilecção por gelados e pizzas, o que pode ter algo a ver com o seu tamanho.
"Nunca bebi álcool, não gosto do sabor. Não consumo drogas. Cresci nos anos 60 e tinha cabelo comprido e todos os meus amigos andavam pedrados. Eu ficava a assistir e era como se já estivesse como eles. Não sou contra a ‘marijuana'. As pessoas que a usam parecem estar bem. Não batem nas mulheres, não provocam acidentes de automóvel. O efeito que o álcool tem na pessoa é que é uma loucura. Nunca compreendi porque é que as pessoas bebem."

Moore ainda é católico praticante. "Vou à missa, mas não todas as semanas." Aos 14 anos, até entrou para o seminário, embora só lá ficasse um ano. Estava a preparar-se para anunciar que se ia embora, mas no seminário pediram-lhe primeiro que não voltasse. "Disseram que eu fazia demasiadas perguntas; é a história da minha vida", reflecte. Encontrou "a sua própria maneira de estar" relativamente à religião. "Não gosto da Igreja Católica como instituição. De facto, alguém devia fazer um filme sobre isso." Ele não está interessado; talvez esteja demasiado próximo. "É um assunto que mexe comigo porque o catolicismo tem sido parte importante da minha vida. Mas tenho tantas ideias para filmes que gostaria de fazer, incluindo dois filmes de ficção. Estou a planear fazer um deles a seguir."

Não diz do que se trata, mas age como se não fosse assim tão diferente dos seus documentários. "Estou a tentar homenagear a arte do cinema ao produzir um filme que conta uma boa história, com personagens interessantes e com princípio, meio e fim."
Por falar de fim, "Capitalismo: Uma História de Amor" termina com uma versão da "Internacional".
"É uma canção bonita, do século XIX, mas os americanos foram amedrontados com ela. Disseram-lhes que significa comunismo" - e baixa sinistramente a voz para causar efeito. "Por isso, pensei: porque não um cantor de música ambiente para a interpretar, assim, os americanos talvez a escutem. Pensei que juntaria a colher de açúcar para ajudar a engolir o remédio - se me entende."


Links Relacionados
Crítica do filme "Capitalismo: Uma História de Amor"
Vídeo: "Capitalism", trailer


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