sábado, 30 de maio de 2009
O SUBLIME
As coisas que escrevo não são só para ficar no papel
eu acredito nas coisas que escrevo
as coisas que escrevo fazem-me crescer
fazem-me ficar para além
deste aquém medíocre
desta existência de macacos e macacas
que trepam uns para cima dos outros
deste mundo do trabalho e do desemprego
é preciso que a vida mude
que volte a ser ela própria
como no início
acredito nas coisas que escrevo
acredito em mim
acredito nas coisas em que acredito
não tenho que me dar com toda a gente
não vim para agradar a toda a gente
já o disse e repito-o
não tenho de me andar sempre a justificar
sou eu que estou certo
não é o mundo
tenho a certeza
já tenho tido provas de apreço
apesar de os meus livros venderem pouco
com excepção de um
não escondo
que quero a glória
mas quero a glória
para a espalhar pelo mundo
há sempre um "hit"
eu sei
com as bandas também é assim
não podemos viver eternamente à sombra dele
embora ele se aplique perfeitamente
à conjuntura presente
"Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro"
não é o melhor livro
o melhor é o último
"Queimai o Dinheiro"
o mais completo
o mais honesto
o mais sincero
acho eu
já disse: acredito naquilo que escrevo
e escrevo, cada vez mais,
com o meu próprio sangue
como defendia Nietzsche
e estou próximo do mestre
se bem que Nietzsche não quisesse ser mestre de ninguém
nem conduzir nem ser conduzido
eis a máxima
e eu preciso de falar com as mulheres
com as mulheres que interessam
com as mulheres que me possam compreender
o presente é das mulheres
tenho de me identificar com elas
falar com elas no café, na rua,
em todo o lado
e assim ficarei bem
e assim me sentirei em comunhão comigo mesmo
e com as mulheres
e com o mundo
não este
mas com o mundo que quero
que sei que está aqui
dentro de mim
e, se calhar, dentro de mais gente
do que possa imaginar
e o rock rola na rádio
e eu vou ao ritmo do rock
estou sempre ao ritmo do rock
dos Doors, dos Zeppelin, dos UHF
eu próprio faço umas performances
disponíveis no Youtube
e entra uma gaja boa
há-de haver sempre uma gaja boa
esta vem ao pão
deveria ter sempre esta lata
quando as gajas boas estão junto de mim
assim a mensagem propaga-se
as gajas boas são o exército do poeta
é a elas que compete prosseguir viagem
só vi uma hoje
ontem, no Porto, fartei-me de ver gajas boas
quase me apaixonei por uma
esteve muito tempo sentada na mesa do lado
enquanto eu falava com os amigos
senti mesmo aquela coisa
aquela coisa indefinível
a gaja nunca mais acabava de beber o fino
não era só olhar para as mamas
que saíam da t-shirt
era algo mais, muito mais
a comunhão
a identificação
talvez mesmo o amor
mas ela depois desapareceu
quem sabe para sempre
talvez nunca mais a veja
mas houve qualquer coisa que ficou
- bem sei que a minha namorada não pode
ler isto, mas que querem?
É assim o homem livre
é assim o criador
não pode ter preconceitos-
qualquer coisa de sublime
- o próprio sublime
de que falava com o Sindulfo-
qualquer coisa que fica para sempre
Sabes, as coisas que escrevo
não são apenas literárias, são filosóficas
proféticas até
há coisas que eu escrevo
que são mesmo para ficar
cada vez me convenço mais disso
não são meros escritos
são uma forma de vida
e há dias como hoje
em que nada de relevante se passa lá fora
em que estou há horas, literalmente há horas,
a escrever na confeitaria
em que as palavras saem perfeitamente naturais,
perfeitamente espontâneas
em que são criação pura
de tal forma que me sinto, isso mesmo,
um criador
mesmo que só tenha dinheiro para o café
e é isto que te queria dizer
há forças irresistíveis dentro de nós
forças que quando se libertam
nos aproximam disso mesmo,
da felicidade
mesmo que sejamos o único cliente
da confeitaria prestes a fechar
mesmo que o resto do dia
não prometa gajas nem grande coisa
mesmo que ainda, ao princípio da tarde,
estivessemos consumidos pela angústia
mesmo que as empregadas da confeitaria
não compreendam a nossa missão na Terra
é isso mesmo, o sublime
estou a tocá-lo neste momento
estou a vivê-lo
queria compartilhá-lo contigo
não sei se sou capaz
a verdade é que este rapaz
alcançou a coisa
ou anda lá perto.
Vilar do pinheiro, 30.5.2009
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