sábado, 30 de maio de 2009

NO QUINTAL


Sabes, é nestes dias em que parece que não conseguimos
parar de escrever
que somos mais autênticos
até parece que estamos a dizer "a verdade"
de tal forma nos sentimos em comunhão
até com os animais cá de casa
sobre os quais raramente escrevo
o que é estranho
tenho um quintal cheio de gatos, cães e pássaros
e quase nunca escrevo sobre eles
e olha! Os animais não precisam de dinheiro
para sobreviver
precisam de comer e de beber
e bastam-se a eles próprios
para quê complicar a coisa com notas e moedas
e sacrifício e trabalho
se podemos ser livres como os animais?
Sabes, estou a escrever no quintal
e vou escrever até ser noite
em comunhão com os animais
hoje nem sequer vou olhar para o Telejornal
não quero saber da campanha eleitoral
nem dos políticos a insultarem-se
uns aos outros
a darem o cu pelo voto
vou votar no MRPP
mas é por saber que os gajos
não têm hipótese nenhuma
porque o marxismo primário
e os hinos à classe operária
já não me convencem
mas enfim,
talvez fizesse melhor se me abstivesse
sempre engrossaria a abstenção
e ficaria a rir nas barbas do Durão
mas vou votar no MRPP
até já foi o partido dele
faço um percurso completamente inverso
ao Durão Barroso
ele: do MRPP para a alta burguesia
eu: da aristocracia para o MRPP
tudo vai dar ao MRPP, afinal
o MRPP é o partido mais poético e filosófico
por isso voto nele
há que ser incisivo, querida,
no fundo também estou a fazer campanha
a minha campanha
a campanha que não passa nos telejornais
a campanha que vai aos tascos e aos bares
estava eu a falar dos animais
e onde já vou
estou a produzir, querida,
não produzo computadores nem automóveis
mas produzo versos
já estou como o Álvaro de Campos na "Tabacaria"
porque raio é que os versos
hão-de valer menos que os computadores
e os automóveis?
Produzo
e para tal só preciso de papel e de caneta
de resto, estou muito bem aqui
no quintal com os animais, as flores e as àrvores
não preciso de bancos nem de multinacionais
é claro que tenho de prestar homenagem
aos produtores de papel e de canetas
àqueles que produziram os meus instrumentos de trabalho
de trabalho, sim, minha querida
de trabalho livre, não alienado
criador
e tocam os sinos da igreja
até os sinos da igreja estão em sintonia comigo
os sinos da igreja abençoam o meu trabalho
os sinos da igreja abençoam o papel e a caneta
palavra de honra
há muito tempo que não me sentia assim
em harmonia com a natureza
pouso a caneta
as coisas rolam como nunca
até voltei a escrever em casa.


Vilar do Pinheiro, 30.5.2009

1 comentário:

Claudia Sousa Dias disse...

já ouvi algo parecido antes.


"Olhai os lírios do campo..."

CSD