Comentário: A cantiga é uma arma
15.04.2009 - 08h29 Luciano Alvarez
O Sem eira nem beira não foi escrito a pensar neste Governo. Mas este é o Governo que temos e a letra encaixa como uma luva no momento político e económico. E nem precisava de ter a referência ao "senhor engenheiro" para, no final de cada estrofe, vir à memória de muitos o nome de José Sócrates.
E num momento em que o primeiro-ministro parte fragilizado pelo caso Freeport para a longa maratona de três eleições, esta música dos Xutos & Pontapés, que já está a ser transformada por muitos numa espécie de manifesto contra o Governo, é mais um problema para o PS. Porque amplia de forma inimaginável o que dizem muitos críticos do executivo; porque vai chegar onde a oposição não chega e com bastante mais força e porque não pode ser metida no bolo da estratégia de vitimização, das calúnias, das campanhas negras e das forças ocultas.
Quando José Sócrates intensificar a campanha eleitoral, já os Xutos & Pontapés andarão pelo país em digressão, em concertos de milhares de pessoas. Sempre que se ouvir Sócrates a tecer loas às suas políticas, vai ouvir-se também cantar, de norte a sul do país, que, se "nada fizer", "isto não vai mudar" e que é preciso "encontrar mais força para lutar".
E lutar contra quem? A letra do Sem eira nem beira é clara: contra os que "dão milhões a quem os tem/aos outros um 'passou--bem'"; contra os que querem "tramar, enganar, despedir, e ainda se ficam a rir", contra os que não assumem que já andaram "a roubar, a enganar o povo que acreditou".
É possível ler isto e não pensar na classe política em geral e no Governo em funções em particular no momento de crise em que vivemos? Não.
A este propósito, importa lembrar o que disse José Mário Branco, autor do tema A cantiga é uma arma, ao PÚBLICO, em Fevereiro de 2004.
"Pertenço a uma geração anterior ao pós-modernismo, em que nós aprendemos que, ligada a qualquer estética, há sempre uma ética. Quando me perguntaram, no princípio dos anos 80, 'Você é um cantor de intervenção?', eu disse: 'Somos todos cantores de intervenção'. Marco Paulo é um cantor de intervenção. Intervém à sua maneira e eu intervenho à minha. Agora, não me venham dizer que aquilo é neutro. Não há neutralidade possível quando se está a falar para milhares de pessoas. Está ali um tipo a dizer umas palavras, a tomar umas atitudes e, portanto, a transmitir modelos que levam à reprodução do sistema social tal como ele está, ou a colocar em causa esse sistema social e a sugerir pistas, eventualmente erradas. Nunca se vai impunemente para cima de um palco."
Podia não ser essa a intenção dos Xutos & Pontapés, mas Sem eira nem beira vai ser usada cada vez mais como uma arma contra José Sócrates e as suas políticas. Uma arma pesada.
quinta-feira, 16 de abril de 2009
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