quinta-feira, 9 de abril de 2009

NA BRASILEIRA- PARTE II


Bebo cerveja às 5 da tarde em Braga. E daqui não quero sair. Só quero prosseguir. Sem úlceras nem cirroses. e continuo sem ver ninguém conhecido. Mas não há dúvida que estaria bem se vivesse aqui. Cerveja após cerveja. A Gotucha no sindicato a tratar da vida ou da vidinha. E eu aqui sem pressas nem pressões. A cagar no Gilberto. Na prosa moralista do Gilberto. E a patroa boazona manda. E a Gotucha nunca mais vem.
As pessoas entram e saem na "Brasileira". Os personagens de outrora ou não aparecem ou estão na esplanada. E eu bebo. Continuo a beber. Celebro o dia. Alguém conhecido cumprimenta-me. Vou escrevendo. Eis o que me resta. Não que esteja mal. Dois homens conversam acerca do sec. XIV. Foi preciso vir a Braga para assistir a isto. Dois polícias rolam no pavimento. Fanáticos da História. Querem lápides. Os velhotes falam de socialismo. Corre a anedota sobre o Sócrates que consulta a vidente. Isto sim são conversas a sério. Não é como na aldeia. Aqui fala-se de política pura e dura. Mas a culpa da crise do capitalismo é do próprio capitalismo. É dos bancos, das bolsas, das grandes empresas, dos governos. É preciso derrubar o capitalismo. Não aqui neo-liberalismos, é o capitalismo na sua essência. E tu cala-te, ó Rocha! E cala-te tu também, ó Gilberto! Não tenho de estar de bem com tudo e com todos. Não há Obama nem meio Obama. Esse até mandou mais tropas para o Afeganistão! Era esse o vosso messias? E a gaja boa volta para o lado de lá do balcão. Deve ser a patroa. Finalmente chegou um personagem de outrora! Mas logo saiu. A última vez que o vi foi na passagem de ano e estava bêbado. Ele e não eu. Eu fiquei eufórico no dia seguinte. Bebo. Sou um poeta. Os poetas bebem, salvo alguns abstémios. Faz parte da lenda. As famílias agarram-se à família. Eu não, sou um homem do mundo. SEnto-me na "Brasileira", escrevo e está tudo dito. A caneta vai correndo. A banca dos "hippies" lá fora. Os bebés que passam. A taxa de natalidade deve estar a subir pela amostra. A Gotucha que não vem. Flores lá fora à venda. Esta é a cidade. Aqui e agora. Oxalá o meu pai estivesse vivo. O gajo das performances não diz mais nada. E eu parado, sentado à mesa a escrever. Mais bebés que entram. Bebés e mais bebés. Até parece que o mundo é um bom sítio para se estar. Pelo menos aqui há gente simpática e educada que respeita o poeta, aquele que nada faz a não ser escrever, escrever, escrever. Até parece que o poeta não tem problemas de dinheiro. As depressões, essas, estão ultrapassadas. E as horas passam. É deixá-las passar. Enquanto estiver aqui estou a reinar. Até está ali um cavalheiro que já entrou em polémica comigo no jornal. Paz e sossego nas minhas hostes. Fogo fora delas. E a Gotucha nunca mais vem. Estou a escrever um tratado. Não sei quantos a ele terão acesso. Não sei o quanto ele vai ser divulgado. E as pessoas continuam a passar lá fora. Os velhotes debatem a república. E eu bebo o que me resta. Poeta na "Brasileira". Poeta da "Brasileira". Aqui recomeço. E agora vou mijar. Regresso. As luzes acesas. Os personagens de outrora lá fora. Um figurão à porta. Uma tarde inteira na "Brasileira". A eternizar-me. Peço mais uma. Que se foda! É para a desgraça! Embora esteja em estado de graça. Escrevo. É o que faço. Não me maço. Peço mais uma. E o empregado não estranha. Respeita o criador. O homem que cria. E não se enche de tédio. O que vale é que o cacau vai rolando. Mais um bebé. é a vida, a criação. E vou na quinta. Estou nas minhas quintas. Mesmo que a Gotucha não venha. Sou de Braga. É aqui que quero estar.

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