sábado, 24 de janeiro de 2009

AI, JOSÉ

Tio e primo do chefe do Executivo terão tentado cobrar favor por promover encontro com intermediário do empreendimento
Licenciamento do outlet de Alcochete põe primeiro-ministro em xeque
24.01.2009 - 00h18 PÚBLICO
José Sócrates viu-se ontem à noite no centro da polémica do licenciamento do Freeport de Alcochete, depois de a TVI ter posto no ar partes de uma entrevista dada ao semanário "Sol" pelo seu tio, Júlio Eduardo Coelho Monteiro, onde este afirma ter proporcionado uma reunião entre o promotor do empreendimento, o britânico Charles Smith, e o último ministro do Ambiente do Governo Guterres. Já perto das 22h00, o primeiro-ministro emitiu um comunicado em nome pessoal garantindo que “a aprovação ambiental do empreendimento Freeport cumpriu todas as regras legais aplicáveis à época”, rejeitando “todas as insinuações e afirmações caluniosas que envolvem o meu nome a propósito deste caso”.

Júlio Monteiro, tio de José Sócrates, reconheceu numa entrevista ao "Sol" que viabilizou uma reunião entre o responsável da consultora encarregue de conseguir o licenciamento do Freeport, Charles Smith, e o seu sobrinho, então ministro do Ambiente. Júlio Monteiro, que conhecia Smith porque a mulher era administradora na Quinta do Lago, diz que este se queixou que um gabinete de advogados lhe estava a pedir quatro milhões de contos pelo licenciamento do outlet. Incrédulo com a situação, Júlio Monteiro aconselhou o inglês a falar com o sobrinho e colocou Sócrates a par do assunto. “Foi através de mim que ele [Charles Smith] conseguiu esta audiência”, sustenta Júlio Monteiro, que garante nunca mais ter sabido do assunto. “Eu até fiquei chateado. Usam o meu nome e depois nem um obrigado.”

Na edição de hoje, o "Sol" revela pela primeira vez que o ministro de Guterres referido numa conversa entre Charles Smith e um administrador do Freeport é José Sócrates. Nessa conversa, gravada pelo administrador com recurso a uma câmara oculta, Smith diz que gastou avultadas quantias em “pagamentos corruptos”, de acordo com o que ficou combinado numa reunião com Sócrates. Este vídeo fará parte do processo de investigação que corre no Reino Unido, onde estará igualmente um e-mail enviado para o Freeport a pedir uma recompensa pelo desbloqueamento do licenciamento.

Essa mensagem electrónica é também notícia do semanário "Expresso" de hoje. Na edição online de ontem, o filho de Júlio Monteiro, Nuno Carvalho Monteiro, confirma a existência de um encontro entre um intermediário do negócio do Freeport e o então ministro do Ambiente. Ao Expresso, Nuno confirmou que, na sequência dessa reunião, a empresa de publicidade da família enviou um e-mail aos responsáveis do outlet “a cobrar o favor”. A intenção era, segundo contou ao "Expresso", que a empresa britânica usasse a agência de publicidade para promover o empreendimento.

O Freeport nunca terá respondido ao correio electrónico, mas terá sido este documento — acrescenta o "Expresso" — que levou as autoridades judiciais britânicas e portuguesas a relacionarem o tio de José Sócrates ao alegado pagamento de luvas para a aprovação do empreendimento de Alcochete. Contactadas pelo PÚBLICO, as autoridades inglesas continuam, contudo, a não fazer qualquer comentário sobre este caso.

José Sócrates confirma, no seu comunicado, ter havido uma reunião alargada no Ministério do Ambiente com os promotores do empreendimento, vários dirigentes do ministério e o secretário de Estado do Ambiente, Rui Gonçalves, assim como a Câmara de Alcochete, à qual atribui o pedido da reunião. “Admito, embora não recorde esse facto, que também o meu tio, Júlio Monteiro, me tenha pedido para receber os promotores de modo a esclarecer a posição do Ministério do Ambiente sobre o projecto”, acrescenta.

O governante esclarece que essa reunião — única em que diz ter participado — serviu apenas para os promotores afirmarem a sua intenção de reformular o projecto e para o ministério esclarecer as condições ambientais exigidas pela última declaração de impacte ambiental. De resto, acrescenta Sócrates, esta declaração “foi emitida pelo secretário de Estado do Ambiente [...] sem qualquer interferência da minha parte”.

A 14 de Março de 2002, três dias antes das eleições legislativas que retiraram o PS do poder, o Conselho de Ministros aprovou o decreto-lei que procedia à redefinição dos limites da Zona de Protecção Especial do estuário do Tejo. Aprovou-se igualmente o terceiro Estudo de Impacto Ambiental, essencial para licenciar a construção naquela área.

Em 2004, o Ministério Público do Montijo começa a investigar suspeitas de corrupção no licenciamento do Freeport de Alcochete, com base numa denúncia anónima. No ano passado o processo passa para a tutela do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, onde está actualmente. Esta quinta-feira, depois de no início da semana ter recebido das autoridades britânicas uma carta rogatória a pedir novas diligências, o DCIAP e a Polícia Judiciária realizaram buscas ao domicílio e escritório de Júlio Monteiro (onde apreenderam documentos), à sede da sociedade de advogados Vieira de Almeida e ao gabinete de arquitectura Capinha Lopes, que concebeu o Freeport de Alcochete.

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