A MÁRIO CESARINY
ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO
"O Maravilhoso exprime a necessidade de ultrapassar os limites impostos pela nossa estrutura, de atingir uma maior beleza, um maior poder, uma maior duração. Ele quer superar as barreiras do espaço e as do tempo (...) ele é a luta da liberdade contra tudo o que a reduz, a destrói e mutila; ele é tensão, isto é, qualquer coisa de diferente do trabalho regular e maquinal: a tensão da paixão e da poesia (...) ele é a estranha lucidez do delírio (...) ele inflama as multidões nas horas da revolta", escreveu Pierre Mabille ("O Maravilhoso"). Mário Cesariny, aparentemente desaparecido há dias, procurou sempre o "maravilhoso" na poesia, na pintura, na vida. Cesariny, fundador do Grupo Surrealista de Lisboa em 1947 com Alexandre O'Neill, António Pedro e Marcelino Vespeira, entre outros, colectivo que abandonou no ano seguinte para formar "Os Surrealistas" com António Maria Lisboa, Carlos Eurico da Costa, Cruzeiro Seixas e Pedro Oom, foi um Poeta, um Criador, um Espírito Livre, na acepção nietzscheana e surrealista dos termos. Um Poeta, repetimos, um mago da Cor e da Palavra, nunca um versejador da corte, um técnico da sílaba, um merceeiro/moedeiro romancista ou um imitador da forma como tantos que publicam livros e vende3m livros e vão às feiras do livro, aos colóquios e às conferências vomitar o óbvio e o conveniente.
Cesariny é um "poeta integral, irradiante" como disse Vítor Silva Tavares, um poeta de "Iluminações" como Rimbaud, como Blake, como Nietzsche, como Eurípedes, um poeta do amor, da liberdade, da revolução como Breton, como Péret, como Artaud, como Gingsberg. Os poetas de génio e, particularmente, os surrealistas, sempre andaram de mãos dadas com a loucura, sempre procuraram o "Maravilhoso" de Mabille, o "uno Primordial" das tragédias gregas, de Nietzsche, de Dionisos. "Caramba caramba António/ já estás muito mais parecido/ ou então era eu que não me lembrava/olha, hoje o teu clima está magnífico/olha, vamos sair desta cidade/ onde o teu clima é sempre para dividir por cinco/ vamos para as praias da alma arrebentar-nos vivos.", escreveu Cesariny em "Pena Capital" e acrescenta: "um pouco de certo modo por toda a parte/há homens desmaiados ou simplesmente mortos/O AMOR REDIME DO MUNDO diziam eles/ mas onde está o mundo senão aqui?"
Os poetas de génio como o autor de "Pena Capital", "A intervenção Surrealista" ou "O Virgem Negra" não suportam a vida burguesa, pequeno-burguesa ou mesmo proletária, rotineira, entediante, previsível, castradora. Vagueiam ou vadiam, na expressão de Agostinho da Silva, pela cidade, "á deriva", como os Situacionistas, pelas ruas, pelos tascos, pelos cafés (o "Gelo", o "lisboa", o "Rei Mar" dos travestis, das prostitutas), pelos bares, à procura da "Liberdade Cor de Hiomem" de Breton. "O Homem só será livre quando tiver destruído toda e qualquer espécie de ditadura religioso-política ou político-religiosa e quando for capaz de existir sem limites. Então o Homem será o Poeta e a poesia será o Amor Explosivo.(...) Para a Pátria, a Igreja e o Estado a nossa última palavra será sempre: MERDA!" Assim escrevia e era o autor de "Intensamente Livre". E é de liberdade e de aves livres que também fala Nietsche ("Assim Falava Zaratustra"): "Assim fala a sabedoria de ave (livre): Repara, não há alto nem baixo! Atira-te para todos os lados, para a frente, para trás, homem leve! Não fales! Canta!" Cesariny ficará para sempre associado ao canto da liberdade, aos poetas-magos, visionários, aos loucos divinos, aos xamãs.
quarta-feira, 29 de novembro de 2006
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