segunda-feira, 14 de julho de 2008

Leio e isso basta-me.

Estou sonolento hoje
não consigo ler
as mãos tremem
sinto-me como um alcoólico
as velhas levantam-se
e eu como um bolo.

sábado, 12 de julho de 2008

A BALADA DO SÓCRATES


SÓCRATES É UMA SECA

António Pedro Ribeiro

José Sócrates é um profeta da morte. Sócrates representa tudo aquilo que é contrário à vida autêntica. Sócrates é repressão, Sócrates é estatística, Sócrates é tecnológico, Sócrates é programado, Sócrates não tem coração. Sócrates é cinzento, Sócrates é polícia, Sócrates não teve infância, Sócrates nunca cometeu uma loucura, Sócrates é uma seca. Sócrates não tem emoção, Sócrates é gelo, Sócrates nunca deu a mão, Sócrates é um cabrão. Sócrates anda sempre perturbado, Sócrates faz amor com o mercado, Sócrates é um quadrado. Sócrates dá cada cambalhota, Sócrates só gosta da nota, Sócrates é uma anedota. É preciso derrotar o Sócrates, custe o que custar.

A ODISSEIA NO NOVA EUROPA


Acordo de manhã e sinto-me um conquistador. A saúde esplêndida. Sou o rei punk que regressa enquanto o Rocha hiberna. Bues de fixe altamente como a Carlinha. A cidade onde nasci é bela e cinzenta. A gaja do café limpa os vidros. O Manuel controla. Até me apetecia beber uma cerveja. Mas não o vou fazer. Não preciso. Sou o rei punk que regressa. No alto da barca. A vida sorri como nos anúncios. Mas sei que se escapa aos bocados. Aos poucos, não sobra nada. Sobras tu amor perdido na aldeia. Amor perdido em Braga. Coxas, voz doce, bandeja, "Astória". Era em Braga que deveria estar. Uma vez mais. Rei punk na tua imagem. Cinto desapertado, cowboy que chicoteia. Quanto te vir quero um beijo, um beijo louco na boca. E o Rocha que hiberna. E tu, loirinha, no "Púcaros". E tu no filme da poesia. No concerto cancelado da banda. "Loirinha". Sabes que temos uma canção chamada "Loirinha"? E o teu poema é o "Trip na Arcada". Sim, deveria estar em Braga à tua procura. Menina que vens do Gerês e entras na cama. Que me dás o amor e a vida.
Agora sim, estou possesso. Li dois livros de madrugada. Um sobre os Clash e outro de Eduardo Lourenço. Rei punk. Punk aristocrata. Eis a súmula. E o Manuel carrega as águas. E o Rocha que não sai da cama. 11:20. Nova Europa. Estou só e não preciso de ninguém. O pasteleiro carrega os bolos. Falta o Rocha para analisar os golos. Estou speedado demais para este pessoal. Estou noutro comprimento de onda. E o Aires e o Macedo que se cuidem. Rei punk. Poeta punk. Com o António Variações no ar. Estou com um speed do caralhão. Até me apetece discursar acerca do Estado da Nação. Anda apanhar-me agora, ó bardo da corte. Podes vir de fato e gravata e pastinha na mão. Anda apanhar-me que eu estou para lá. E tu, musa do Velvet, nunca mais te vi. Poeta punk. Vomito poemas ao som dos Clash. Sandinista! Combat Rock, London Calling. E os engravatados abandonam o café apavorados. Coitados, fogem de mim. Estou cheio de pedal. Até apareço no Telejornal. E o Rocha sempre a xonar. Eu produzo e os outros xonam. Como tu, Xoninhas, no Funchal. E tu, na rádio, a gozar. Sinto-me uma estrela. Ah!Ah! De novo, a estrela. Rei punk. Poeta punk. Há tanto tempo que não danço. Nietzsche deve andar satisfeito comigo, o Jim também. Não, não fui feito para linhas rectas nem para quadrados, nem para a razão. Sou do outro lado. Do lado louco, do lado subversivo, do lado punk. Rei punk. Um punk com maneiras. Um punk à maneira. É este o manifesto que fica. Até o Manuel já sorri. Sou doido. Absolutamente doido. Estou-me a despir perante vós. Não importa. Já passei por muita merda. E o Rocha permanece na cama. E se tu me desses um beijo? Quem vem amar-me ao palco? Hoje estou na companhia do divino marquês. Não há limites. O mundo começa hoje. Rei doido. Rei punk. Rei anarquista aos papéis em Paredes de Coura. Ouço vozes. Delírios. Alucinações.
Odisseia no "Nova Europa". Idade do ouro. E o Quim pede um queque. E o Rocha a dormir. E a gaja agarrada à loiça. Estou aqui a expôr-me. E daí? São 11:35. Estou no "Nova Europa". O destino da Humanidade passa por aqui. O padre renegado trata-me por rapaz. E eu rejuvesneço 20 anos. Ou talvez 2500. Volto à Idade do Ouro. À maravilha da criação. Zaratustra dança comigo e com as Bacantes. Dionisos punk. Quem vem amar-me? Hey! Isto é um happening. Dança! Sou o rei punk. Sou absolutamente sem limites.

COXAS


É por ti que eu ainda hoje suspiro,
minha rica,
a exibir as coxas
de bandeja na mão
a expulsar-me do "Astória"
quando eu estava com alucinações

É por ti que ainda suspiro,
minha rica,
a tua voz doce
e hei-de ver-te em Braga.

quinta-feira, 10 de julho de 2008


Leio Che Guevara
e apetece-me chupar-te
as mamas

quarta-feira, 9 de julho de 2008

TRIP NO EXPRESSO


13:01 | Segunda-feira, 30 de Jun de 2008



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Biberta/morguefile
Os grandes temas da próxima edição impressa do Expresso são comentados nos blogues
Nunca tinha acontecido em Portugal: um tribunal mandou fechar um blogue. Em causa estão os posts do Povoa Online, onde eram criticados os autarcas da Póvoa de Varzim.

"Actualmente (a Póvoa de Varzim) apenas oferece lixo, areia da praia contaminada e um mar poluído, tudo supervisionado por autarcas agarrados ao poder e sustentados por uma teia de corrupção que corrói toda a gestão municipal. Vingou a lei do cimento". São frases como esta que levaram o presidente do município, Macedo Vieira, e o vice-presidente, Aires Pereira, a pedir aos tribunais o encerramento do blogue.

Decidiu a Justiça que os autores do Póvoa online difamavam os autarcas. Decidiram os outros "camaradas" blogues comentar o assunto.

"Era como se José Sócrates agora decidisse censurar o Trip na Arcada ou o nosso livro "Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro", escreve o Trip na Arcada.

A liberdade de expressão é posta em causa e a palavra censura vem à baila em alguns posts. "Porque acredito na liberdade de expressão e não admito as novas "comissões de censura", porque acredito que o poder corrompe, porque acredito que a aberração urbanística (entre outras matérias pardas) da Póvoa de Varzim só é possível por imbecilidade ou corrupção da autarquia e porque não acredito na justiça que é praticada no rectângulo, que se permite fechar um blog que incomoda e ao fazê-lo abre caminho a mais acções semelhantes, manifesto desta forma a minha solidariedade com o póvoa online e o meu mais profundo desprezo pelos sensíveis autarcas e pela justiça que lhes dá cobertura e protecção!", lê-se no blogue Apanha Moscas.

O caso é mesmo apelidado de escândalo. "Nem na Internet estamos seguros. Mais um caso de escândalo e abuso de poder das autoridades Portuguesas", escreve o blogue ruicruz.forunsbb.com.

EXPRESSO

OS POETAS


5 poetas leram poesia durante 55 horas consecutivas
e entraram no "Guiness"
55 poetas vomitaram durante 555 dias consecutivos
e entraram no "Guiness"
555 poetas cagaram durante 5555 dias consecutivos
e entraram no "Guiness"
5555 poetas bateram 55555 píveas consecutivas
e entraram no "Guiness"
55555 poetas foram ao cu a outros tantos poetas
e entrram no "Guiness"

ODE A FERNANDO PESSOA


Ode a Fernando Pessoa

Roberto Piva (1962)


O rádio toca Stravinsky para homens surdos e eu recomponho na minha imaginação
a tua vida triste passada em Lisboa.
Ó Mestre da plenitude da Vida cavalgada em Emoções,
Eu e meus amigos te saudamos!
Onde estarás sentindo agora?
Eu te chamo do meio da multidão com minha voz arrebatada,
A ti, que és também Caeiro, Reis, Tu-mesmo, mas é como Campos que vou
saudar-te, e sei que não ficarás sentido por isso.
Quero oferecer-te o palpitar dos meus dias e noites,
A ti, que escutaste tudo quanto se passou no universo,
Grande Aventureiro do Desconhecido, o canto que me ensinaste foi de libertação.
Quando leio teus poemas, alastra-se pela minh'alma dentro um comichão de
saudade da Grande Vida,
Da Grande Vida batida de sol dos trópicos,
Da Grande Vida de aventuras marítimas salpicada de crimes,
Da grande vida dos piratas, Césares do Mar Antigo.
Teus poemas são gritos alegras de Posse,
Vibração nascida com o Mundo, diálogos contínuos com a Morte,
Amor feito a força com toda Terra.

Sempre levo teus poemas na alma e todos os meus amigos fazem o mesmo.
Sei que não sofres fisicamente pelos que estão doentes de Saudade, mas de
Madrugada; quando exaustos nos sentamos nas praças, Tu estás conosco, eu
sei disso, e te respiramos na brisa.
Quero que venhas compartilhar conosco as orgias da meia-noite, queremos ser
para ti mais do que para o resto do mundo.
Fernando Pessoa, Grande Mestre, em que direção aponta tua loucura esta noite?
Que paisagens são estas?
Quem são estes descabelados com gestos de bailarinos?

Vamos, o subúrbio da cidade espera nossa aventura,
As meninas já abandonaram o sono das famílias,
Adolescentes iletrados nos esperam nos parques.
Vamos com o vento nas folhagens, pelos planetas, cavalgando vaga-lumes cegos até o Infinito.
Nós, tenebrosos vagabundos de São Paulo, te ofertamos em turíbulo para uma
bacanal em espuma e fúria.
Quero violar todas as superfícies e todos os homens da superfície, Vamos viver para além da burguesia triste que domina meu país alegremente
Antropófago.
Todos os desconhecidos se aproximam de nós.
Ah, vamos girar juntos pela cidade, não importa o que faças ou quem sejas, eu te
abraço, vamos!
Alimentar o resto da vida com uma hora de loucura, mandar à merda todos os deveres, chutar os padres quando passarmos por eles nas ruas, amar os
pederastas pelo simples prazer de traí-los depois,
Amar livremente mulheres, adolescentes, desobedecer integralmente uma ordem
por cumprir, numa orgia insaciável e insaciada de todos os propósitos-
Sombra.
Em mim e em Ti todos os ritmos da alma humana, todos os risos, todos os olhares,
todos os passos, os crimes, as fugas, Todos os êxtases sentidos de uma vez,
Todas as vidas vividas num minuto Completo e Eterno,
Eu e Tu, Toda a Vida!
Fernando, vamos ler Kierkegaard e Nietzsche no Jardim Trianon pela manhã,
enquanto as crianças brincam na gangorra ao lado.
Vamos percorrer as vielas do centro aos domingos quando toda a gente decente
dorme, e só adolescentes bêbados e putas encontram-se na noite.
Tu, todas as crianças vivazes e sonolentas,
Carícia obscena que o rapazito de olheiras fez ao companheiro de classe e o
professor não vê;
Tu, o Ampliado, latitude-longitude, Portugal África Brasil Angola Lisboa São
Paulo e o resto do mundo,
Abraçado com Sá-Carneiro pela Rua do Ouro acima, de mãos dadas com Mário de Andrade no Largo do Arouche.
Tu, o rumor dos planaltos, tumulto do tráfego na hora do ¿rush¿, repique dos
sinos de São Bento, hora tristonha do entardecer visto do Viaduto do Chá,
Digo em sussurro teus poemas ao ouvido do Brasil, adolescente moreno empinando papagaios na América.
Vamos ver a luz da Aurora chispando nas janelas dos edifícios, escorrendo pelas
águas do Amazonas, batendo em chapa na caatinga nordestina, debruçando
no Corcovado,
Ouçamos a bossa-nova deitados na palma da mão do Cristo e a batucada vinda
diretamente do coração do morro.
Tu, a selvagem inocência nos beijos dos que se amam,
Tu o desengajado, o repentino, o livre.
Agora, vem comigo ao Bar, e beberemos de tudo nunca passando pela caixa,
Vamos ao Brás beber vinho e comer pizza no Lucas, para depois vomitarmos
tudo de cima da ponte,
Vem comigo, eu te mostrarei tudo: o Largo do Arouche à tarde, o Jardim da Luz
pela manhã, veremos os bondes gingando nos trilhos da Avenida, assaltaremos o Fasano, iremos ver ¿as luzes do Cambuci pelas noites de crime¿,
onde está a menina-moça violada por nós num dia de Chuva e Tédio,
Não te levarei ao Paissandu para não acordarmos o sexo do Mário de Andrade
(ai de nós se ele desperta!),
Mas vamos respirar a Noite do alto da Serra do Mar: quero ver as estrelas refletidas
em teus olhos.
Sobre as crianças que dormem, tuas palavras dormem; eu deles me aproximo e
dou-lhes um beijo familiar na face direita.
Teu canto para mim foi música de redenção,
Para tudo e todos a recíproca atração de Alma e Corpo.
Doce intermediário entre nós e a minha maneira predileta de pecar.
Descartes tomando banho-maria, penso, logo minto, na cidade futura, industrial
e inútil.
Mundo, fruto amadurecido em meus braços arqueados de te embalar,
Resumirei para Ti a minha história:
Venho aos trambolhões pelos séculos,
Encarno todos os fora da lei e todos os desajustados,
Não existe um gangster juvenil preso por roubo e nenhum louco sexual que eu
não acompanhe para ser julgado e condenado;
Desconheço exame de consciência, nunca tive remorsos, sou como um lobo
dissonante nas lonjuras de Deus.
Os que me amam dançam nas sepulturas.
Da vidraça aberta olho as estrelas disseminadas no céu; onde estás, Mestre Fernando?
Foste levar a desobediência aos aplicados meninos do Jardim América?
Dás um lírio para quem fugir de casa?
Grande indisciplinador, é verdade?

Vamos ao norte amar as coisas divinamente rudes.
Vamos lá, Fernando, dançar maxixe na Bahia e beber cerveja até cair com um
baque surdo no centro da Cidade Baixa.
Sabes que há mais vida num beco da Bahia ou num morro carioca do que em
toda São Paulo?
São Paulo, cidade minha, até quando serás o convento do Brasil?
Até teus comunistas são mais puritanos do que padres.
Pardos burocratas de São Paulo, vamos fugir para as praias?
Ó cidade das sempiternas mesmices, quando te racharás ao meio?
Quero cuspir no olho do teu Governador e queimar os troncos medrosos da floresta
humana.
Ó Faculdade de Direito, antro de cavalgaduras eloqüentes da masturbação transferida!
Ó mocidade sufocada nas Igrejas, vamos ao ar puro das manhãs de setembro!
Ó maior parque industrial do Brasil, quando limparei minha bunda em ti?
Fornalha do meu Tédio transbordando até o Espasmo.
Horda de bugres galopando a minha raiva!
Sei que não há horizontes para a minha inquietação sem nexo,
Não me limitem, mercadores!
Quero estar livre no meio do Dilúvio!
Quero beber todos os delírios e todas as loucuras, mais profundamente que
qualquer Deus!
Põe-te daqui para fora, policiamento familiar da alma dos fortes: eu quero ser
como um raio para vós!
Violência sincopada de todos os "boxeurs"!
Brasileira do Chiado em dias de porre de absinto.
Arcabouço de todas as náuseas da vida levada em carícias de Infinito.
Tudo dói na tua alma, Nando, tudo te penetra, e eu sinto contigo o íntimo tédio
de tudo.
Realizarei todos os teus poemas, imaginando como eu seria feliz se pudesse estar
contigo e ser tua Sombra.

PORNOSAMBA PARA O MARQUÊS DE SADE


PORNOSAMBA PARA O MARQUÊS DE SADE


esta homenagem coincide com a deterioração da
Bastilha Sul-Americana minada pela crise de corações
& balangandãs econômicos onde se mata de tédio o
poeta & de fome o camponês & sobre os pés femininos
se calça a bota de chumbo de várias cores gamadas
com Hitlers de plantão em cada esquina recoberta de
saúvas & amores escancarados como túmulos onde tuas
coxas Marquês, servem de amparo delicado para o
garoto que chupa teu pau enquanto uma mulher ruiva
te cavalga Assim, anotemos o nome da
vítima-orgasmo-blasfêmia antes que as araras entrem
na orgia com seus estimulantes bicos recurvos & um
estratagema de cipós afague os sóis da desolação
quotidiana em nível de Paraíso A noite é nossa Cidadão
Marquês, com esporas de gelatina e pastéis de esperma
& vinhos raros onde saberemos localizar o tremor a
sarabanda de cometas o suspiro da carne

Roberto Piva.

ENTREVISTA COM ALLEN GINSBERG


Entrevista com Allen Ginsberg

A Folha publicou entrevista inédita com o poeta beat norte-americano morto dois dias antes, aos 70, em Nova York.

Eduardo Simantob da Publifolha



A morte de Allen Ginsberg, ocorrida anteontem, não deixa lacunas. Durante meio século o escritor americano dedicou-se não só a uma extensa obra poética, como também ao ensino da literatura como ato de liberdade e militância político-ambiental. E a mensagem já está dada. Ginsberg escreveu bastante, falou mais ainda e participou combativamente das transformações da América do pós-Guerra. Lutou contra a censura, combateu a proibição do LSD (1966), protestou contra a guerra do Vietnã, contra as armas nucleares e militou pela preservação da natureza.

Em 1994, Ginsberg foi procurado pela Folha para falar sobre o escritor William Burroughs, que na época completava 80 anos de idade. A entrevista, inédita, acabou se estendendo à sua poesia, ativismo e ecologia. A seguir alguns trechos.

Folha - Como o senhor resumiria a importância de William Burroughs na literatura americana?

Allen Ginsberg - Burroughs tem uma influência na cultura dominante americana muito maior do que ele mesmo imagina. Devido ao processo contra seu livro ''Almoço Nu'', ele abriu as portas da censura para que novos autores escrevessem o que quisessem. Muitos dos seus temas continuam e continuarão importantes, como controle do pensamento, drogas, sexualidade gay, Estados policiais etc. Mesmo na cultura pop, bandas como Steely Dan e Soft Machine devem seus nomes a títulos de livros seus e, mais ainda, à técnica dos cut-ups (colagem de textos e imagens não tão ao acaso, desenvolvida por Burroughs e pelo pintor Brion Gysin nos anos 60).

Folha - E o senhor experimentou também os cut-ups?

Ginsberg - Só no começo, mas essa técnica foi incorporada por vários escritores, como Dennis Cooper e Hunter Thompson, sem falar dos músicos. Os garotos do U2 outro dia vieram me mostrar um videoclipe (da turnê ''Zootour'') influenciados pelo cut-up.

Folha - Mas o cut-up não é uma técnica original, os dadaístas e surrealistas do início do século...

Ginsberg - Sim, eles faziam algo que se chamava ''corpos estranhos''. Dois artistas trabalhavam numa mesma tela sem saber o que o outro fazia, depois juntavam tudo. Mas o cut-up não é um processo inconsciente, é uma forma de dar sentido a esse inconsciente.

Folha - O senhor trabalhava o cut-up na sua poesia?

Ginsberg - Não exatamente. Eu também fotografo e desenho. Nas fotos eu escrevia notas sobre as coisas que estavam acontecendo quando foram tiradas. Ao juntá-las tenho toda uma história contada de um modo não usual.

Folha - Hoje os ''beats'' estão virando moda na América, a mídia dando às suas obras um espaço até hoje inédito. Isso é uma surpresa?

Ginsberg - Não. Creio que a obra ''beat'' é tão forte que já pode ser tomada como referência literária. Nós tocamos em questões permanentes: o império americano, ecologia, revolução sexual, censura. Também há a questão do ''terceiro caminho'', nem comunismo nem capitalismo, que pregávamos enquanto os intelectuais procuravam extremos do marxismo ou do anticomunismo. Nossa preocupação é alterar estados de consciência e achar soluções ecológicas, não ideológicas.

Folha - Mas isso também pode levar a interpretações variadas do que se diz ou escreve, não?

Ginsberg - Meu negócio é poesia. Ao produzir não posso controlar o que as pessoas farão depois, dizer o que elas devem fazer com suas próprias mentes. E nem gostaria, eu seria um ditador. O melhor que posso fazer é propor alternativas e me abrir às pessoas que queiram aprender comigo.

Folha - E qual é sua principal preocupação hoje?

Ginsberg - O problema básico é o da hipertecnologia consumindo o planeta numa escala que destruirá as possibilidades humanas. Li hoje uma entrevista de Jacques Cousteau (oceanógrafo francês) em que ele diz: ''Estou agora lutando pela minha própria espécie, buscando conceitos para as gerações futuras''. Para ele, o divórcio entre a humanidade e a natureza é irreversível, mas o homem deve se lembrar que ainda depende da natureza. Mas, como eu, ele tem esperança no futuro.

Folha - E há futuro na literatura americana?

Ginsberg - Há um presente. Quem estiver escrevendo, em qualquer língua, está levando a literatura para frente, mas deve sempre se lembrar que a imortalidade só vem depois.



Sutra do Girassol

Caminhei nas margens do abandonado cais de lata onde outrora
descarregavam banana e fui sentar na sombra enorme de uma locomotiva lá perto
para olhar e chorar o sol morrendo em ladeiras sobre as casas todas iguais.
Jack amigo Kerouac sentou-se ao lado no ferro de um mastro roto partido
e a gente caiu na maior fossa do mundo, os dois ilhados, dois contidos
na rede das raízes de aço,
e eu e Jack pensando os mesmos pensamentos da alma.
No rio a correnteza de óleo refletia o céu rubro, o sol caía
pelas alturas finais de San Francisco, sem que houvesse
peixe nessas águas, sem que houvesse um ermitão nas montanhas, só a gente
com olhos de ressaca e remela, feito vagabundos, cheios de astúcia e cansaço.
Olha só um girassol, Jack então disse, e havia o vulto inerte e cinzento
seco, do tamanho de um homem, recostado
num monte milenar de serragem.
- Eu pulei de alegria e era o primeiro girassol de minha vida, eram memórias
de Blake - essas visões - o Harlem
e os rios do inferno-leste, sanduíches indigestos trotando
um ranger de pontes, carrinhos de bebê encalhados, esquecidos
pneus de bojo negro careca, penicos
& camisas-de-vênus, o poema da margem, canivetes, nada inox, só o mofo
o lixo de tantas coisas cortantes cujo fio passava
para o passado -
e o cinzento girassol se equilibrando ao sol-posto,
desmanchando-se abatido na invasão da fuligem, da fumaça, do pó
de velhas locomotivas no olho -
corola e também coroa com as pontas amassadas virando, com sementes
despencando do rosto, rompendo em breves dentes um dia
claro, raios de sol grudando em seu cabelo riscado
como uma exangue teia de aranha de arame;
caule com braços-folhas jogados, os gestos da raiz de serragem,
pedaços de reboco minando nos galinhos queimados
e uma mosca estagnada no ouvido,
você de fato era uma incrível coisa imprestável, ó meu girassol minha
alma, e como eu te amei então!
sujeira não era parte do homem, era a parte da morte e das locomotivas
humanas,
simples roupa empoeirada, o simples véu da pele férrea, a cara
da fumaça, as pálpebras da escura miséria, a mão
ou falo ou tumor mortiço do imundo motor moderno industrificial disso
tudo, o bafo da civilização poluindo
tua coroa muito louca de ouro -
esses turvos pensamentos de morte, a grande falta
de amor em fins e olhos tapados, raízes abafadas em areia
e serragem, os dólares raspantes elásticos, o couro das máquinas, as
tripas enroscadas de um carente carro que tosse, as solitárias
latas baratas com línguas rotas de fora, e o que mais seja, a cinza
que escorre pela boca na ereção de um charuto, a boceta
de um carrinho de mão, ou os seios acesos de viaturas lácteas, o rabo gasto
que as cadeiras expelem, o esfíncter dos dínamos - tudo
isso embolado nas raízes-múmias -
e você aí de pé na minha
na tarde da minha frente, a sua glória em sua forma!
beleza perfeita, um girassol! uma tranqüila e girassol existência
excelente e perfeita! um olho doce natural para a melancolia da lua
nova, desperto vivo excitado
sacando no crepúsculo sombra a brisa mensual de ouro aurora!
enquanto você lançava blasfêmias
para o céu da via férrea e sua própria floralma,
quantas moscas zumbiram na sua extrema imundície
sem ligar para nada?
Quando, flormortapobre, você esqueceu que é uma flor?
quando olhou sua pele e decidiu que era a velha
suja locomotiva impotente? o fantasma de uma
locomotiva? o espectro e sombra de uma já poderosa
locomotiva americana maluca?
não, girassol, você não foi locomotiva nunca, você foi sempre um girassol!
você, locomotiva, você é o motivo louco de sempre, a locomotiva!
pensando isso peguei o grosso girassol esqueleto e o finquei a meu lado
como um cetro
fiz o meu sermão à minha alma, e também à de Jack, e tambérn à de todos
que ainda queiram ouvir:
Não somos a sujeira da pele, não somos nossa locomotiva medonha triste
poeirenta com ausência de imagem, nós somos todos uns lindos girassóis
por dentro, somos sagrados por nossas próprias sementes &
peludos pelados dourados corpos de ação virando girassóis ao crepúsculo
loucos girassóis formais e negros que esses olhos espiam
na sombra da locomotiva maluca margem beira
San ladeiras Francisco
tarde de lata
sol-posto sentar-se vision.



Tradução de Leonardo Fróes

ALLEN GINSBERG- AMÉRICA



“América eu te dei tudo e agora não sou nada/ América dois dólares vinte e sete centavos 17 de janeiro de 1956/ América não aguënto mais minha própria mente/ América quando acabaremos com a guerra humana? Vá se foder com sua bomba atômica/ Não estou legal não me encha o saco/ Não escreverei meu poema enquanto não me sentir legal/ América quando é que você será angelical?/ Quando você tirará sua roupa?/ Quando você se olhará através do túmulo? Quando você merecerá seu milhão de trotskistas? América por que suas bibliotecas estão cheias de lágrimas: América quando você mandará seus ovos para a Índia/ Eu estou cheio de suas exigências malucas”.

terça-feira, 8 de julho de 2008

TRATADO DA IMBECILIDADE


O gordo imbecil tem a mania que tem piada
os imbecis lá fora confratenizam
o bigodes imbecil tosse
o poeta imbecil escreve
a vida imbecil prossegue
os concorrentes imbecis vão ao programa imbecil
as gajas boas e imbecis mostram-se
o poeta imbecil embebeda-se
os concorrentes imbecis vão ao concurso imbecil sacar o prémio imbecil
sempre atrás do prémio sempre atrás do caralho do dinheiro imbecil
puta de vida imbecil
imbecil como o apresentador gordo e imbecil
imbecil como o país imbecil que não avança
imbecil como o cidadão comum imbecil que não se revolta
imbecil como as relações imbecis entre as pessoas
imbecil como os presentes imbecis do presidente da Câmara
imbecil como o ferro de engomar imbecil do "Preço Certo"
imbecil como os fins de tarde imbecis em Vilar do Pinheiro
imbecil como a patroa imbecil que não se cala
imbecil como o poeta imbecil que se debruça para apanhar a caneta
imbecil como o telemóvel imbecil que não toca
imbecil como a criança imbecil que brinca
imbecil como o rock n' roll imbecil que não passa
imbecil como o cofre imbecil na televisão
imbecil como a cerveja imbecil que desliza
imbecil como o "Deslize" imbecil que foi à vida
imbecil como as cartas imbecis ao gordo imbecil
imbecil como o presidente da Câmara imbecil que processa
imbecil como a concorrente gorda e imbecil que tropeça nas escadas
imbecil como o mundo imbecil que não muda
imbecil como o cliente imbecil que não entra
imbecil como as mamas da concorrente imbecil que saem por fora
imbecil como o Pires imbecil que ganha um sofá
imbecil como o sofá imbecil onde se senta o Pires
imbecil como os carros imbecis que circulam na estrada
imbecil como esta lenga-lenga imbecil que não acaba
imbecil como as árvores imbecis que não saem do sítio
imbecil como a roda imbecil que anda à roda
imbecil como o sorriso imbecil do barbudo pateta
imbecil como a postura sóbria e imbecil do pivot do Telejornal
imbecil como as notícias imbecis das oito da noite
imbecil
tremendamente imbecil
absolutamente imbecil
e acaba.

PARTIDO SURREALISTA SITUACIONISTA LIBERTÁRIO

segunda-feira, 7 de julho de 2008


Entram as gajas
e entram as mamas

e eu no Pátio
a olhar para o Ramiro
as empregadas trabalham
e eu curto rock n' roll.

domingo, 6 de julho de 2008

ESTE PAÍS


O Ranço Salazarista


texto de Baptista Bastos publicado no Diário de Notícias


Cada vez mais nos afastamos uns dos outros. Trespassamo-nos sem nos ver. Caminhamos nas ruas com a apática indiferença de sequer sabermos quem somos. Nem interessados estamos em o saber. Os dias deixaram de ser a aventura do imprevisto e a magia do improviso para se transformarem na amarga rotina do viver português e do existir em Portugal.

Deixámos cair a cultura da revolta. Não falamos de nós. Enredamo-nos na futilidade das coisas inúteis, como se fossem o atordoamento ou o sedativo das nossas dores. E as nossas dores não são, apenas, d’alma: são, também, dores físicas.

Lemos os jornais e não acreditamos. Lemos, é como quem diz - os que lêem. As televisões são a vergonha do pensamento. Os comentadores tocam pela mesma pauta e sopram a mesma música. Há longos anos que a análise dos nossos problemas está entregue a pessoas que não suscitam inquietação em quem os ouve. Uma anestesia geral parece ter sido adicionada ao corpo da nação.

Um amigo meu, professor em Lille, envia-me um email. Há muitos anos, deixou Portugal. Esteve, agora, por aqui. Lança-me um apelo veemente e dorido: ‘Que se passa com a nossa terra? Parece um país morto. A garra portuguesa foi aparada ou cortada por uma clique, espalhada por todos os sectores da vida nacional e que de tudo tomou conta. Indignem-se em massa, como dizia o Soares.’

Nunca é de mais repetir o drama que se abateu sobre a maioria. Enquanto dois milhões de miúdos vivem na miséria, os bancos obtiveram lucros de 7,9 milhões por dia. Há qualquer coisa de podre e de inquietantemente injusto nestes números. Dir-se-á que não há relação de causa e efeito. Há, claro que há. Qualquer economista sério encontrará associações entre os abismos da pobreza e da fome e os cumes ostensivos das riquezas adquiridas muitas vezes não se sabe como.

Prepara-se (preparam os ’socialistas modernos’ de Sócrates) a privatização de quase tudo, especialmente da saúde, o mais rendível. E o primeiro-ministro, naquela despudorada ‘entrevista’ à SIC, declama que está a defender o SNS! O desemprego atinge picos elevadíssimos. Sócrates diz exactamente o contrário. A mentira constitui, hoje, um desporto particularmente requintado. É impossível ver qualquer membro deste Governo sem ser assaltado por uma repugnância visceral. O carácter desta gente é inexistente. Nenhum deles vai aos jornais, às Televisões e às Rádios falar verdade, contar a evidência. E a evidência é a fome, a miséria, a tristeza do nosso amargo viver; os nossos velhos a morrer nos jardins, com reformas de não chegam para comer quanto mais para adquirir remédios; os nossos jovens a tentar a sorte no estrangeiro, ou a desafiar a morte nas drogas; a iliteracia, a ignorância, o túnel negro sem fim.

Diz-se que, nas próximas eleições, este agrupamento voltará a ganhar. Diz-se que a alternativa é pior. Diz-se que estamos desgraçados. Diz um general que recebe pressões constantes para encabeçar um movimento de indignação. Diz-se que, um dia destes, rebenta uma explosão social com imprevisíveis consequências. Diz a SEDES, com alguns anos de atraso, como, aliás, é seu timbre, que a crise é muito má. Diz-se, diz-se.

Bem gostaríamos de saber o que dizem Mário Soares, António Arnaut, Manuel Alegre, Ana Gomes, Ferro Rodrigues (não sei quem mais, porque socialistas, socialistas, poucos há) acerca deste descalabro. Não é só dizer: é fazer, é agir. O facto, meramente circunstancial, de este PS ter conquistado a maioria absoluta não legitima as atrocidades governamentais, que sobem em escalada. O paliativo da substituição do sinistro Correia de Campos pela dr.ª Ana Jorge não passa de isso mesmo: paliativo. Apenas para toldar os olhos de quem ainda deseja ver, porque há outros que não vêem porque não querem.

A aceitação acrítica das decisões governamentais está coligada com a cumplicidade. Quando Vieira da Silva expõe um ar compungido, perante os relatórios internacionais sobre a miséria portuguesa, alguém lhe devia dizer para ter vergonha. Não se resolve este magno problema com a distribuição de umas migalhas, que possuem sempre o aspecto da caridadezinha fascista. Um socialista a sério jamais procedia daquele modo. E há soluções adequadas. O acréscimo do desemprego está na base deste atroz retrocesso.

Vivemos num país que já nada tem a ver com o País de Abril. Aliás, penso, seriamente, que pouco tem a ver com a democracia. O quero, posso e mando de José Sócrates, o estilo hirto e autoritário, moldado em Cavaco, significa que nem tudo foi extirpado do que de pior existe nos políticos portugueses. Há um ranço salazarista nesta gente. E, com a passagem dos dias, cada vez mais se me acentua a ideia de que a saída só reside na cultura da revolta.