quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O EU TODO-PODEROSO

É madrugada. Escrevo. Não estou na rua Carlos Teixeira mas na rua da Senra. A Leonor não dorme a meu lado. Zangou-se comigo. Não consigo dormir. Os comprimidos não fazem efeito. Tenho altos e baixos durante o dia. Serei eu, de facto, um grande poeta ou terei a capacidade de vir a sê-lo? Ou não passo de um escritor mediano? Sim, creio que tenho em mim a grandeza, a busca da idade do ouro, de um Graal. Vou encontrando as respostas nos livros. Há ouro dentro de mim. Há a infância. Como Rimbaud derramo fogo. Não, não sou dos menores. Tenho em mim a vida. Celebro-a. Os galos cantam. Não estou na Carlos Teixeira. A Leonor não está. Apesar disso, sinto-me mais senhor. A caminho do "eu todo poderoso" de Stirner. Insulto o universo. Amaldiçoo os poderosos, os ricos, os banqueiros. Porque hão-de ter eles tudo enquanto eu ando aqui a contar os trocos? Que valem eles mais do que eu? Quanto vale a minha obra? Atingi um patamar em que sou realmente um Poeta, um filósofo até.
É madrugada. Escrevo. Os deuses vêem ter comigo e coroam-me rei. Rei de outras eras, de Camelot, de Elsenor. Rei nestes tempos do mercado e da troca. Rei que corteja as mulheres. Senhor do tempo e da vida. Não, não me apanhais. Estou liberto. Não tenho as vossas maneiras. Venho buscar o indivíduo todo inteiro, o novo messias. Venho procurá-lo na cidade, na aldeia. Venho procurá-lo nos livros. Acendo-me. Sou. Faço parte de uma tribo de iluminados. Não sei explicar. Venho de uma estrela. Sou o Eu todo-poderoso.

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