quinta-feira, 12 de julho de 2012

A DÁDIVA E O GANHO

Textos de António Pedro Ribeiro ----------------------------------------------------- Edição 80, 13 Julho 2012 A DÁDIVA E O GANHO O pão com queijo que a nossa mãe nos dava na infância, era dado, não ganho. Havia um mundo de descobertas, "um mundo dominado pela magia", como diz Henry Miller. A vida da infância parecia "um universo ilimitado", enquanto que a vida de adulto parece "um reino a diminuir constantemente". Obter o pão passa a ser mais importante do que comê-lo. Perde-se o valor da dádiva, tudo se torna calculado e com um preço. O capitalismo apodera-se das nossas mentes na escola, nos media. "Ninguém dá nada a ninguém", diz-se. Seres humanos passam fome nas ruas. É um mundo cão, com pouca generosidade, com pouca bondade. E a situação tende a agravar-se. Porque é que a vida não é dada como na infância? Porque nos impõem a luta pelo ganho, pela sobrevivência? Porque temos de seguir sempre a mesma via? ---- O MEDO DO MERCEEIRO Como diz o filósofo José Gil, a poupança, a economia, o apelo ao sacrifício corresponde à "redução do espaço de expansão dos corpos, de investimento afectivo, de liberdade corporal, de espontaneidade do desejo", ao "controlo permanente, à autodisciplina mutiladora da vontade de vida (e da vida da vontade)". Por isso, o capitalismo dos mercados e o discurso e a prática do governo são em si mesmos castradores. Geram cidadãos obedientes, pequenos, cumpridores, sem uma ponta de criatividade ou de excesso. A máquina de propaganda, o "Big Brother" está sempre aí a formatar, a encarreirar os carneiros, com cada vez menos opiniões próprias sobre a coisa pública, limitando-se à vidinha e à contemplação de imagens televisivas. Eis o merceeiro, o homem do medo, do calculismo e das pequenas vantagens. Não foi para isto certamente que nascemos, que a vida nos foi dada, não foi para isto que brincávamos na infância. Não é esta a vontade de vida, a vontade soberana. www.jornalfraternizar.pt.vu

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