quinta-feira, 15 de março de 2012

ENTREVISTA A A.PEDRO RIBEIRO EM "A VOZ DA PÓVOA"


Poemas com Cafeína

José Peixoto

Nasceu no Porto em Maio de 1968, no mesmo ano e mês em que, em Paris, a juventude estudantil se manifestava contra o conservadorismo de uma Europa anquilosada. Actualmente António Pedro Ribeiro vive em Vilar de Pinheiro. É licenciado em Sociologia e assume-se como um revolucionário da palavra. Colaborador de diversas revistas, é autor de nove livros de poesia e um de prosa poética. Em Novembro de 2011, publicou “Café Paraíso” nas Edições Bairro dos Livros.


A Voz da Póvoa – No percurso do poeta há sempre uma mesa de café?



António Pedro Ribeiro

António Pedro Ribeiro – Este livro vem na sequência de outros como: “à mesa do homem só”, “Sallon” e “um poeta no piolho”. Tenho escrito essencialmente nos cafés. E tem sido essa vivência dos cafés que tem marcado a minha escrita nos últimos anos. Neste livro há uma recolha de poemas premeditada. Alguns estavam completamente esquecidos no computador, outros andavam desaparecidos em papéis.


A.V.P. – Como é que se consegue concentrar num café?


A.P.R. – Consigo perfeitamente escrever com o ruído do Piolho, da Brasileira de Braga, do Guarda Sol da Póvoa, do Pátio ou dos cafés da minha aldeia. O ruído às vezes até ajuda. As conversas, o empregado de mesa, o gerente, o homem que berra, o bêbado, o louco, os teóricos e os revolucionários de café. São tudo personagens que surgem. Não é necessariamente o silêncio que me faz escrever.


A.P.R. – Onde considera que o livro Café Paraíso se separa dos anteriores?


A.P.R. – O culto do álcool e das noitadas existe menos. É mais o café da tarde e menos o bar da noite. Continua a existir a mulher, mas já não é uma figura de culto. É a mulher que passa, que enche o café, a mulher bonita, a empregada de mesa a quem nós às vezes oferecemos poemas. A mulher que te faz escrever.


A.V.P: - A sua poesia exige um leitor com o ouvido no mundo?


A.P.R. – Na televisão há uma máquina de propaganda que está ao serviço dos mercados, dos governos, das comissões europeias, dos bancos centrais europeus e FMI. Às vezes acho que se trata de uma manipulação completa, mas tenho que prestar atenção para poder reflectir, filtrar a notícia e escrever o que penso. A pessoa nem sempre consegue dominar essa máquina que lhe é impingida.


A.V.P. – Há um outro poeta mais atento às coisas do sentimento?


A.P.R. – Há o poeta da alma, mesmo que digam que somos corpo. Apesar das teorias da psicanálise, acho que existe uma alma. E é a alma que nos distingue dos animais e de outros homens que já deixaram de ser homens. Com isso vem o amor, a liberdade, a curiosidade. A curiosidade é fundamental para descobrir. Enquanto tiver curiosidade continuarei a fazer coisas.


A.V.P: - A “Poesia de Choque” é tal como o nome diz ou há lugar para o amor?


A.P.R. – Eu e o Luís Beirão tentámos fugir à poesia mais lírica. Convidamos uma certa poesia de intervenção ou Beatnick. Não tem que ser necessariamente de subversão política. Há também lugar para a harmonia sem choque. Podemos dizer poemas de amor mas não é propriamente do Eugénio de Andrade. No Clube Literário chegámos a ter a sala completamente cheia. Agora acontece no café Olimpo.


A.V.P. – Nasceu em Maio de 68. Acredita que essa revolução pode repetir-se?


A.P.R. – Hoje as razões voltaram a não ser só materiais. Há também uma voz que grita a liberdade. Em parte isso acontece na Grécia onde, para além de razões materiais, há uma revolução pela liberdade. Uma revolta contra todo um sistema. Contra a tal máquina. As imagens repetem-se: os carros incendiados e a polícia. Acho que mais tarde ou mais cedo vai acontecer uma revolução como a de Maio de 68.

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