domingo, 26 de dezembro de 2010

VÉSPERA DE NATAL


São seis da madrugada. Estou, de novo, em Braga. É véspera de Natal. "Deixaremos os palácios do poder na solidão da sua miséria e iremos paa outro lado", gritam os estudantes em Itália. Eis a revolução dionisíaca. Eis a rebelião que cospe nos palácios do poder e surge onde menos se espera. Pode até ser aqui, na pena do poeta, que escreve em Braga às seis da madrugada. No silêncio da caneta verde. Aproxima-se o Grande Meio-Dia. Escutai-me, companheiras, companheiros. Estamos a atravessar para o outro lado. Break On Through to the Other Side, como cantava Morrison. Escutai-me. Estou lúcido novamente. As irmãs estão desavindas mas eu estou lúcido. O menino veio ter comigo, abraçou-se a mim e eu fiquei lúcido. Solto palavras que não sei de onde vêm. Este é, de novo, o dia triunfal. "Deixaremos os palácios do poder na solidão da sua miséria". Eis o chamamento. Zaratustra está aqui. "Estaremos à entrada dos portões ao raiar da aurora". Eis o canto dos pássaros da manhã. Sou louco. Danço contigo, minha rainha. Desafio-vos daqui, ó palácios do poder e dos mercados. É por ser louco que já não vos temo. E hoje é, de novo, o dia triunfal. Nasço aqui, de novo. Os meus pais voltaram a unir-se. São meus a noite e o dia. É noite, ainda. Ouço o cântico dos rios e da lua, como Zaratustra. Mas o dia não tarda. Desta vez, terei mesmo de seguir irredutivelmente a via. Sou louco. Tenho os séculos em mim. Vim para junto das mulheres. Elas dão-me de comer e de beber. E eu posso cantar. Sou louco. Mas não tenho de andar sempre a exibir a minha loucura. Procuro-me nas paredes. Trepo a minha mente. Sou aquele que veio para a glória. Há carros a passar lá fora. "Deixaremos os palácios do poder na solidão da miséria". Deixemos o poder entregue à miséria. Vivamos o dia tiunfal, o Grande Meio-Dia. Dancemos e cantemos na praça. Derrubemos as lojas dos vendilhões, como Jesus. Queimemos o dinheiro. É noite. Ao raiar da aurora estaremos à entrada dos portões. Não quero dormir. Dionisos afaga-me os cabelos. Afasto-me dos agentes da ordem. Os miúdos berram. Por enquanto aqui ainda não partem montras. Desprezo tudo quanto é contrário à vida. É noite. Mas o dia não tarda.

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