domingo, 21 de março de 2010
DESPOJAMENTO, CONHECIMENTO, CRIAÇÃO
Ao Artur Queiroz
Ao António Manuel Ribeiro
Ao Padre Mário de Oliveira
Tenho de ser despojamento, tenho de ser criação. Procuro o conhecimento do homem e da mulher. Dou-me a quem me ama. Sigo uma espécie de religião. Mas não é bem uma religião. É uma forma de vida. Talvez seja, em parte, o Jesus do padre Mário. A vida dos negócios, do lucro não me interessa. Limito-me a vir ao café, a relacionar-me superficialmente com as empregadas, a observar os patrões. Não, não sou do negócio. Nem do stress, nem da pressa, nem da pressão, nem da competição. Sou do Homem. Do homem que ri, dança e cria. Posso estar em baixo, posso estar no inferno mas é desse homem que venho. Daí a suposta serenidade excessiva, intrigante.
É a liberdade que me interessa. É pela liberdade que me bato. Se me retirarem um bocadinho que seja da minha liberdade eu já não sou o mesmo. E depois há o amor. O amor que sinto quando passas. O amor que nos eleva. O amor que nos desarma. Que nos aproxima da loucura. Sim, porque já sofremos a humilhação pública. Não, não somos do negócio. Do está sempre tudo bem. Não somos da feira nem do mercado. Por vezes descemos à praça pública mas sabemos o que a praça pública diz de nós. Às vezes até nos ama, bate-nos palmas, endeusa-nos mas outras vezes destrói-nos, diminui-nos. Também é verdade que já pouco ou nada temos a perder. Também é verdade que tudo temos a ganhar. E não devemos nada a ninguém. Podemos desejar tudo. Podemos desejar a loira que come croissants ao balcão. Podemos ser tudo o que quisermos. Numa folha de papel está o que somos. Numa folha de papel derramamos a vida. Sem àlcool. Só com a loira à nossa frente. No deserto do café. Há mais de duas horas que estamos a escrever. Escrevemos lentamente, ao ritmo do cérebro e do coração. Coração que, ainda ontem, ainda hoje batia forte, desesperado. Parecia que nos queria deixar. Mas estamos aqui. Continuamos aqui. Os homens riem e bebem àgua das pedras. Temos de ser despojamento, conhecimento, criação. Somos do Homem. Escrever o que escrevemos é o nosso trabalho na terra. Nada mais. Há dias em que vamos dizê-lo à praça pública. Há dias, noites, em que nos transformamos. Nada mais. Somos do homem e da mulher.
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