Reportagem
Vale do Cávado: pagar para provar que se procura emprego
por Liliana Valente, Publicado em 11 de Fevereiro de 2010 .Empresas pedem dinheiro e obrigam desempregado a trabalhar de graça para carimbar declarações de prova junto do centro de emprego
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Maria Conceição Lopes foi a única das desempregadas a deixar-se fotografar. Costureira desde os 18 anos, continua à procura de emprego em fábricas de têxtil Nelson d'Aires/kameraphoto 1/1 + fotogalería .Chamam-lhe "chapa cinco" e é uma prática de algumas empresas da região do vale do Cávado conhecida pelos desempregados da zona. Não se trata de pagar para trabalhar, mas de pagar para provar que se está à procura de emprego. É pedido aos desempregados da região cinco euros por carimbo. O esquema das empresas vai mais longe e várias desempregadas relataram ao i que foram "convidadas" a trabalhar à experiência, de graça, sem que lhes fosse garantido qualquer contrato de trabalho e sem que essas horas (ou dias) viessem a ser pagas.
Foi o que aconteceu a Maria da Conceição Lopes, uma desempregada que trabalhou no sector têxtil durante 31 anos. Conceição, como gosta de ser chamada, foi convocada pelo Centro de Emprego (CE) de Barcelos para comparecer numa empresa. E conta o episódio: "Quando lá cheguei a dona da empresa mandou-me ir no dia a seguir para começar às oito da manhã. Fui às nove e ela pôs-me a trabalhar à experiência. Chegou a hora de almoço e eu fui perguntar-lhe se era para ficar e ela disse-me se eu queria trabalhar três dias à experiência, mas que não tinha trabalho para mim." "Então se não tinha porque é que queria que eu ficasse lá a trabalhar!?", questiona. A resposta chega logo a seguir: "Hoje são todos mais mentirosos. Aproveitam-se de haver muitos desempregados que têm de mostrar que estão à procura de trabalho." A necessidade de comprovar junto do CE a procura activa de emprego leva as pessoas "a sujeitarem-se", explica.
A substituição por outro trabalhador aumenta a pressão junto dos funcionários do sector. A meio caminho entre Barcelos e Esposende, com o olhar a correr em radar a zona, Odete aceita encontrar--se com o i, mas explica que "o medo de denunciar os abusos" é grande entre quem tem emprego. Também Odete já teve de trabalhar de graça para ver a declaração assinada: "Um dia fui a uma empresa. Éramos umas dez, algumas ficaram a trabalhar à experiência. No dia a seguir foram mais e no outro... Ficam com o trabalho feito e não pagam."
À explicação de Odete junta-se a indignação de Isabel. "Porque é que o CE manda pessoas para estas empresas?", pergunta a jovem desempregada que foi convocada pelo CE para uma empresa em risco de fechar e que deve salários aos trabalhadores.
A pergunta de Isabel encontra resposta na denúncia de Odete: "A ideia é massacrar, massacrar até que o trabalhador ceda e se despeça e perca os direitos. Assim a empresa pode ir buscar outro trabalhador ao CE."
O esquema é simples: seja por iniciativa do desempregado ou porque é convocado pelo CE, o desempregado quando chega à empresa é "convidado" a trabalhar à experiência para que possa comprovar junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) que respondeu à convocatória ou que está activamente à procura de trabalho.
Empresas-fantasma O Centro de Emprego de Barcelos reencaminhou desempregados para uma empresa-fantasma. O i teve acesso a cartas enviadas pelo IEFP a várias mulheres desem- pregadas de Barcelos e Esposende, remetendo-as para uma empresa sedeada numa habitação social, sem que lá exista qualquer empresa.
As sete mulheres - trabalhadoras do sector têxtil - receberam uma notificação do Centro de Emprego de Barcelos para se apresentarem na empresa Anabela Pereira Martins, em Novembro passado. A morada indicada pela carta é a de uma casa social na localidade Palmeiras de Faro, perto de Esposende (ver fotografia). Do lado de fora, as cortinas, as persianas a meio e as fechaduras partidas dão nota de que ali não funciona nenhuma empresa. As mulheres foram posteriormente encaminhadas para uma outra empresa do sector têxtil, em Esposende, onde os salários não são pagos a tempo e horas.
A situação é recorrente no sector têxtil na região, explica ao i o presidente do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes. Manuel Sousa acusa o centro de emprego de não fazer qualquer rastreio às empresas que procuram desempregados. "O centro de emprego não controla e envia muitas vezes as pessoas para empresas que na realidade não existem. Ou porque nunca existiram ou porque faliram e recrutam para novas empresas do mesmo dono", revela.
Grande parte dos pedidos de funcionários feitos ao CE são de pequenas empresas familiares, que funcionam muitas vezes nas casas dos donos.
Odete, uma das trabalhadoras, explica que há funcionárias "que são colocadas em empresas que não têm condições, muitas vezes a penar até à meia-noite". A mesma trabalhadora conta que "há quem trabalhe para empresários em nome individual, numa espécie de garagem". E deixa a descrição: "Aquilo nem tem número de porta!"
Os empresários em nome individual do sector do têxtil são quem mais recruta trabalhadores despedidos de grandes fábricas que faliram com o agudizar da crise. A questão das trabalhadoras fica no ar: "Porque é que só as grandes empresas é que estão a abrir falência?" A resposta chega pela voz de Maria Conceição. "As grandes empresas do têxtil pagavam horas extraordinárias, horas nocturnas, faziam os descontos certos para a Segurança Social." E as pequenas? Odete explica: "Nós neste momento estamos a ser explorados. Trabalhamos nove, 10, 11 horas que não são pagas, são para gozar um dia se o patrão quiser. Como nunca quer, acabamos por dar horas de graça."
As horas extraordinárias são o menor dos problema. "O grande problema é o medo, a pressão", explica Odete. "Somos obrigados a aguentar."
O sector do têxtil na zona do vale do Ave e Cávado empurrou milhares de pessoas para os centros de emprego. Só no concelho de Barcelos estavam desempregadas em Dezembro 5426 pessoas, quase 3 mil mulheres.
O elevado nível de desemprego no vale do Cávado chamou a atenção dos partidos políticos. O Bloco de Esquerda (BE) já questionou o Ministério do Trabalho sobre o envio de pessoas para empresas-fantasma no concelho de Barcelos. O deputado Pedro Soares explica que "a situação no vale do Ave e Cávado ultrapassa os limites admissíveis da dignidade humana. Há empresas que estão a aproveitar-se da fragilidade das pessoas de- sempregadas". Por isso o BE pondera a apresentação de um pedido de um plano estratégico para combater o desemprego na região. Também o PCP já teve conhecimento da situação das trabalhadoras.
A directora do Centro de Emprego de Barcelos, Madalena Quintão, questionada pessoalmente, remeteu a resposta para a direcção do IEFP do Norte e recusou- -se a comentar as denúncias relatadas. O i apresentou a questão ao IEFP, que até à hora de fecho desta edição não comentou.
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sábado, 13 de fevereiro de 2010
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