sábado, 26 de dezembro de 2009
O CRIADOR E O HOMEM PEQUENO
O padre Mário exalta os pobres, da mesma maneira que PCP e MRPP exaltam os trabalhadores. Eu não tenho de exaltar os pobres nem os trabalhadores. Os pobres e os trabalhadores muitas vezes expulsam o artista, o criador, o revolucionário. Os pobres e os trabalhadores não reagem. Os pobres e os trabalhadores deixam-se enterrar na merda. Em parte, sobretudo os trabalhadores, por culpa própria. Não procuram a luz, o Graal, a sabedoria. Tenho mais pena dos pobres do que dos trabalhadores, claro. Sei que o capitalismo os condena à pobreza. Sempre que tenho dinheiro dou-lhes esmola. Mas isto não vai lá com caridades e esmolas. Isto tem que ver com a liberdade, com a revolta. Quando estás no palco com 200 pessoas à tua frente podes influenciá-las. É isso que deves continuar a fazer. Provocá-las. Influenciá-las. Mesmo que estejas a falar da anca das gajas. Mesmo que falhes, tens de voltar a fazê-lo. É assim o artista, o mago, o criador, o revolucionário. Não pode ser igual aos outros. Escolhe as palavras. Joga com elas. Muitas vezes permanece calado. POrque nada há a dizer. Porque não encontra nada para dizer. Acredita na revolução. É ele próprio a revolução. Por vezes entende-se com os niilistas, bebe cervejas com eles. Mas não é como eles. Acredita. Morreu e renasceu várias vezes. Se não acreditasse nunca mais teria renascido. A história repete-se. O eterno retorno. Houve, em tempos, uma Idade do Ouro. Agora a Terra está, de novo, nas mãos dos detentores do Poder e do Dinheiro, de ladrões, salteadores, assassinos, mercenários, mafiosos, estamos no Império da Treva. E cumpre-nos a nós, os despojados, desafiar esse Império. Cumpre-nos, a nós, os que já nada têm a perder, abandonar tudo: casa, família, emprego, para ir combater. Combater desarmados, armados apenas com a palavra. Porque sabemos que estamos certos. Porque odiamos o mercado e o capital. Porque estamos fartos. "Estamos fartos de tantos rodeios/ fartos de esperar, com o ouvido colado ao chão". Não fazemos das palavras um mero objecto de diversão como fazem os poetas da corte. Às vezes fazemos os outros rir mas não queremos ficar por aí. Chateia-nos aquele risinho idiota, das piadas idiotas, que só perpetuam o status quo. Aborrece-nos de morte a intriga, a inveja, o diz que diz que vai aí pelas casas. Aborrece-nos o homem pequeno, a mulher pequena, o reino da mesquinhez, da mercearia que é lacaio do Grande Poder, do Grande Dinheiro. O homem pequeno, o pobre, o "trabalhador honesto" rejeita o artista, o mago, o criador quando este veste a pele do mendigo, quando este está possuído pela depressão. Por isso, não podemos estar sempre do lado dos pobres, dos trabalhadores. O pobre, o trabalhador, toma muitas vezes o partido dos poderosos porque não compreende e teme a loucura do criador. Por isso, somos como os antigos cavaleiros. Temos uma missão. Uma missão tantas vezes incompreendida, mesmo e sobretudo, pelos que nos estão mais próximos. Por isso, tantas vezes nos sentimos sós. Só, de tempos a tempos, nos aparecem almas gémeas que nos compreendem, que nos tentam compreender. O homem pequeno, tal como o homem do Poder, destila veneno. Às vezes o poeta, o criador tem de afastar-se, tem de subir à sua montanha para não se deixar envenenar. O homem pequeno fala a linguagem do Deus-Dinheiro, da mercearia, do mercado, do lucro, da intriga, da competição, da acumulação. O poeta, o criador, por vezes, deixa-se contaminar mas tem de voltar ao seu caminho, ao caminho da solidão, ao caminho que conduz a si mesmo. O poeta, o criador, não pode enaltecer nem exaltar o homem pequeno, o cidadão comum. É feito de outra substância. É feito de altura, de além. É fruto da Criação. É a própria Criação. É isto que vós, homens pequenos, nunca compreendereis. Despojai-vos de tudo, das vossas intrigas, da vossa mentira, do vosso dinheiro, do vosso mercado, da vossa mercearia, se quereis ser grandes! Estou a falar-vos do Amor, do Amor, do amor, da porra do amor!
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3 comentários:
quando é que fazes um poema tão erótico quanto a imagem que postaste?
csd
excelente texto. obrigado.
obrigado eu.
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