domingo, 5 de julho de 2009
O QUE DIZER AO MUNDO?
Os pássaros
a "Vita" no meu colo
a felicidade animal
mas eu sinto-me triste
uma melancolia insolúvel
como a de Curtis
passei a tarde a ler "Nexus" de Henry Miller
o homem abre-me a cabeça
a angústia do escritor
a página em branco
o que dizer ao mundo?
Os sinos tocam
ainda é dia
e eu cá fora no jardim
será que vou chegar a algum lado?
Ou permanecerei no quase anonimato?
Um dia talvez seja internado
por causa da minha loucura
que, de vez em quando,
vem ao de cima
prefiro a loucura
a este estado quase sonâmbulo
em que a depressão me vai comendo
dia após dia
é certo que há noites
em que bebo a noite toda
em que falo com este e aquela
e a euforia espreita
quase rebenta
mas depois volta a letargia
o tédio dos dias de solidão
ainda não bati no fundo
mas já lá vão os dias apoteóticos
em que me sentia bem exilado na aldeia
e escrevia, em triunfo,
poema atrás de poema
sinto-me extraordinariamente lúcido
não há aqui sublime, nem Deus,
nem alma em fogo
apenas os pássaros a cantar
os gatos a passar
e eu, no jardim, a escrever
agarrado à caneta
como quem agarra a vida
é das únicas coisas que sei fazer
é a minha vida
habituei-me a isto
escrevo
mas não estou extasiado
é a minha ocupação
apenas isso
já não consigo ter outra
o meu perfil
não se adequa ao mercado
e, no fundo, até estou
a cagar para isso!
Vilar do Pinheiro, 5.7.2009
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