sexta-feira, 10 de abril de 2009

NA BRASILEIRA- PARTE 3


A "Brasileira" remodelada. Faz 102 anos. Mais dois que o "Piolho". Os homens riem. Inclusivé o que teve a polémica comigo. Aqui o capitalismo também não chega tanto. Apesar de estar em todos os lados. E o velhote da república abandona a "Brasileira". Escrevo. Sou escritor. Poeta. é a minha missão. Não há volta a dar-lhe. E a Gotucha não vem. São quase 7. Não sinto o capitalismo aqui em Braga, embora saiba que ele está cá. Chegou o cavalheiro que cumprimenta toda a gente. E eu vou publicando uns livros que, à excepção de um, vão chegando a pouca gente. É como nas bandas. Também têm os seus "hits". Eu tenho o meu. Chama-se "Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro". E está perfeitamente actual nos dias que correm. Tenho de continuar a dizê-lo. No "Púcaros" ou onde for. Estou-me a ver aí a pregar na praça pública. O que é que me iria acontecer? Não estamos no tempo dos pregadores embora, se calhar, até estejamos. O "Queimai o Dinheiro" é uma espécie de pregação. Sem Deus, contra o mercado e contra o dinheiro. As famílias agarram-se à família. Escrevo. O que é que isso diz aos restantes clintes deste café? Escrevo e a Gotucha nunca mais vem. A miúda lê. Deixou de ler. Chegou o companheiro. Também eu, quando a Gotucha chegar, deixarei de escrever. O velhote socialista abandona a "Brasileira". O cavalheiro amável, que cumprimenta toda a gente, devora a nata. Passa o Ângelo Vaz, o pintor, o oportunista. As horas passam. A Gotucha não vem. O meu pai fazia retratos, caricaturas. E fazia-o bem. Cada um tem os seus talentos. Os meus são escrever e dizer textos. Não tenho que ser igual ao Gilberto. Não tenho de atinar com os métodos do Gilberto. Passa na rua mais um personagem de outrora. O Jaime é que já não aparece. Foi-se o Jaime. Parece que ficou alguma literatura. E pronto, lá vem o capitalismo! Um gajo começa a falar de dinheiros, de impostos e de contratos. Odeio essas conversas! Sou visceralmente anti-capitalista e anti-mercantilista. Estou na mesa 107. A miúda está outra vez sozinha. Não, o gajo volta. Na "Brasileira" a tarde inteira. O poeta bebe. Sabe que é poeta. Independentemente do mundo. As cervejas vão-se bebendo. O Cãndido já foi embora. A Gotucha não vem. As horas passam. O puto brinca. Este é o reino. AQui e agora. Entra uma gaja sorridente. A Gotucha chega.